REl - 0600413-32.2024.6.21.0065 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/03/2025 às 10:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo. A intimação da sentença ocorreu na data de 29.11.2024, e a interposição recursal deu-se em 02.12.2024.

Outrossim, encontram-se presentes os demais requisitos à tramitação processual.

Dessarte, conheço do recurso, e passo à análise de seu mérito.


 

MÉRITO

Porquanto relatado, cuida-se de recurso eleitoral interposto por GRAZIELA KRISE HOFFMANN, candidata eleita ao cargo de vereadora no Município de Canela/RS nas Eleições Municipais de 2024, contra sentença proferida pela Magistrada da 065ª Zona Eleitoral, que desaprovou sua prestação de contas e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 5.250,00, em razão do recebimento de recursos sem origem comprovada.

Na hipótese dos autos, concretamente, foi identificado um depósito em espécie no valor de R$ 5.250,00, realizado pela própria candidata no dia 14.8.2024, não sendo possível a comprovação da origem dos recursos, correspondendo esse montante a 29,18% do total de arrecadação enquadrado como “Outros Recursos”, bem como equivalendo a 16,51% do total de recursos financeiros da campanha.

Tal qual sabido, a legislação de regência exige que doações superiores a R$ 1.064,10 sejam feitas por transferência eletrônica, cheque cruzado e nominal ou PIX, de forma a garantir a rastreabilidade do dinheiro.

Como o depósito em espécie não atende a esses requisitos, o valor foi enquadrado como sendo de origem não identificada, sujeitando-se ao recolhimento ao Tesouro Nacional, à luz do que determina a legislação eleitoral, mormente na conformidade do art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O preceptivo da norma em questão assim versa:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF da doadora ou do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que a doadora ou o doador é proprietária(o) do bem ou é a(o) responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

IV - Pix. (Incluído pela Resolução nº 23.731/2024)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal. (grifei)

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por uma mesma doadora ou um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação da doadora ou do doador, ser a ela ou a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificada(o) a doadora ou o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

[...]

Em suas razões recursais, a recorrente, a exemplo do que fizera ao prestar informações quando da análise de suas contas pelo Cartório Eleitoral, sustenta que a legislação eleitoral permite doações em dinheiro até o limite de R$ 1.064,10 sem necessidade de comprovação bancária e sugere que esse valor deveria ser atualizado para R$ 3.063,99, considerando a correção monetária com base no limite de isenção do Imposto de Renda, devendo ser subtraído do montante de R$ 5.250,00, de modo que o resultado dessa operação, R$ 2.186,01, representando menos de 10% do valor total arrecadado e gasto, permitiria a aprovação das contas com ressalvas ou, alternativamente, a redução do montante a ser devolvido, com fundamento nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

No entanto, tal argumento não é consistente.

A norma eleitoral não prevê a atualização do limite para doações em espécie, uma vez que a Resolução TSE n. 23.607/19 já foi atualizada para as Eleições de 2024 sem qualquer alteração nesse sentido.

Ademais, mesmo que se discuta a necessidade de revisão normativa do limite estabelecido, a jurisprudência desta Justiça Especializada tem reiteradamente decidido que a inobservância do art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 impõe o recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores integrais de depósitos realizados em espécie.

Neste sentido, colaciono os seguintes precedentes, respectivamente, do TSE, do TRE-PR e deste TRE-RS, que bem esclarecem a matéria sob exame:

Eleições 2020 [...] Prestação de contas. Candidato. Doações em espécie acima de R$ 1.064,10. Impossibilidade. Falha grave. Comprometimento da transparência do ajuste contábil. Obrigação de recolhimento dos valores. Impossibilidade de utilização dos recursos de origem não identificada ou de fonte vedada em campanha […] 2. No estrito exercício da competência atribuída pelo art. 105 da Lei 9.504/1997, esta Corte Eleitoral regulamentou que a identificação das doações prescritas no art. 23 da Lei Eleitoral fossem ‘realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal’ (art. 21, § 1º da Res.–TSE 23.607/2019). 3. A ‘invisibilidade’ de doações no financiamento de campanha prejudica a transparência do sistema eleitoral, afetando a plena aplicabilidade dos princípios de sustentação do sistema democrático de representação popular. 4. A inobservância da norma regulamentar com a utilização de recursos transferidos em espécie à conta de campanha, ainda que teoricamente identificado o respectivo doador, enseja o seu recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme previsto no parágrafo 3º, do mesmo art. 21 da norma de regência, inclusive como forma de impedir a utilização de eventual fonte vedada […] (Ac. de 17.2.2022 no AgR-REspEl nº 060072386, rel. Min. Alexandre de Moraes.) Grifei.

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PREFEITO . DOAÇÃO ACIMA DE R$ 1.064,10 MEDIANTE DEPÓSITO IDENTIFICADO EM ESPÉCIE. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 21, §§ 1º e 2º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23 . 607/2019. OBRIGATORIEDADE DE TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA OU CHEQUE CRUZADO NOMINAL. TRANSPARÊNCIA DA ORIGEM DOS RECURSOS. IRREGULARIDADE QUE CORRESPONDE A R$ 5 .000,00 E A 34,55% DO TOTAL DE GASTOS DE CAMPANHA. NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO ANTE A NÃO COMPROVAÇÃO DA EFETIVA ORIGEM DAS DOAÇÕES. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1 . Trata–se de sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha ao cargo de Prefeito nas Eleições de 2020, diante de doação financeira realizada em desconformidade com a legislação, sendo determinada a devolução dos valores. 2. As doações acima de R$ 1.064,10 devem ser feitas obrigatoriamente mediante transferência eletrônica ou cheque cruzado nominal, nos termos do artigo 21, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE nº 23 . 607/2019, constituindo a sua não observância irregularidade apta a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes do TSE. 3. Como a irregularidade representa R$ 5 .000,00 e 34,55% dos recursos, mostra–se inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para aprovação das contas com ressalvas. 4. Não afastada, desse modo, a obrigatoriedade de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional por se tratar de doação não identificada. 5 . Recurso conhecido e não provido. (TRE-PR - REl: 06003220620206160037 MALLET - PR 060032206, Relator.: Des. Rodrigo Otavio Rodrigues Gomes Do Amaral, Data de Julgamento: 29/04/2022, Data de Publicação: 05/05/2022) (Grifei.)

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO . VEREADOR. AFASTADAS AS PRELIMINARES DE NULIDADE. LIMITAÇÃO DA MATÉRIA IMPUGNADA. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA . DOAÇÃO EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. IRREGULARIDADE NA COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. PAGAMENTO DE LOCAÇÃO DE VEÍCULO COM MOTORISTA. COMBUSTÍVEL . CARACTERIZADA DESPESA DE NATUREZA PESSOAL. ALTO PERCENTUAL DAS IRREGULARIDADES. INVIABILIZADA A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA . PROVIMENTO NEGADO. (…) 4. Recebimento de recursos de origem não identificada. Depósito em espécie na conta de campanha em valor que extrapola o limite autorizado pela legislação. Matéria disciplinada no art . 21, inc. I e § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 . É possível a doação de valor em espécie por meio de depósito, desde que a quantia seja inferior a R$ 1.064,10 e que o CPF do doador seja informado. Para efetuar doação acima desse parâmetro, seria necessária a transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do candidato beneficiário ou cheque cruzado e nominal, o que, na hipótese, não ocorreu. A utilização da modalidade adequada de transferência de valores é necessária para a devida identificação do doador, e sua não observância determina que os recursos manejados sejam reputados como de origem não identificada. Havendo o emprego de tais recursos, o valor equivalente deve ser recolhido ao Tesouro Nacional. (…) 7. Provimento negado. (TRE-RS - REl: 06006758920206210010 CACHOEIRA DO SUL - RS, Relator.: Des. Voltaire De Lima Moraes, Data de Julgamento: 06/07/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 123, Data 10/07/2023) (Grifei.)

Portanto, não há como acolher o pedido da recorrente para que apenas o valor que ultrapassa um suposto novo limite corrigido seja considerado irregular, pois a norma eleitoral não prevê essa flexibilização, e a jurisprudência da Justiça Eleitoral tem sido clara ao determinar o recolhimento total do montante irregularmente arrecadado.

Ademais, foi identificada doação financeira advinda de recursos próprios de valor igual ou superior a R$ 1.064,10, no total de R$ 5.250,00, equivalendo a 16,51% do total de recursos financeiros da campanha; e por se tratar de depósito feito em dinheiro na conta de campanha da candidata, não há como afirmar a origem do recurso, de modo que, ainda que tenha havido a identificação do depositante do valor, não há como averiguar a origem do recurso depositado em espécie na conta de campanha, pois o depósito em espécie não permite a rastreabilidade, consoante registrado pela magistrada ao sentenciar.

Anoto, por fim, que a presente prestação de contas não comporta a aprovação com ressalvas, visto que tal aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade tem sido admitida somente quando as irregularidades encontradas são reduzidas, de pequeno valor (em termos percentuais, menores que 10% do total de recursos arrecadados e, em valores totais, inferiores a R$ 1.064,10).

Em tal sentido, transcrevo julgado que denota a posição firmada na jurisprudência deste TRE-RS:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS ORIUNDO DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. VALOR NOMINAL DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovada prestação de contas de candidata a vereadora e determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, devido à realização de gastos sem observância da forma prescrita no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 e da falta de documentos comprobatórios de despesas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Aplicação irregular de recursos do FEFC. Ainda que demonstrada a regularidade no pagamento a dois prestadores de serviço, persiste a falha com referência ao cheque compensado sem a identificação da contraparte favorecida. Inobservância do disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Norma de caráter objetivo que exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. Sufragado o entendimento por este Tribunal de que os pagamentos por meio de recursos públicos devem ser demonstrados por documentos que permitam a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com o fornecedor declarado. Determinado o recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Irregularidade remanescente que representa 6,63% dos recursos declarados pela candidata. Ínfima dimensão percentual das falhas e valor nominal diminuto. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas, pois se trata de valor módico e inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10, utilizado por este Tribunal para admitir tal juízo.

4. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional. (Recurso Eleitoral n 060048129, ACÓRDÃO de 10/10/2022, Relator DRA. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 11/10/2022) (Grifei.)

Portanto, concluo que deva ser mantida na íntegra a sentença prolatada pelo Juízo da 065ª Zona Eleitoral de Canela/RS, que desaprovou as contas de GRAZIELA KRISE HOFFMANN, relativas às Eleições Municipais de 2024, com fulcro no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo a recorrente efetuar o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 5.250,00, nos termos da fundamentação daquela decisão.

Ante o exposto, VOTO por NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto por GRAZIELA KRISE HOFFMANN.