REl - 0600566-79.2024.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/03/2025 00:00 a 21/03/2025 23:59

VOTO

O recurso é tempestivo. Ademais, encontram-se presentes os demais pressupostos de admissibilidade relativos à espécie recursal, de modo que a irresignação está a merecer conhecimento.

No mérito, SILVIO CAZANATTO recorre contra a sentença que desaprovou a prestação de contas referente ao cargo de vereador no Município de Ibiraiaras/RS. A decisão hostilizada aplicou multa de R$ 2.901,49 (dois mil novecentos e um reais e quarenta e nove centavos) ao recorrente, em virtude de (1) extrapolação do teto estabelecido para autofinanciamento e (2) realização de despesas com combustíveis para abastecimento de veículo próprio.

À Análise individualizada das irregularidades.

1. Limite de gastos. Teto e extrapolação.

No campo normativo, a matéria vem disciplinada no art. 23, § 2°-A, da Lei n. 9.504/97 e no art. 27, § 1°, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pela doadora ou pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º) .

§ 1º A candidata ou o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

(...)

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita a infratora ou o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de a candidata ou o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

(Grifei.)

O limite de gastos para o cargo de vereador no Município de Ibiraiaras, nas Eleições 2024, foi de R$ 15.985,08, teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, o que impunha ao candidato a obediência ao limite equivalente a 10% deste valor ao utilizar recursos próprios - R$ 1.598,51.

O candidato teria realizado autofinanciamento no valor de R$ 5.500,00, em excesso de R$ 2.901,49. SILVIO admite a extrapolação e alega que o excesso consiste em percentual pequeno, irrelevante, não comprometedor do equilíbrio na disputa eleitoral.

Sem razão.

A quantia excedida corresponde a 27,26% do total movimentado na campanha (que por si só afasta, na presente fase, o postulado da proporcionalidade), e o valor nominal alcança R$ 2.901,49 (que por si só afasta o postulado da razoabilidade). Ademais, cuida-se aqui do momento de verificação de excesso - ou seja, de desobediência a limite legal objetivo, em relação ao qual não é possível a aplicação dos referidos postulados, sob pena de tratamento privilegiado ao recorrente à míngua de disposição expressa para tanto. 

Portanto, uma vez que a prática da irregularidade é incontroversa, e o valor envolvido desborda dos limites legais, é irretocável a sentença no que diz respeito à caracterização da irregularidade, e no que diz respeito à necessidade da aplicação da multa prevista no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, supracitado.

A proporcionalidade, no caso posto, há de ser aplicada na fase seguinte, qual seja, do sancionamento. 

E é precisamente na dosimetria da multa que a sentença merece parcial reforma. No tópico, indico que por ocasião do julgamento da PCE n. 0603259-91, em 10.9.2024, relatora a Desa. Eleitoral PATRÍCIA DA SILVEIRA OLIVEIRA, restou assentado à unanimidade que a multa há de guardar relação proporcional com o limite extrapolado. 

No caso, SILVIO poderia autofinanciar R$ 5.500,00 e extrapolou em R$ 2.901,49 - desobediência ao limite na ordem de, em números redondos, 53% (cinquenta e três por cento), a multa há de guardar tal proporção - no caso, equivaler a 53% sobre o valor excedido - R$ 1.537,00 (mil quinhentos e trinta e sete reais).

Reduzo, assim, a sanção pecuniária para o valor de R$ 1.537,00 (mil quinhentos e trinta e sete reais). 

2. Despesas com combustíveis.

A realização de despesas com combustíveis para abastecimento de veículo próprio em período eleitoral é matéria regulada no art. 35, § 6º, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35 (…)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal da candidata ou do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pela candidata ou pelo candidato na campanha;

(...)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de: I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos na campanha para este fim. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024).

O parecer técnico conclusivo, indicado na sentença, apresentou em tabela os gastos com combustíveis:

O juízo a quo considerou que o total destes gastos, R$ 717,99, incidiu na vedação legal do art. 35, §6º, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que se trata de gasto de natureza pessoal do candidato, o qual não pode ser pago com recursos da campanha.

Contudo, no campo probatório assiste razão ao recorrente ao sustentar que um dos veículos era de propriedade do próprio candidato, previamente declarado no seu registo de candidatura, enquanto o outro foi cedido gratuitamente por terceiro, conforme termo de cessão apresentado nos autos. Essa documentação comprova de forma clara e objetiva o vínculo dos veículos com a campanha, demonstrando a boa-fé do candidato e a transparência na utilização de recursos.

Verifico que as notas fiscais referentes às despesas enumeradas se subdividem quanto às placas dos veículos abastecidos:

Placas OLR5F36, despesa de R$ 376,44;

Placas FRC6A63, as demais despesas.

Pois bem.

Quanto ao abastecimento no veículo de Placas OLR5F36, observo que, de fato, não constou no extrato de prestação de contas a anotação no campo relativo a “recursos estimáveis em dinheiro” – “cessão ou locação de veículos”. Ainda assim, entendo ser regular a despesa, pois se trata de automóvel formalmente cedido à campanha por Hellen da Silva Soares dos Santos, conforme Termo de Cessão de Veículo constante dos autos na apresentação da contabilidade (ID 45816690), cujo documento de propriedade fora juntado por ocasião de diligências (ID 45816756).

Ou seja, ainda que não incluído no extrato como recurso estimável, havia declaração por meio do documento de cessão.

E igual razão assiste ao recorrente quanto às despesas para abastecimento do veículo próprio. No ponto, o veículo constou da declaração de bens do candidato por ocasião do registro de candidatura e, quando citado para esclarecimentos ao exame das contas, fora apresentado comprovante de propriedade. A despeito da ausência de cessão do veículo, julgo justificada a despesa com combustível, nos termos da legislação de regência:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

(…)

§ 4º Ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas:

I - a cessão de bens móveis, limitada ao valor de R$4.000,00 (quatro mil reais) por pessoa cedente;

II - doações estimáveis em dinheiro entre candidatas ou candidatos ou partidos decorrentes do uso comum tanto de sedes quanto de materiais de propaganda eleitoral, cujo gasto deverá ser registrado na prestação de contas da(o) responsável pelo pagamento da despesa.

III - a cessão de automóvel de propriedade da candidata ou do candidato, de cônjuge e de suas (seus) parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha.

§ 5º A dispensa de comprovação prevista no § 4º não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas os valores das operações constantes dos incisos I a III do referido parágrafo.

Esta a posição deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÃO 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. CONHECIMENTO DE DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. DESNECESSIDADE DE NOVA ANÁLISE TÉCNICA. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. DOCUMENTAÇÃO APTA A AFASTAR A IRREGULARIDADE. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS E ATRASO NA ABERTURA DE CONTA. MERAS IMPROPRIEDADES. GASTO COM COMBUSTÍVEIS SEM A COMPROVAÇÃO DA CORRESPONDENTE CESSÃO, LOCAÇÃO OU PUBLICIDADE COM CARRO DE SOM. UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO PRÓPRIO. FALTA DE ANOTAÇÃO DA CESSÃO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. FALHA INCAPAZ DE GERAR A DESAPROVAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE CHEQUE SEM QUE A QUITAÇÃO TENHA SIDO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS. VALORES MÓDICOS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.
1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas de candidata ao cargo de vereadora, relativas às Eleições de 2020. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.
2. Conhecimento de documento juntado com a peça recursal, na esteira de julgados desta Corte, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.
3. Recebimento de recursos de origem não identificada - RONI. Analisando-se a documentação coligida com o recurso, constata-se que o extrato atinente à conta bancária indica o aporte mediante depósito em dinheiro, com a anotação do CPF, em sintonia com a imagem do comprovante bancário constante do recurso eleitoral, que contém a perfeita identificação da pessoa depositante. Além disso, o recibo eleitoral registra a doação realizada à campanha. Dessa forma, não há que se falar em recursos de origem não identificada, devendo ser arredada a irregularidade e, via de consequência, a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

4. A ausência de extratos bancários, no caso, reveste-se de mera impropriedade, porquanto não prejudicou a análise contábil, haja vista o exame técnico ter sido realizado plenamente por meio dos extratos eletrônicos disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral. Assim, a impropriedade reclama mera aposição de ressalvas, devendo ser afastada a desaprovação com base neste fundamento.
5. Aquisição de combustível sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia. A vereadora declarou, por ocasião do registro de candidatura, possuir automóvel, fato verificado a partir de consulta ao sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais. Dispensada a comprovação da cessão de automóvel de propriedade do candidato para uso pessoal durante a campanha, nos termos do art. 60, § 4º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19. A falta de anotação da cessão na prestação de contas, não obstante obrigatória, não se revela grave a ponto de acarretar a desaprovação do ajuste contábil.
6. Devolução de cheque sem a demonstração da quitação do débito. A inferência de que o fato “revela a ausência de pagamento de despesas de campanha eleitoral, sobre as quais resta comprometido o controle da Justiça Eleitoral” é demasiado especulativa, ante a ausência de outros indícios sobre eventuais despesas eleitorais não quitadas.
7. As irregularidades subsistentes não comprometem a confiabilidade das contas, perfazendo valores módicos, inferiores a R$ 1.064,10, de modo que se mostra cabível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para que a contabilidade seja aprovada com ressalvas, em conformidade com a jurisprudência pacífica desta Corte, impondo-se o afastamento da ordem de recolhimento ao erário.
8. Provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.
RECURSO ELEITORAL nº060085684, Acórdão, Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 29/09/2023.

Observo, ainda, que os gastos com combustível foram realizados com recursos privados, razão pela qual não houve - e de fato não deve haver - determinação de recolhimento de valores.

Por fim, de ofício determino a correção de erro material verificado na sentença quanto ao destino da multa aplicada, a qual deve ser recolhida ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), como previsto no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95, e não ao Tesouro Nacional, conforme indicado na decisão hostilizada.

CONCLUSÃO

O recurso deve ser parcialmente provido, para reconhecer regular a doação estimada de veículos para uso de campanha, e reduzir o valor da multa decorrente da extrapolação ao limite para uso de recursos próprios, irregularidade que permanece caracterizada.

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso de SILVIO CAZANATTO, nos seguintes termos:

(1) manter a desaprovação das contas, pois as irregularidades remanescentes equivalem a 14,7% do total das receitas, R$ 10.461,99, situação que inviabiliza a aprovação das contas, ainda que com ressalvas;

(1) afastar o reconhecimento das irregularidades relativas às cessões de veículos;

(2) manter a caracterização da prática de excesso no autofinanciamento e adequar proporcionalmente a multa para o valor de R$ 1.537,00 (mil quinhentos e trinta e sete reais).