REl - 0600713-91.2024.6.21.0162 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/11/2024 00:00 a 23:59

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Tenho que o recurso é tempestivo, visto que a sentença foi publicada no Mural Eletrônico da Justiça Eleitoral em 08.10.2024 e o recurso eleitoral interposto em 09.10.2024. Presentes os demais pressupostos para admissibilidade recursal, conheço do apelo e passo à apreciação da matéria de mérito.

MÉRITO

Antes de adentrar ao mérito da controvérsia narrada, é necessário registrar que este Juízo não teve acesso ao inteiro teor do vídeo objeto da presente representação, visto que o arquivo não acompanhou a inicial, a qual, corretamente, informou a URL individualizada da publicação, bem como, por determinação judicial neste expediente, já fora o conteúdo removido da plataforma da rede social.

Não há controvérsia quanto à autoria ou ao teor do conteúdo veiculado, que se encontra, inclusive, transcrito nas razões recursais. O litígio reside no sentido desinformativo ou ofensivo à honra do representante dado pela publicação, bem como no alegado uso de artifício de inteligência artificial para criação de conteúdo proscrito pela legislação.

Inicialmente, não há como observar se houve uso de inteligência artificial para edição ou trucagem, com base nas provas disponíveis, mas tal questão não se mostra relevante para o julgamento, ante a disponibilidade do teor da publicação na documentação juntada pelas partes.

Nesse ponto, cumpre observar que o âmbito de cognição do juízo eleitoral é mais amplo do que o do juízo comum, estando autorizado a fazer uso de fatos públicos e notórios, indícios e presunções, além da prova produzida, de forma que restem preservados o interesse público na lisura do processo eleitoral, nos termos do art. 23 da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.

 

No caso dos autos, nos termos da sentença, o recorrente publicou vídeo no seu perfil do Facebook, individualizado na URL <https://www.facebook.com/watch/?v=834400498854473&ref=sharing>, no qual, a partir de trechos pinçados de falas proferidas pelo então candidato à reeleição EDGAR THIESEN em uma live realizada anos atrás, aventou a omissão de patrimônio no registro de candidatura nas Eleições Municipais de 2024, bem como a realização de atos de improbidade administrativa, ante a utilização de maquinário da Prefeitura em obra particular que estaria sendo realizada em local de propriedade de EDGAR.

Com relação ao fato 1 (omissão de patrimônio no registro de candidaturas), a transcrição aponta a seguinte fala e sequência de imagens (ID 45754784):

Fala: “Após SEMANAS analisando discursos, investigando documentos (todos públicos, de livre acesso) e percebendo várias INCOERÊNCIAS, fiz um breve compilado com algumas das coisas que a comunidade de Passo do Sobrado PRECISA TER CONHECIMENTO! Estou aberto a críticas, desde que a embasadas em fatos ou documentos, assim como eu fiz.

Descrição da imagem: “Logo abaixo, sobre imagem da declaração de bens apresentada quando do registro da candidatura foi transcrito:

Duas salas comerciais na Galeria Farah/SCS com valores muito abaixo do mercado;

Disse que tinha 3 lojas com terreno próprio em Passo do Sobrado, mas declarou apenas 2 terrenos com loja e 1% da loja Amarelinho

Lojas em Santa Cruz, Sinimbu e Venâncio. Nem constam ou declarada participação mínima.

 

Nesse ponto, a intenção do legislador ao colocar a declaração de bens entre os documentos de obrigatória apresentação por ocasião do requerimento de registro de candidatura, foi propiciar à sociedade traçar um paralelo entre os bens informados na época do pedido de registro e aqueles existentes no final do mandato eletivo, para fins de constatação de acréscimo patrimonial lícito e para verificar a licitude dos recursos empregados na campanha.

Na fala do recorrente, resta claro que promoveu averiguação de “incoerências” na declaração de bens do candidato, cotejando o declarado no registro de candidatura, com fala pretérita proferida. Nesse ponto, tenho por não prosperar a procedência da alegação de que o recorrente induziu o eleitor a acreditar que o recorrido EDGAR, na condição de candidato ao pleito municipal, omitiu e/ou falsificou informações no preenchimento da declaração dos seus bens, em nítida fraude ao processo eleitoral. Eventual discrepância na declaração de bens do candidato não tem o condão, por si só, de configurar o crime de falsidade ideológica eleitoral, como podemos ver na jurisprudência que colaciono a título de exemplo:

RECURSO CRIMINAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. DECLARAÇÃO FALSA. AUSÊNCIA DE RELEVÂNCIA PARA O PROCESSO ELEITORAL. PROVIMENTO. 1- As informações constantes da declaração de bens, para fins de registro de candidatura, não se mostram relevantes para o processo eleitoral em si, e eventuais omissões existentes no referido documento não implicam a falsidade ideológica descrita no art. 350 do Código Eleitoral. 2- Ademais, a finalidade de uma declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral é a instrução dos pedidos de registros de candidaturas, podendo servir futuramente apenas como baliza para aferição do acréscimo patrimonial daquele que eventualmente virá a ocupar um cargo eletivo. 3- Nessa senda, o C. TSE tem se posicionado no sentido de que eventual omissão de bens na declaração apresentada no momento do registro de candidatura não configura o crime de falsidade ideológica eleitoral, capitulado no art. 350 do CE. 4- Recurso provido.

(TRE-PE - RC: 1051 PE, Relator: ROBERTO DE FREITAS MORAIS, Data de Julgamento: 06.05.2014, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 84, Data 09.05.2014, Página 12.)

 

Passo à análise do fato 2 (utilização de maquinário da prefeitura em obra particular), onde a transcrição da publicação possui o seguinte conteúdo:

Primeira imagem: QUESTIONAMENTO:

Alguém consegue me confirmar se essas máquinas são da Prefeitura?

Segunda imagem: QUESTIONAMENTO

Alguém consegue me confirmar se essas máquinas

são da Prefeitura?

Prestando serviço em obra particular, em prédio conhecidamente do Edgar

As imagens narradas são as seguintes, as quais foram juntadas à exordial:

 

Com efeito, a partir da análise da situação fática narrada e dos documentos apresentados, observo que a publicação extrapola a crítica política, como defendido pelo recorrente, pois, aventar, sem apresentação de suporte documental ou fático mínimo, que máquinas da prefeitura realizavam obra em propriedade do recorrido, indubitavelmente, tem o condão de criar estados mentais negativos no eleitorado.

Repiso, não há nos autos qualquer indicação de que o maquinário estivesse a serviço da prefeitura e de que realizava uma obra em propriedade de EDGAR. Em momento algum o recorrente indica qual o suporte a alicerçar tal afirmação, razão pela qual entendo que a informação veiculada é sabidamente inverídica e promove desinformação através do desvirtuamento de fatos.

Em relação ao conceito de fato sabidamente inverídico, o colendo Tribunal Superior Eleitoral já firmou o entendimento segundo o qual "a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias".

Logo, para ser considerada ilícita, é exigível que a veiculação contenha inverdade flagrante que não apresente controvérsias, ou que a mensagem veiculada tenha conotação ofensiva, notadamente porque as liberdades de expressão e de manifestação do pensamento devem ser exercidas e pautadas mediante compromisso ético com a informação verossímil e com a vedação de veiculação de mensagem com o intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa.

Na presente hipótese, penso que a veiculação questionada traz afirmação sabidamente inverídica e que ofende a honra do recorrido, verificando-se ilação apta a ensejar ato de improbidade administrativa, dissociada de qualquer suporte fático a tornar a alegação controversa, concluindo-se que o recorrente, no caso em tela, sobejou no seu direito à crítica política e à livre manifestação do pensamento, com insinuações sugestivas que têm o condão de influenciar o pleito.

Ou seja, o recorrente divulgou material sabidamente inverídico, ao arrepio do regramento vertido no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19.

Sobre o ilícito, na esteira do entendimento sufragado pela Corte Superior Eleitoral, deve recair a multa disposta no art. 57-D da Lei das Eleições. Nesse sentido, é o entendimento do c. TSE:

ELEIÇÕES 2022. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REPRESENTAÇÃO PROCEDENTE. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR NA INTERNET. DIVULGAÇÃO DE FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS. PRETENSÃO DE REEXAME. INCONFORMISMO. 1. Não há obscuridade em relação à aplicação da multa prevista no art. 57–D, § 2º, da Lei 9.504/97, porquanto a jurisprudência do TSE firmada para as Eleições de 2022 é no sentido da aplicabilidade da referida sanção na hipótese de abuso na liberdade de expressão na propaganda eleitoral na internet, a exemplo da veiculação de mensagens com conteúdo injurioso, difamatório ou sabidamente inverídico. 2. O acórdão embargado analisou a matéria de forma clara, objetiva e fundamentada, ainda que de modo contrário à pretensão recursal, o que evidencia o mero inconformismo da parte, finalidade para a qual não se prestam os embargos de declaração. 3. Não demonstrada a existência, no acórdão embargado, de algum dos vícios descritos no art. 275 do Código Eleitoral, c.c. o art. 1.022 do Código de Processo Civil, a rejeição dos embargos declaratórios é medida que se impõe. Embargos de declaração rejeitados.

(TSE, ED-Rp n. 060130762, Relator Min. Floriano De Azevedo Marques, publicado em 08.05.2024 - g. n.)

 

À vista da fundamentação, tenho por afastar a caracterização de ilicitude quanto ao primeiro fato narrado (omissão de patrimônio no registro de candidatura) e manter caracterizada a divulgação de fato sabidamente inverídico com relação ao segundo fato narrado (utilização de maquinário da Prefeitura em obra particular), motivo pelo qual dou parcial provimento ao recurso, mantendo, no entanto, a multa cominada no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), visto que já se encontra em seu mínimo legal.

Ante o exposto, VOTO por DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto por BRENDON DE ABREU LOPES, mantendo a multa aplicada no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), visto que já se encontra em seu mínimo legal.