REl - 0600058-25.2024.6.21.0161 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/03/2025 00:00 a 21/03/2025 23:59

VOTO

A presente representação foi ajuizada pela Coligação O Povo de Novo na Prefeitura contra Fernando Ritter, Secretário Municipal de Saúde de Porto Alegre, em razão de publicações em redes sociais que, segundo a inicial, configurariam as condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais descritas no art. 73, incs. I, III e IV, da Lei n. 9504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

 

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

(...)

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

 

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

(...)

 

A recorrente argumenta que Fernando utilizou informações privilegiadas, símbolos da administração pública e prédios públicos em benefício da campanha à reeleição do então prefeito Sebastião Melo.

A representação foi julgada improcedente com fundamento nas seguintes razões:

(…)

Primeiramente, tem-se que o representado não foi candidato a nenhum cargo eletivo no recente pleito eleitoral municipal. O representado é Secretário Municipal da Saúde em Porto Alegre, cargo que justifica a natural defesa das políticas da área, inclusive fazendo uso das informações de que dispõe em razão da função que desempenha. E esta defesa não se confunde com propaganda eleitoral.

 

Ademais, incontroverso que as postagens objeto da presente ação representação não foram veiculadas no horário de propaganda eleitoral, mas sim postadas no perfil pessoal do representado, na rede social do Instagram.

 

Das filmagens postadas, não se pode concluir que houve cessão ou uso, em benefício de candidato, partido político ou coligação, de bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta.

 

A respeito da vedação contida no inc. I do art. 73 da Lei nº 9.504/97, o TSE já decidiu que "a mera utilização de imagem de bem público em propaganda eleitoral não configura conduta vedada, exceto na hipótese excepcional de imagem de acesso restrito ou de bem inacessível".

 

No caso, como já dito, as filmagens não foram objeto de propaganda eleitoral, mas sim veiculadas no perfil pessoal do representado no Instagram.

 

Além disso, nada permite concluir que os locais onde feitas são de acesso restrito ou que se tratam de bens inacessíveis. Aliás, a falta de acesso ou a restrição de acesso não podem ser presumidos, cumprindo ao representante demonstrá-las. E não houve comprovação da falta ou da restrição de acesso onde feitas as gravações.

 

Com relação ao previsto no inc. III do art. 73 da Lei nº 9.504/97, tem-se que se caracteriza a conduta vedada quando há cessão do servidor público e o uso de seus serviços para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido ou coligação, o que igualmente não se verifica nas postagens feitas pelo representado.

 

O TSE já definiu que "no caso, a exteriorização de apoio político nos perfis pessoais dos servidores na rede social Facebook, ainda que durante o horário de expediente, não configurou a conduta vedada prevista no art. 73, III, da Lei nº 9.504/97. Isso porque não ficou demonstrado que teriam: (i) se ausentado do local de trabalho ou se deslocado do serviço para a campanha do candidato; (ii) utilizado bens públicos (computadores) do município; e (iii) apoiado candidato por ordem de chefia". (AgR-AI nº 12622/PR - j. 13.06.2019 - DJe 16.08.2019).

 

Ignora-se, no caso em análise, o horário em que feitas as filmagens, o que afasta a hipótese da cedência de servidor público ou empregado da administração durante o horário de expediente. Na inicial da presente representação e nas filmagens não constam os horários e dias em que foram feitas.

 

 

Com isso, não se pode concluir que foram realizadas em horário de expediente, como veda o inc. III do art. 73 da Lei nº 9.504/97, e, mesmo fossem, não configurariam conduta vedada, observados os termos da decisão acima referida.

 

Por fim, não houve demonstração de que foi feito ou permitido o uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público.

 

A previsão contida no inc. IV do art. 73 da Lei nº 9.504/97 tem por escopo vedar a prática do assistencialismo, caracterizado pela distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo poder público, para fins de obtenção de vantagem eleitoral.

 

Das postagens feitas pelo representado não se extrai o uso promocional da atividade desenvolvida na área da saúde, em benefício de partido, candidato ou coligação, como se daria, por exemplo, no caso de distribuição de vacinas com pedido ostensivo de votos ou acompanhadas de propaganda de candidato.

 

Portanto, ao que se vê, as gravações trazidas pelo representante não se amoldam às condutas vedadas previstas nos incs. I, III e IV do art. 73 da Lei nº 9.504/97, o que afasta a incidência da multa pretendida.

 

Por estas razões, julgo IMPROCEDENTE a presente representação, com a consequente revogação da liminar antes deferida.

(...)

 

Como se vê, a sentença considerou improcedente a representação, destacando a ausência de prova conclusiva sobre o uso irregular de bens ou serviços públicos, ou mesmo da realização das postagens em horário de expediente ou local de acesso restrito aos demais candidatos.

Relativamente às razões de reforma da sentença, inicialmente consigno que, embora a inicial e o recurso mencionem a existência de uma sequência de vídeos gravados nas dependências do Hospital de Pronto Socorro (HPS), foi bem demonstrado na defesa e em contrarrazões que não foi juntado aos autos nenhum vídeo de propaganda envolvendo o HPS.

Quanto aos demais fatos que fundamentam a ação, as postagens impugnadas foram veiculadas no perfil pessoal do recorrido nas redes sociais (Instagram) e incluíram a gravação e publicação de vídeos e imagens com pedidos explícitos e implícitos de voto para a reeleição do prefeito e de sua vice, e os conteúdos divulgados não configuraram propaganda eleitoral ilícita.

Ao analisar os autos, constata-se que a decisão recorrida examinou detalhadamente os argumentos das partes e as provas colacionadas, chegando a uma conclusão acertada, pois ficou demonstrado que as postagens objeto da controvérsia foram realizadas no perfil pessoal do representado em redes sociais, sem utilização ostensiva de bens públicos ou qualquer vinculação explícita a recursos materiais da administração.

O conteúdo das publicações, ainda que elogioso à gestão da saúde municipal, não ultrapassou os limites do direito à liberdade de expressão, essencial no debate público, sobretudo em período eleitoral. O recorrido, na condição de secretário municipal, possui prerrogativa de divulgar informações sobre a gestão pública, desde que dentro dos limites da legalidade, o que, na espécie, foi devidamente respeitado.

A alegação de que as gravações ocorreram em horários de expediente ou em locais de acesso exclusivo restrito aos demais candidatos não encontra suporte nos elementos probatórios.

Conforme destacado pela sentença, a recorrente não trouxe aos autos demonstração cabal de que os vídeos foram realizados utilizando bens ou recursos públicos de forma irregular, tampouco de que as postagens tenham violado hipóteses previstas no art. 73 da Lei n. 9.504/97. A ausência de comprovação do horário e da finalidade específica das gravações impossibilita a caracterização das condutas como vedadas.

Com esse entendimento, a jurisprudência deste Tribunal:

RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AIJE. ABUSO DE PODER. CONDUTAS VEDADAS. TUTELA DE URGÊNCIA CONCEDIDA. SENTENÇA IMPROCEDENTE. INCOERÊNCIA DAS DECISÕES. AUSENTE. JUÍZOS COGNITIVOS DIVERSOS. PRELIMINAR ACOLHIDA. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL IRREGULAR. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DA COLIGAÇÃO. MÉRITO. PROPAGANDA ELEITORAL. TV E REDES SOCIAIS. UTILIZAÇÃO DE IMAGENS DE BENS PÚBLICOS DISPONÍVEIS NA INTERNET. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL NÃO CARACTERIZADA. GRAVAÇÃO DE PROGRAMA ELEITORAL. NÃO DEMONSTRADO O ACESSO RESTRITO AO LOCAL DAS IMAGENS E A ALEGADA QUEBRA DA ISONOMIA. CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS. NÃO OCORRÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS MINISTERIAL E DO PARTIDO. 1. Recursos em face de sentença que revogou a tutela provisória inicialmente concedida e julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral por prática de abuso de poder político e econômico e de condutas vedadas. 2. Preliminar acolhida. Não conhecido o recurso interposto pela coligação, assistente litisconsorcial, com fundamento no art. 76, § 2º, inc. I, do CPC, uma vez que a entidade não apresentou procuração válida ao advogado que subscreve o apelo. Ausência de representação processual regular. 3. Ação fundamentada na divulgação de dois vídeos na propaganda eleitoral dos recorridos, supostamente elaborados mediante o uso de serviços, servidores e bens públicos, em benefício de campanha eleitoral e sob a forma de publicidade institucional em período vedado. 4. As condutas vedadas são espécie do gênero abuso de poder e somente acarretam a procedência da ação de investigação judicial quando comprovada a gravidade das circunstâncias, capaz de afetar a normalidade e a legitimidade das eleições e ensejar a aplicação das severas sanções de inelegibilidade e de cassação dos registros dos representados. 5. Propagandas não caracterizadas como publicidade institucional. O material não foi divulgado pela municipalidade em seus canais de comunicação e inexiste qualquer prova de que tenha sido custeado com recursos públicos, não se verificando a hipótese de incidência de condutas vedadas a agentes públicos. 6. A vedação ao uso de servidores e bens públicos em benefício da campanha não equivale à proibição do emprego da imagem de bens e locais públicos ou de servidores, já tendo o TSE decidido que #a mera utilização de imagem de bem público em propaganda eleitoral não configura conduta vedada, exceto na hipótese excepcional de imagem de acesso restrito ou de bem inacessível# (RO n. 060219665, Rel. Min. Edson Fachin, DJE 14.4.2020). 7. Inacessibilidade dos locais retratados nas imagens. Ausência de notícia de que a administração pública tenha negado o acesso de candidatos e partidos aos locais da filmagem em questão, ou proibido que servidores públicos gravassem entrevistas aos demais concorrentes à eleição majoritária. É desimportante ao deslinde do feito se o local em que ocorreu a gravação era interno ou externo. Somente seria malferida a isonomia caso outros candidatos fossem impedidos de utilizar as mesmas áreas para captação de imagens, circunstância que sequer restou alegada durante a tramitação. Ademais, demonstrado que a maior parte das imagens divulgadas na propaganda impugnada retrata a fachada de prédios públicos, disponíveis na internet para a coletividade. Conjunto probatório insuficiente para comprovar a ocorrência de condutas vedadas. 8. Não há nulidade ou incoerência entre a decisão que concede liminarmente a tutela antecipada e a sentença de improcedência proferida no feito, uma vez serem diversos os juízos cognitivos utilizados para o deferimento da medida liminar, baseado em percepção sumária e superficial, e o que fundamenta a sentença judicial, calcado em compreensão exauriente, definitiva e completa. 9. Desprovimento dos recursos ministerial e do partido.

(TRE-RS - RE: 060051095 URUGUAIANA - RS, Relator: GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 04/02/2021, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 04/02/2021)

 

 

Não se verifica atos que comprometam a igualdade no pleito e, quanto ao uso de símbolos, entendo o TSE:

Consulta. Propaganda eleitoral. Símbolos nacionais, estaduais e municipais. Uso. Possibilidade. Não há vedação para o uso, na propaganda eleitoral, dos símbolos nacionais, estaduais e municipais, sendo punível a utilização indevida nos termos da legislação de regência. (TSE - Consulta n. 1271, Relator: MIN. CAPUTO BASTOS, Publicação: DJ de 08.08.2006, Página 117).

 

Assim, no presente caso, embora as postagens contenham referências à gestão municipal e pedido de votos ao prefeito candidato à reeleição, não se observa irregularidade, pois não se verifica qualquer prática que denote vantagem indevida ou potencial desequilíbrio entre os candidatos.

Com esse entendimento, tenho que a interpretação dada pelo juízo de origem é coerente com os princípios que orientam o processo eleitoral, preservando tanto a liberdade de expressão quanto a isonomia entre os concorrentes.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.