REl - 0600177-29.2024.6.21.0082 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/03/2025 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos processuais, razão pela qual dele conheço.
 

Mérito

Como relatado, MARCELO FARIA ELLWANGER e RODRIGO FERREIRA interpõem recurso em face de sentença de improcedência em Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) por abuso de poder político ajuizada pelos recorrentes em desfavor de JOÃO LUIZ DOS SANTOS VARGAS, FERNANDO VASCONCELLOS DE OLIVEIRA e VALDOMIRO COELHO DOS SANTOS.

Em apertada síntese, os recorrentes sustentam que o empréstimo de maquinário da Prefeitura, em período eleitoral, para obra de cunho particular, caracteriza abuso de poder e conduta vedada, na medida em que a prática resulta em vantagem indevida aos mandatários concorrendo à reeleição em detrimento dos demais candidatos.

Todavia, à luz dos elementos que informam os autos, como concluiu a douta Procuradoria Regional Eleitoral, não assiste razão aos recorrentes.

O sistema legislativo busca a proteção da normalidade e legitimidade do pleito, bem como o resguardo da vontade do eleitor de modo a não ser alcançada pela prática nefasta do abuso.

Com essa intelecção, o critério para ver configurado o abuso de poder passa, precipuamente, pela análise da gravidade da conduta, prescindindo da demonstração de prejuízo ou não ao resultado das urnas.

É o que preconiza o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

(...). (Grifei.)

 

Nesse sentido é também a posição da doutrina, aqui representada pela lição do festejado autor Rodrigo Lopez Zilio:

O relevante, in casu, é a demonstração de que o fato teve gravidade suficiente para violar o bem jurídico que é tutelado, qual seja, a legitimidade e a normalidade das eleições. Vale dizer, é bastante claro que a gravidade como critério de aferição do abuso de poder apresenta uma característica de correlação com o pleito, ou seja, tem-se por necessário examinar o fato imputado como abuso de poder e perscrutar a sua relação com a eleição, ainda que essa análise não seja realizada sob um aspecto puramente matemático. (Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: JusPodivm, 10ª ed. 2024, p. 756). (Grifei.)

 

Sob tal prisma, cabe analisar se a conduta atribuída aos recorridos resultou ou não em gravidade a repercutir na legitimidade e normalidade do pleito eleitoral na comuna da histórica São Sepé.

No caso, o acervo da conta de empréstimo, no dia 24 de agosto de 2024, de retroescavadeira pertencente à Municipalidade para realização de obra em terreno do Automóvel Clube do município referido.

O veículo foi cedido por apenas 1 (um) dia, em prática que, de forma incontroversa, ficou demonstrada ser recorrente.

Entretanto, não há identificação a permitir a vinculação do maquinário aos recorridos ou qualquer ente político.

O empréstimo não teve cobertura ou divulgação a auferir publicidade ao ato.

Nesse cenário, tenho que o fato não ostentou a gravidade almejada pelos recorrentes, na medida em que não demonstrada repercussão suficiente a macular a legitimidade da eleição. Tanto assim, aliás, que os ora recorrentes sagraram-se vencedores em relação aos recorridos – seus únicos adversários ao pleito majoritário em São Sepé.

E melhor sorte não socorre aos recorrentes sob a perspectiva das condutas vedadas.

O art. 73 da Lei n. 9.504/97 elenca taxativamente condutas proibidas aos agentes públicos, as quais exigem apenas a consunção do fato na legislação que o tipifica, pois, no entender do legislador, tendentes a afetar a paridade de armas entre os candidatos.

Na hipótese, não restou demonstrado que a cessão do bem teve caráter político, tampouco que o ato reverteu em benefício dos recorridos, requisito previsto para a configuração da conduta vedada disposta no inc. I do art. 73,  de sorte que incapaz o ato impugnado de macular a isonomia entre os concorrentes.

É dizer, não houve a subsunção dos fatos às normas.

O vetor da repercussão, saliento, é utilizado em precedentes do e. Tribunal Superior Eleitoral, seara na qual se demanda a existência de prova inequívoca de fatos que tenham dimensão bastante para desigualar a disputa eleitoral:

“Eleições 2020. [...] Inexistência de gravidade das condutas. Abuso do poder econômico e político. Não configurado. [...] 8. Na linha do que foi afirmado pela Corte de origem, não há, na espécie, prova robusta que demonstre a configuração do abuso de poder, porquanto, embora esteja comprovado nos autos que os candidatos se utilizaram da máquina pública para divulgar sua candidatura, não ficou demonstrada a repercussão das condutas (ainda que em seu conjunto) no âmbito do pleito e sua influência perante o eleitorado, para fins de albergar a configuração do abuso de poder, mediante a imposição das graves sanções de cassação de diploma e de inelegibilidade. 9. Consoante remansosa jurisprudência desta Corte Superior, não se admite reconhecer o abuso de poder com fundamento em meras presunções acerca do encadeamento dos fatos, porquanto ‘a configuração do abuso de poder demanda a existência de prova inequívoca de fatos que tenham a dimensão bastante para desigualar a disputa eleitoral’ [...] 11. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que, ‘para se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento’ [...]”.(Ac. de 11.5.2023 no AgR-AREspE nº 060055782, rel. Min. Sérgio Banhos.) (Grifei.)

 

Em desfecho, agora no que concerne à alegada improbidade administrativa, a matéria não é afeta a esta Justiça Eleitoral, porque ausente relação direta com o pleito, como bem delineou a sempre diligente Procuradoria Regional Eleitoral, in verbis:

Por derradeiro, quanto à tese de que o ato igualmente se classifica como improbidade administrativa, cabe ressaltar que, conforme o entendimento do e. TSE, “não compete à Justiça Eleitoral analisar práticas que podem consubstanciar atos de improbidade administrativa e não estão diretamente relacionadas com os pleitos eleitorais” (TSE, REspe n. 39792, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, publicado em 20/10/2015).

Ora, como visto, o fato em questão, por sua irrelevância, não tem relação direta com as eleições, de modo que a Justiça Eleitoral não dispõe de competência para julgar eventual improbidade administrativa no caso.
 

Em suma, ausente demonstração da prática de abuso de poder ou conduta vedada, há ser mantida a bem-lançada sentença por seus próprios fundamentos.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para manter hígida a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral.

É o voto.