REl - 0600425-26.2024.6.21.0007 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/11/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos processuais, razão pela qual dele conheço.

Mérito

Como relatado, a COLIGAÇÃO BAGÉ PARA TODOS interpõe recurso contra decisão que julgou parcialmente procedente representação por propaganda eleitoral irregular em face da veiculação de informações sabidamente inverídicas, proposta pela COLIGAÇÃO BAGÉ DE TODOS COM A FORÇA DO POVO.

As postagens objeto da representação são acompanhadas do texto infratranscrito:

Os fatos não mentem! Tudo que Roberta pontuou no debate da TV Liberdade tem prova e está reunido aqui! Mainardi responde a processos graves, incluindo um caso que envolve a Lei Maria da Penha, em que numa entrevista recente, mentiu sobre o assunto. Acesse o link na bio para conferir os processos completos e veja a face da mentira do candidato do PT (grifo meu)

A sentença de origem (ID 45752599) considerou que o termo “responde”, utilizado pela ora recorrente, sugere que os processos ainda estão em tramitação, quando, na verdade, estão extintos e arquivados:

Trata-se representação por irregularidade em propaganda eleitoral veiculada na internet nas redes sociais Instagram e Facebook quanto a supostas informações inverídicas e fatos descontextualizados em relação ao candidato Luiz Fernando Mainardi.

Com efeito, ainda que, em sede de cognição sumária, tenha ocorrido o indeferimento da medida liminar para fins de remoção da propaganda, a partir de uma reanálise das postagens divulgadas, sobretudo porquanto oportunizado o contraditório e a ampla defesa, observa-se que a publicação traz informações sabidamente inverídicas, nos termos do art. 27, §1º, da Resolução TSE 23.610/2019.

Isso porque, em análise detida das postagens, concluo que a representada utiliza o termo "responde", tratando-se de expressão conjugada no presente do indicativo, sugerindo que os processos estão em curso, o que, flagrantemente, vai de encontro à verdade fática, visto que os processos criminais citados estão extintos e arquivados.

Dessa forma, imperioso concluir pela existência de irregularidade nas propagandas objeto da presente demanda, em virtude da afronta aos dispositivos legais supramencionados.

Por outro lado, no tocante ao requerimento para cominação das penas de cassação de registro de candidatura por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação, tenho que não é possível sua análise em sede de representação por propaganda eleitoral irregular, uma vez que os procedimentos detêm escopos diferenciados.

Isso porque as representações por propaganda eleitoral irregular se enquadram no rito sumaríssimo previsto no art. 96 da Lei 9.504/97, já eventual reconhecimento de ilicitude da propaganda e seus consectários exigem maior dilação probatória.

Ante o exposto, acolho as preliminares arguidas para que o requerido Facebook Brasil passe a constar como terceiro interessado, bem como para retificar para o nome correto de Facebook Serviços Online do Brasil Ltda, e reformo a medida liminar concedida, julgando PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente representação para reconhecer a irregularidade da propaganda objeto da presente demanda, a fim de que, em até 24 (vinte e quatro) horas, o Facebook Serviços Online do Brasil Ltda remova a referida propaganda eleitoral irregular, conforme as URL's vinculadas na inicial e a representada se abstenha de reproduzir o conteúdo em qualquer tipo de mídia, sob pena de fixação multa diária.

Outrossim, reconhecida a prática de propaganda eleitoral irregular por parte da Coligação Bagé para Todos, em consonância com entendimento pacificado do Tribunal Superior Eleitoral, aplico à representada a multa prevista no § 2º do artigo 57-D da Lei nº 9.504/97, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Em suma, a recorrente requer o afastamento da multa em face da irregularidade reconhecida na sentença a quo.

Entretanto, à luz da legislação vigente, tenho que não assiste razão à recorrente.

A matéria é regulada pela Lei n. 9.504/97, em seu art. 57-D, § 2º:

 

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

                           § 1o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2o A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3o Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

 

 

Como bem anotado pelo parecer da Procuradoria, “a postagem realizada traz à tona processos judiciais que realmente existiram, como se ainda estivessem em andamento”. Porém, complementa o órgão ministerial, “o arquivamento dos processos referidos é informação notória e devidamente comprovada” (ID 45752629).

É nesse sentido o entendimento do TSE, que abaixo colaciono:

ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. CANDIDATO. PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR NA INTERNET. ALEGADA DIVULGAÇÃO DE FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO OU GRAVEMENTE DESCONTEXTUALIZADO. ART. 9º–A DA RES.–TSE Nº 23.610/2019. INDEVIDA ASSOCIAÇÃO DE CANDIDATO A CRIME DE HOMICÍDIO QUE JÁ FOI ELUCIDADO POR DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. CONTEÚDO JÁ TIDO COMO DESINFORMATIVO E OFENSIVO PELO PLENÁRIO DESTA CORTE. REITERAÇÃO DE PRÁTICA DESINFORMATIVA ÀS VÉSPERAS DA ELEIÇÃO. GRAVIDADE. ORDEM DE REMOÇÃO. LIMINAR DEFERIDA. REFERENDO.

1. A intervenção judicial sobre o livre mercado de ideias políticas deve sempre se dar de forma excepcional e necessariamente pontual, apenas se legitimando naquelas hipóteses de desequilíbrio ou de excesso capazes de vulnerar princípios fundamentais outros, igualmente essenciais ao processo eleitoral, tais como a higidez e a integridade do ambiente informativo, a paridade de armas entre os candidatos, o livre exercício do voto e a proteção da dignidade e da honra individuais.

2. Muito embora a maximização do espaço de livre mercado de ideias políticas e a ampla liberdade discursiva na fase da pré–campanha e também no curtíssimo período oficial de campanha qualifiquem–se como fatores que catalisam a competitividade da disputa e que estimulam a renovação política e a vivacidade democrática, a difusão de informações inverídicas, descontextualizadas ou enviesadas configura prática desviante, que gera verdadeira "falha no livre mercado de ideias políticas", deliberadamente forjada para induzir o eleitor em erro no momento de formação de sua escolha.

3. A desinformação e a desconstrução de figuras políticas a partir de fatos sabidamente inverídicos ou substancialmente manipulados devem ser rapidamente reprimidas pela Justiça Eleitoral, por configurarem verdadeira falha no livre mercado de circulação das ideias políticas, que pode desembocar na indução do eleitor em erro, com comprometimento da própria liberdade de formação da escolha cidadã.

4. A desinformação não se limita à difusão de mentiras propriamente ditas, compreendendo, por igual, o compartilhamento de conteúdos com elementos verdadeiros, porém gravemente descontextualizados, editados ou manipulados, com o especial intento de desvirtuamento da mensagem difundida, com a indução dos seus destinatários em erro.

5. O Plenário desta Corte já assentou que a associação de candidato à presidência da República a determinado crime de assassinato já elucidado por decisão judicial transitada em julgado configura fato sabidamente inverídico e altamente ofensivo, a justificar a remoção dos respectivos conteúdos. Precedentes.

6. A reiteração, às vésperas das eleições, de divulgação de conteúdo expressa e judicialmente já reconhecido como desinformativo e ofensivo é comportamento GRAVE, a impor a IMEDIATA remoção.

7. Liminar concedida referendada. (TSE - Rp: 06013076220226000000 BRASÍLIA - DF 060130762, Relator: Min. Maria Claudia Bucchianeri, Data de Julgamento: 14/10/2022, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão)

(Grifo nosso)

 

Alinhado ao posicionamento do TSE, a nossa Corte tem decidido da seguinte forma:

RECURSO. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. CANDIDATO. CARGO DE GOVERNADOR. PROPAGANDA ELEITORAL. VEICULAÇÃO EM REDES SOCIAIS. TERMOS SEM PRECISÃO TÉCNICA. APOSENTADORIA. PENSÃO. AFIRMAÇÃO SABIDAMENTE INVERÍDICA VEICULADA DE FORMA INTENCIONAL. OFENSA À HONRA SUBJETIVA. ART. 58 DA LEI N. 9.504/97. CONCEDIDO O DIREITO DE RESPOSTA. PROVIMENTO. 1. Insurgência em face de decisão que julgou improcedente pedido de direito de resposta ajuizado em desfavor de coligação e de candidatos. 2. O pedido de exercício de direito de resposta está previsto no art. 58 da Lei n. 9.504/97 e regulamentado no art. 31 da Resolução TSE n. 23.608/19. Postulação dirigida contra veiculação em redes sociais (Twitter, Facebook e Instagram) de fato sabidamente inverídico e de ofensa à honra, consistente na divulgação de desinformação quanto ao subsídio recebido por ex-governadores ao utilizar os termos "pensão" e "aposentadoria" para se referir ao candidato recorrente, e na prática de calúnia ao argumento de que o candidato teria se apropriado de um dinheiro que #não é seu#. Ao assegurar que o candidato estaria se beneficiando indevidamente de valores, o autor da mensagem ofende sua hora subjetiva e extrapola o limite aceitável da discussão política, do debate político, da ambiguidade que poderia ser criada na interpretação dos termos. 3. Ainda que as redes sociais, de fato, permitam o debate, quando houver ofensa à honra de candidato e veiculação de conteúdo inverídico, a Justiça Eleitoral não pode se furtar de permitir que o ofendido oficialmente exerça o direito de resposta no mesmo espaço. Se a postagem é manifestamente inverídica e ofende a honra do candidato, é legítimo que este tenha o direito de veicular uma resposta que seja visualizada pelos mesmos destinatários da mensagem original. 4. A legislação eleitoral impõe a candidatos, partidos, federações e coligações o dever de zelar pelo conteúdo divulgado na propaganda eleitoral, garantindo sua fidedignidade (art. 9º da Resolução TSE n. 23.610/19), sob pena de arcar com a veiculação do direito de resposta do ofendido. 5. Provimento. Concedido o direito de resposta. (TRE-RS - Direito de Resposta: 060197111 PORTO ALEGRE - RS, Relator: DRA. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Data de Julgamento: 22/09/2022, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 26/09/2022)

Sobre a incidência de sanção pecuniária ao caso, a interpretação dada pelo TSE é no sentido de ser cabível aplicar-se a multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97 na hipótese de abuso na liberdade de expressão ocorrido por meio de propaganda veiculada na internet:

ELEIÇÕES 2022. RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. DESINFORMAÇÃO. FATOS MANIFESTAMENTE INVERÍDICOS E DISCURSO DE ÓDIO. REMOÇÃO DAS PUBLICAÇÕES. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 57–D DA LEI 9.504/1997. POSSIBILIDADE. FIXAÇÃO EM PATAMAR MÁXIMO. ALCANCE DO CONTEÚDO VEICULADO. DESPROVIMENTO. 1. O art. 57–D da Lei 9.504/1997 não restringe, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, de forma que é possível ajustar a exegese à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internet – incluindo–se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário – que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral. 2. Descabe a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para diminuir o valor da penalidade aplicada, uma vez que o critério utilizado para a sua fixação foi o substancial alcance do conteúdo veiculado, o que potencializou sobremaneira o efeito nocivo da propagação da fake news. 3. Recurso Inominado desprovido.(TSE - Rp: 06017545020226000000 BRASÍLIA - DF 060175450, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Data de Julgamento: 28/03/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 149) (Grifo nosso)

Eleições 2022. [...] Representação eleitoral. Candidato a presidente da República. Pretensão de remoção de publicação veiculada no horário eleitoral gratuito na televisão e nas redes sociais. Liminar deferida. Decisão referendada. Fatos manifestamente inverídicos. Aplicação da multa prevista no § 2º do art. 57-D da Lei n. 9.504/1997. Possibilidade. Jurisprudência do tribunal superior eleitoral fixada para as eleições 2022. Alcance do conteúdo veiculado. Cominação de multa. 1. Nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral fixada para as Eleições 2022, permanece o interesse na remoção e abstenção de veiculação de propaganda eleitoral irregular depois do término do processo eleitoral, não havendo perda superveniente de objeto no caso. 2. A multa prevista no § 2º do art. 57-D da Lei n. 9.504/1997 incide sobre casos de disseminação de conteúdo sabidamente falso em propaganda eleitoral veiculada na internet, nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior fixada para as eleições de 2022. 3. São critérios objetivos a serem considerados para a fixação da multa, nos termos de recente precedente deste Tribunal Superior: a) a reiteração da propagação de conteúdo sabidamente inverídico; b) o número de seguidores; c) o alcance da veiculação; d) a proximidade do pleito. 4. Recurso provido para julgar procedente a representação, cominando multa aos representados, determinando a remoção do conteúdo veiculado e abstenção de nova veiculação [...]

(Ac. de 2.4.2024 no REC-Rp n. 060100448, rel. Min. Cármen Lúcia.) (Grifo nosso)

Representação. Eleições 2022. Presidente da república. Propaganda eleitoral irregular. Internet. Rede social. Conteúdo sabidamente inverídico e atentatório à honra de adversário. Art. 57-d, § 2º, da lei 9.504/97. Multa. Remoção de conteúdo. Procedência. [...] 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, é cabível aplicar-se a multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97 na hipótese de abuso na liberdade de expressão ocorrido por meio de propaganda veiculada na internet - como ocorre na divulgação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, e de informações injuriosas, difamantes ou mentirosas. [...] 3. No caso, o representado divulgou vídeo, em sua conta pessoal no Twitter, que contém suposta reportagem de telejornal em que se noticia gravação atribuída a líder de facção criminosa que relata a proximidade de governos do Partido dos Trabalhadores com grupos dessa natureza. [...] 5. A publicação impugnada transmite informação inverídica relativa a vínculo inexistente entre o Partido dos Trabalhadores e organizações criminosas - como já reconhecido por esta Corte Superior em diversas representações, dentre as quais o referendo de liminar na Rp nº 601325-83/DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, publicado em sessão em 14.10.2022. 6. Há nítido objetivo de propagar desinformação com o intuito de interferir no pleito que se avizinhava. Ademais, como este Tribunal já constatou em outras oportunidades, a postagem atingiu, ainda que indiretamente, o candidato ao cargo de presidente da República da coligação representante. 7. Comprovada a propagação de notícia falsa em detrimento de adversário político com aptidão para vulnerar a normalidade do processo eleitoral, é cabível aplicar-se, na espécie, a multa prevista no § 2º do art. 57-D da Lei 9.504/97, que dispõe que ‘(a) violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais)’. 8. Na hipótese em análise, faz-se necessário aplicar multa acima do mínimo legal, tendo em vista a reiterada veiculação de fatos sabidamente inverídicos pelo representado e a grande repercussão do conteúdo ilícito. 9. Consoante a mais recente jurisprudência firmada por esta Corte Superior, a superveniência das eleições não implica a perda do objeto do pedido de remoção de conteúdo ilícito. [...] Representação cujo pedido se julga procedente para aplicar ao representado multa de R$ 15.000,00 e, ainda, determinar a remoção do conteúdo irregular.”

(Ac. de 8.2.2024 na Rp nº 060155613, rel. Min. Benedito Gonçalves, red. designado Min. André Ramos Tavares.) (Grifo nosso)

Logo, é legítima a aplicação de multa pela realização de propaganda eleitoral veiculada na internet mediante disseminação de conteúdo sabidamente falso, conforme previsto no § 2º do art. 57–D da Lei n. 9.504/97.

Nesse passo, tenho que, configurado o ilícito, a sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.