REl - 0600334-66.2024.6.21.0093 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/03/2025 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é adequado, mostra-se tempestivo e comporta conhecimento.

Passo à analiso do mérito recursal.

 

MÉRITO

No mérito, trata-se de recurso interposto em face da sentença do Juízo a quo que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral por alegado uso indevido da máquina pública com abuso de autoridade/poder político e econômico e suposta captação ilícita de sufrágio, proposta por GIOVANE WICKERT contra JARBAS DANIEL DA ROSA e IZAURA BERNADETE BERGMANN LANDIM, então Prefeito e Vice-Prefeita do Município de Venâncio Aires, reeleitos.

Os fatos apontados pelo recorrente versam sobre a utilização da máquina pública do município em favor dos recorridos, candidatos reeleitos nas Eleições de 2024 para os cargos de prefeito e vice-prefeito, mediante a distribuição de kits de materiais de limpeza adquiridos através de verba de ajuda humanitária (doações) e do Governo Federal à população atingida no contexto da calamidade pública decorrida após a enchente ocorrida no Rio Grande do Sul no ano de 2024.

Primeiramente, quanto à repressão ao abuso de poder político e econômico possui previsão constitucional insculpida no § 9º do art. 14 da Carta Magna. Vejamos:

Art. 14. […]

§ 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Concretizando o comando constitucional, foi editada a Lei Complementar n. 64/90, que, visando a proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, estabeleceu, em seus artigos 19 e 22, que as transgressões pertinentes seriam apuradas mediante investigação judicial

Art. 19. As transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo Corregedor-Geral e Corregedores Regionais Eleitorais.

Parágrafo único. A apuração e a punição das transgressões mencionadas no caput deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

(...)

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010.) (Grifei.)

Categorizados como condutas de conceito aberto, os atos abusivos são conceitualizados como aquele ato que extrapola o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e/ou do poder político, decorrente da função pública exercida, capaz de causar indevido desequilíbrio por tais condições na igualdade entre os concorrentes ao pleito.

Destaco excerto doutrinário de lavra de CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO e WALBER DE MOURA AGRA, que melhor exemplifica a conceitualização do que seria um ato abusivo na seara eleitoral:

O abuso de poder econômico e político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. Há uma exacerbação de meios materiais que apresentem conteúdo econômico para o voto de forma ilícita. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade. (Elementos de Direito Eleitoral, 5ª ed., 2016, p. 422.)

Importante destacar que tal conduta não necessita, necessariamente, ser gravosa a ponto de alterar o resultado das urnas, caso não ocorresse. Conforme dispõe o inc. XVI, do já citado art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, a quebra da normalidade do pleito, maculando-se a isonomia entre os candidatos, já requisito suficiente para classificar determinada prática como abusiva. In verbis:

Art. 22.

(…)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Na mesma linha, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, em consolidada jurisprudência, entende que, para a caracterização da abusividade, faz-se necessária a comprovação da gravidade dos fatos e sua potencialidade para influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar a disputa entre os candidatos, devendo ser amparada em prova robusta a demonstrar tal desvirtuamento.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. Conforme a jurisprudência desta Corte, o ‘abuso de poder econômico configura–se por emprego desproporcional de recursos patrimoniais, públicos ou de fonte privada, vindo a comprometer valores essenciais a eleições democráticas e isentas’ (AgR–RO 8044–83, rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 5.4.2018). 2. [...]. 3. Conforme a jurisprudência desta Corte e nos termos do art. 22, XVI, da LC 64/90, para que fique configurada a prática de abuso de poder, é necessária a comprovação da gravidade dos fatos, e não sua potencialidade para alterar o resultado da eleição, isto é, deve–se levar em conta o critério qualitativo – a aptidão da conduta para influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar –, e não o quantitativo, qual seja a eventual a disputa entre os candidatos diferença de votos entre o candidato eleito para determinado cargo e os não eleitos. 4. A cassação do registro ou diploma deve se basear em provas robustas, o que não se vislumbra elementos objetivamente demonstrados no decisum na espécie. Se há fundadas dúvidas acerca da gravidade da conduta, é recomendável dar prevalência à vontade popular exsurgente das urnas. Recurso especial provido. Ação cautelar julgada procedente. (Recurso Especial Eleitoral nº 114, Acórdão, Relator Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 39, Data 25/02/2019, Página 28/29).

Por sua vez, a captação ilícita de sufrágio tem esta definição jurídica:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil e cinquenta mil UFIR, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n.º 64, de 18 de maio de 1990.

§ l.º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (...)

A hipótese legal busca a proteção da liberdade de consciência e de voto do eleitor, de modo que a vontade do eleitor corresponde ao bem jurídico protegido. Nesse sentido, é a conceitualização prevista na doutrina de JOSÉ JAIRO GOMES e RODRIGO LÓPEZ ZILIO:

“A captação ilícita de sufrágio denota a ocorrência de ato ilícito eleitoral. Impõe-se, pois, a responsabilização dos agentes e beneficiários do evento. Estará configurada sempre que a eleitor for oferecido, prometido ou entregue bem ou vantagem com o fim de obter-lhe o voto (...). A perfeição dessa categoria legal requer: (i) realização de uma das condutas típicas, a saber: doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal a eleitor, bem como contra ele praticar violência ou grave ameaça; (ii) fim especial de agir, consistente na obtenção de voto do eleitor; (Ui) ocorrência do fato durante o período eleitoral”. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 8.a ed., São Paulo, Atlas, 2012, p. 519)

“A captação ilícita de sufrágio é uma das facetas da corrupção eleitoral e pode ser resumida como um ato de compra de votos. Desse modo, a captação indevida de sufrágio se caracteriza como uma relação bilateral e personalizada entre o corruptor e o corrompido. “A jurisprudência do TSE exige, cumulativamente, para a configuração da captação ilícita de sufrágio, o cumprimento dos seguintes requisitos: (a) capitulação expressa da conduta no tipo legal descrito no art. 41–A da Lei nº 9.504/1997; (b) realização da conduta no período eleitoral; (c) prática da conduta com o especial fim de agir, consubstanciado na vontade de obter o voto do eleitor ou de grupo determinado ou determinável de eleitores; (d) existência de conjunto probatório robusto acerca da demonstração do ilícito, considerada a severa penalidade de cassação do registro ou diploma” (ROEl nº 0603024-56/DF – j. 27.08.2020 – DJe 26.10.2020). Em síntese, pois, a captação ilícita de sufrágio se configura quando presentes os seguintes elementos: i) a prática de uma conduta (doar, prometer, etc.); ii) a existência de uma pessoa física (o eleitor); iii) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter voto); iv) o período temporal específico (o ilícito ocorre desde o pedido de registro até o dia da eleição). (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral.  Rodrigo López Zilio – 10.ed., rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora JusPodivm, 2024, p. 792).

De se notar, conforme as notas doutrinárias colacionadas, que a captação ilícita tem por pressupostos: a) a prática de uma das condutas previstas no art. 41-A da Lei das Eleições; b) mediante conduta, cujo fim específico seja obter o voto do eleitor; c) praticada com a participação ou anuência do candidato beneficiário da prática. Tais pressupostos devem ser verificados de forma concomitante, conforme já entendeu o colendo Tribunal Superior Eleitoral quando do julgamento do AgR-REspe n.º 815.659, de relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI. In verbis:

ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504197. CONFIGURAÇÃO. CONHECIMENTO PRÉVIO. DEMONSTRAÇÃO. MULTA PECUNIÁRIA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. NÃO PROVIMENTO.

1. A decretação de nulidade de ato processual sob a alegação de cerceamento de defesa - inobservância do art. 22, 1, a, da LC 64/90 - pressupõe a efetiva demonstração de prejuízo, nos termos do art. 219 do CE, o que não ocorreu no caso concreto. Precedentes.

2. A caracterização da captação ilícita de sufrágio pressupõe a ocorrência simultânea dos seguintes requisitos: a) prática de uma das condutas previstas no art. 41-A da Lei 9.504197; b) fim específico de obter o voto do eleitor; c) participação ou anuência do candidato beneficiário na prática do ato.

3. Na espécie, o TRE/MG reconheceu a captação ilicita com esteio na inequívoca distribuição de material de construção em troca de votos - promovida por cabos eleitorais que trabalharam na campanha - em favor das candidaturas do agravante e de seu respectivo vice.

4. O forte vínculo político e familiar evidencia de forma plena o liame entre os autores da conduta e os candidatos beneficiários. Na hipótese dos autos, os responsáveis diretos pela compra de votos são primos do agravante e atuaram como cabos eleitorais - em conjunto com os demais representados - na campanha eleitoral.

5. A adoção de entendimento diverso demandaria o reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 7/STJ.

6. O valor da multa pecuniária foi fixado com fundamento na complexidade do esquema de aquisição, armazenamento e distribuição de materiais de construção e na reiterada prática dessa conduta visando à prática da captação ilícita de sufrágio.

7. Agravo regimental não provido. (TSE - AgR-REspe: 815659 MG, Relator: Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 01/12/2011, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 026, Data 06/02/2012, Página 28) (Grifei.)

Por fim, a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios por parte da Administração Pública, no período vedado pela legislação eleitoral, também pode ensejar conduta vedada a agente público, prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504 /97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

Delineados os limites da capitulação das condutas imputadas aos recorridos, passo à análise do caso concreto.

Adianto que, nos termos da bem-lançada sentença e em linha com o parecer do douto Procurador Regional Eleitoral, não merece prosperar a pretensão recursal.

É incontroversa a distribuição de itens de necessidade de limpeza básica e de entregas no escopo do chamado programa “Ajuda Venâncio”. Nesse ponto, a sentença foi clara ao reconhecer que a distribuição dos kits ocorreu em conformidade com a legislação vigente, especialmente com base no Decreto Municipal n. 10.227/24, que estabeleceu a possibilidade de retirada dos itens até o início do mês de outubro de 2024:

“Ainda, foi editado o Decreto n. 10.227, em 05/06/2024, que dispõe sobre o apoio humanitário a ser concedido as famílias residentes em áreas atingidas pelas chuvas intensas decorrentes do estado de calamidade pública declarada pelo Município por meio do Decreto 10.149, de 2 de maio de 2024, no qual seriam concedidas cestas básicas, Kit limpeza, Kit higiene, colchões de casal e de solteiro. E no referido decreto é estabelecido o prazo para retirada até outubro do corrente ano, nos seguintes termos:

“Art. 6º O usuário poderá retirar os itens concedidos até o dia 8 de outubro de 2024, mediante o "Sistema AJUDA VENÂNCIO - Gestão Programas de Apoio às Vítimas da Calamidade" em estabelecimento credenciado junto ao Município, a sua livre escolha, conforme relação disponibilizada no Órgão de Imprensa Oficial do Município no endereço eletrônico www.venancioaires.rs.gov.br.”

Bem assim, foi publicado o edital 10/2024, em 07/06/2024 (fl. 84) destinado ao credenciamento de pessoas jurídicas, para fornecimento de cestas básicas, kits limpeza e kits higiene destinados a população atingida pelas chuvas intensas conforme Decreto Municipal de situação de Calamidade Pública 10.149/2024. Referido edital possui a identificação do que deveria constar dos kits, bem como do valor unitário de cada kit. Constou com requisito do referido edital:

a) Possuir os itens objeto do contrato disponíveis em estabelecimentos localizados no Município de Venâncio Aires, ou ter ponto de entrega de fácil acesso no Município podendo, também, realizar a entrega na casa das famílias beneficiárias.

b) As cestas, os kits de higiene pessoal e de limpeza deverão estar organizados em sacolas para cada conjunto de itens no estabelecimento e devidamente identificados, facilitando o acesso ao beneficiário, bem como obedecer ao mesmo padrão na entrega a domicílio se este for o caso.

c) A proteção dos dados pessoais dos beneficiários constantes no cadastro do SIGBC, aos quais o estabelecimento terá acesso, deve seguir os critérios regidos pela Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados) a fim de manter o sigilo das informações do cidadão cadastrado e respectivo núcleo familiar.

O §4° do art. 2° ainda refere que a entrega dos produtos ocorrerá de forma imediata a solicitação no estabelecimento credenciado, no ponto instalado no município ou nas residências dos cidadãos credenciados conforme acordo de entrega entre as partes.

No entendimento deste julgador, a questão encontra guarida justamente no permissivo do art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97; ou seja, a situação de calamidade pública da qual fora acometida grande parte da população do município deslegitimaria a solução de continuidade da ação do Poder Executivo municipal na assistência emergencial da população. Nesse passo, a suspensão das políticas públicas assistenciais no período eleitoral traria sérios prejuízos à população já vulnerabilizada.

O argumento central trazido pelo recorrente de ser questionável a ampla distribuição de materiais no período eleitoral sem o devido controle de entrega aos beneficiários (o que, conforme defende o recorrente, contemplou pessoas que não estavam nas áreas atingidas pela enchente), não encontra suporte fático robusto a demostrar conduta abusiva ou vedada para o período.

Nesse ponto, a própria matéria colacionada pelo recorrente na exordial (ID 45719291) menciona que a “Administração Municipal abre segunda rodada de entregas do Vale Valoriza Venâncio” (datada de 09.8.2024). A referida matéria informa que a prefeitura abriu a segunda rodada de entregas de cestas básicas, kits de higiene e limpeza, através do programa Vale Valoriza Venâncio – Apoio Humanitário, para moradores que, independentemente de renda familiar, residissem em regiões afetadas pelas enchentes do mês de maio de 2024. A matéria jornalística, ainda, noticia que será aberta nova oportunidade para cadastramento das famílias interessadas em acessar os benefícios.

Portanto, evidente que o programa estava em franca atividade no período anterior às eleições, e manteve-se ativo no período eleitoral em decorrência da indispensável permanência do serviço público diante da necessidade de assistência da população.

Segundo a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, “a configuração do abuso de poder, com a consequente imposição da grave sanção de cassação de diploma daquele que foi escolhido pelo povo – afastamento, portanto, da soberania popular – , necessita de prova robusta da prática do ilícito eleitoral, exigindo-se que a conduta ilícita, devidamente comprovada, seja grave o suficiente a ensejar a aplicação dessa severa sanção, nos termos do art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90, segundo o qual, ‘para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam’” (Recurso Ordinário n. 191942, Acórdão, Relator Min. Gilmar Mendes, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume  25, Tomo  n. 4, Data 16.9.2014, p. 300).

Destarte, na hipótese vertente, não restou demonstrada a prática de ato abusivo ou com desvio de finalidade e, menos ainda, que pudesse ostentar gravidade apta a afetar a legitimidade das eleições.

Por fim, também vislumbro não haver prova mínima do preenchimento dos pressupostos da captação ilícita de sufrágio, que, no caso, seria prova sólida a demonstrar que a conduta perpetrada pelos recorridos foi apta a produzir influência na livre vontade do eleitor para que, em decorrência de benesse recebida, viesse a ser cooptado a votar nos candidatos, fato esse que não restou cabalmente demonstrado no feito.

Nesse contexto, impende gizar que a soberania da vontade popular, expressa nas urnas, há de ser preservada, ante a ausência de lastro probatório consistente de que a legitimidade do pleito foi maculada.

Ante o exposto, VOTO por NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto por GIOVANE WICKERT.