REl - 0600701-76.2024.6.21.0033 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/03/2025 às 10:00

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de um dia, conforme estabelece o art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19. Presentes os demais pressupostos processuais, merece conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto por GELSON RODRIGUES DE OLIVEIRA, contra sentença do Juízo da 033ª Zona Eleitoral – Passo Fundo, que julgou procedente representação formulada pela COLIGAÇÃO SIM PASSO FUNDO PODE MAIS, por alegada divulgação de pesquisa de opinião sem o prévio registro junto à Justiça Eleitoral. A decisão condenou o recorrente ao pagamento de multa no valor de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil duzentos e cinco reais).

No campo normativo, o art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97 (a denominada Lei das Eleições) assim dispõe sobre a realização de pesquisas:

Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações: (…).

§3º A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR. (Grifei)

E, sob forma regulamentar, a Resolução TSE n. 23.600/19, que dispõe sobre pesquisas eleitorais, vincula à divulgação a especificação do número conferido por ocasião do registro da pesquisa:

Art. 7º Efetivado o registro, será emitido recibo eletrônico, que conterá:

I - resumo das informações;

II - número de identificação da pesquisa.

§ 1º O número de identificação de que trata o inciso II deverá constar da divulgação e da publicação dos resultados da pesquisa.

De destacar que as pesquisas eleitorais possuem inegável influência junto ao eleitorado, interferindo no processo eleitoral, de modo que, para garantir que este instrumento não se torne uma ferramenta manipuladora da vontade dos eleitores, impõe-se a atenção necessária aos procedimentos próprios. Não são, assim, razões meramente burocráticas as que estabelecem o registro prévio da pesquisa junto à Justiça Eleitoral e a cominação de multa por desatenção à legislação de regência.

No caso concreto, a sentença julgou procedente a representação proposta em razão de divulgação de pesquisa sem o registro devido, nestes termos:

Quanto à questão de fundo, verifica-se que a publicação irregular apontada tem contornos de pesquisa eleitoral. Nos termos apresentados no parecer ministerial, “o modo pelo qual a postagem foi publicada no Facebook, com dados percentuais atribuídos a candidatos, indicação de gênero, idade e grau de instrução dos eleitores, descaracteriza a mera enquete”.

De acordo com a Resolução do TSE 23.600/19, que dispõe sobre pesquisas eleitorais, a partir de 1º de janeiro de 2020 as entidades e as empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, até 5 dias antes da divulgação, no Sistema de Registro de Pesquisas Eleitorais – PesqEle, alguns dados como metodologia e período de realização da pesquisa; plano amostral e ponderação quanto a gênero, idade, grau de instrução, nível econômico do entrevistado e área física de realização do trabalho a ser executado, bem como nível de confiança e margem de erro, com a indicação da fonte pública dos dados utilizados.

“A pesquisa eleitoral é uma abordagem científica e sistemática com o objetivo de definir tendências de uma parcela da sociedade quanto a sua preferência de voto, ou seja, por meio dela tenta-se obter resultados os mais próximos à realidade,(TRE/SP, RE nº 32049, Ac. de 21/02/2017

A teleologia da norma ao estabelecer critérios para a divulgação de pesquisa e exigir o seu registro perante a Justiça Eleitoral é o de tutelar a vontade do eleitorado, evitando que pretensas pesquisas eleitorais, feitas ao arrepio do regramento, exerçam influência sobre os eleitores e comprometam o equilíbrio da disputa eleitoral.

A partir de 2021, a normativa do TSE sobre o tema sofreu algumas alterações. Entre elas, a determinação de que, se esse tipo de levantamento for apresentado ao público como se fosse uma pesquisa eleitoral, ele será reconhecido como pesquisa de opinião pública sem registro na Justiça Eleitoral.

Art. 17. A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações constantes do art. 2º desta Resolução sujeita os responsáveis à multa no valor de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais) (Lei nº 9.504/1997, arts. 33, § 3º, e 105, § 2º)

É o que já lecionava o mestre José Jairo Gomes:

…em sua divulgação é preciso que se informe com clareza não se tratar de pesquisa eleitoral, mas, sim, de enquete ou mera sondagem; faltando esse esclarecimento, a divulgação poderá ser considerada “pesquisa eleitoral sem registro” e ensejar a aplicação de sanção. (in Direito Eleitoral, Atlas, 13ª edição, p. 467)”. (Recurso Eleitoral nº 0600031-04.2020.6.26.0368, rel. Afonso Celso da Silva, j. 1º/09/2020)

No caso em apreço, a referida postagem aponta supostos dados com percentuais atribuídos a candidatos à corrida do Executivo municipal com indicação de preferência apontando gênero, idade, grau de instrução e renda (salário mínimo) do suposto eleitorado. A título deobiter dictum,consta em sua marca d’água como pesquisa proibida.

Como certificado nos autos (ID 124399187), inexiste registro junto à Justiça Eleitoral de tal levantamento. Ademais, não se pode considerar uma mera enquete, pois, ainda que presente uma certa estrutura simplória de levantamento, nem robustez o suficiente para influenciar o eleitorado, presentes o pretenso verniz da legitimidade das informações com porcentagens definidas por agrupamentos censitários, há formato gráfico, que mimetiza as divulgações tradicionais; nome dos candidatos, amoldando-se à figura de uma pesquisa sem registro e sem todas as formalidades legais, o que afasta o caráter conteudístico abarcado pela despretensiosa liberdade de expressão.

Depreende-se da leitura do § 3º do art. 33 da Lei nº 9.504/1997 que o registro da pesquisa eleitoral só se perfectibiliza quando cumpridos todos os requisitos elencados nos mencionados dispositivos, de modo que, deixando o pesquisador de satisfazer qualquer um deles, tal instrumento será considerado como não registrado, incidindo a multa prevista no art. 33, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, c/c o art. 17 da Res.-TSE nº 23.600/2019. Portanto, a própria legislação prevê multa no caso de ausência de qualquer das informações listadas como requisitos constantes numa pesquisa.

Impende considerar que o TSE não exigiu que constasse, expressamente, os dizeres “pesquisa eleitoral” como condição para a sua configuração, devendo ser observados os elementos divulgados para a aferição daquela natureza de conteúdo, tais como a presença de gráficos, os nomes dos candidatos e a forma como o material é divulgado. A caracterização do ilícito do art. 33 da Lei 9.504/97 tem como pressuposto objetivo a divulgação irregular de pesquisa não registrada, independentemente de eventual retirada antes ou após notificação ou intimação judicial. Também é irrelevante o número de pessoas alcançadas ou o eventual desequilíbrio da disputa.

Quanto ao seu meio, ainda que não efetivamente atingidos, como se faz ver pelos poucos comentários, observa-se que a postagem irregular, com inobservância do art. 2º, § 7º da Res. 23.600/19, teve propensão de alastramento, pois dirigida ao conhecimento público por meio do Facebook, com o potencial para se tornar acessível e visível a um número indeterminado de indivíduos, induzindo os eleitores e os usuários da rede social a erro, haja vista o ora Representado constar com 453 seguidores numa das redes sociais e 1,2 mil em outra. O compartilhamento por meio da rede social Facebook se amolda à figura de divulgação ao público em geral, enquanto que o compartilhamento a um grupo do WhatsApp, a depender do caso concreto, não detém a mesma presunção. Assim, denotou-se a finalidade de difundir conteúdo voltado ao convencimento de eleitores, não se tratando, portanto, de ambiente restrito a relações privadas e mais com as características que fogem a de uma mera enquete.

Noutro vértice, cabe registrar que nem mesmo a juntada tardia da informação faltante seria capaz de afastar a irregularidade detectada, tendo em vista o prejuízo à ampla fiscalização da pesquisa pelos interessados, conforme já oportunamente decidiu esta Corte Superior no AgRREspEl nº 0600428-83/SC, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 4.3.2022

Diante do exposto, JULGO PELA PROCEDÊNCIA da presente Representação a fim de tornar definitiva a liminar concedida, determinando-se que a remoção da publicação se restrinja ao conteúdo específico irregular objeto da irresignação e não a URL genérica relacionada às redes sociais do Representado, bem como se acolhendo o pedido de aplicação de multa no mínimo legal ao Representado GELSON OLIVEIRA no valor de R$ 53.205,00, ante a ausência de regular registro e de elementos obrigatórios na pesquisa.

A postagem ocorreu nos endereços “https://www.instagram.com/gelson__pf_pl_da_direita/” e “https://www.facebook.com/profile.php?id=61559850718565”, e consiste na imagem que segue:

O recorrente sustenta que não há na prova carreada aos autos “indicação de gênero, idade e grau de instrução dos eleitores”, aduzindo que a postagem não apresentaria os elementos necessários à configuração de pesquisa eleitoral, não diferindo em muito de mera enquete ou sondagem. Destaca a repercussão ínfima do post. Alega que a doutrina e jurisprudência têm se posicionado no sentido de afastar a incidência da multa estipulada, ao tratar de enquetes. Defende que para a configuração da pesquisa eleitoral é imprescindível a demonstração de que seus elementos e/ou repercussão tenham tido aptidão para interferir ou desvirtuar a legitimidade e o equilíbrio do processo eleitoral.

Adianto que não assiste razão ao recorrente.

Com efeito, a divulgação não apresenta os índices discriminados de gênero, idade e grau de instrução dos eleitores, contudo a ausência não descaracteriza a pesquisa, que apresenta especificamente percentuais de intenção de votos para cada um dos candidatos, sob o título VOTO – ESTIMULADA, de modo a indicar a propositura dos nomes ao eleitorado.

Ademais, ainda que em rótulo (semelhante a uma "marca d’água"), a expressão PESQUISA, pelo próprio realizador - de modo que inviável acolher a tese do recorrente, no sentido de que a divulgação não possuiria elementos caracterizadores de pesquisa. Não é possível, definitivamente, enquadrar a publicação no conceito de mera enquete ou sondagem com finalidade eleitoral, pois há tanto a afirmação expressa de que se trata de pesquisa eleitoral, quanto a exposição de percentual resultante de suposta coleta de opinião dos eleitores, com elementos técnicos típicos, especialmente porque a partir de 23.12.2021 a Resolução TSE n. 23.676/21 acrescentou o §1º-A ao art. 23 da Resolução TSE n. 23.600/19:

Art. 23. (…)

§ 1º-A A enquete que seja apresentada à população como pesquisa eleitoral será reconhecida como pesquisa de opinião pública sem registro na Justiça Eleitoral, sem prejuízo do que dispõe o caput do art. 23. (Incluído pela Resolução nº 23.676/2021)

A modificação encerrou a possibilidade de descaracterização de divulgação de dados como divulgação de pesquisa, quanto, expressamente, for indicado tratar-se de pesquisa, e no ponto torna-se necessário realizar a devida distinção relativamente à jurisprudência invocada pelo recorrente - todos os precedentes são anteriores à referida alteração legislativa.

Assim, resta claro que houve infração ao art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97, visto que o conteúdo foi divulgado a título de pesquisa eleitoral. No mesmo sentido, transcrevo excerto do entendimento da d. Procuradoria Regional Eleitoral:

Quanto à alegação de que, no caso, houve a mera publicação de enquete/sondagem, deve-se atentar para a seguinte lição de José Jairo Gomes: “em sua divulgação é preciso que se informe com clareza não se tratar de pesquisa eleitoral, mas, sim, de enquete ou mera sondagem de opinião pública; faltando esse esclarecimento, a divulgação poderá ser considerada ‘pesquisa eleitoral sem registro’, e ensejar a aplicação de sanção”. Ademais, não consta nos autos nenhum indício de que houve uma sondagem, ainda que informal, de opiniões de eleitores.

(…)

Por fim, salienta-se que está na contramão da jurisprudência a alegação de que a postagem teve repercussão ínfima e que, portanto, não ensejaria a aplicação da multa. Isso porque “é irrelevante o número de pessoas alcançado ou o eventual desequilíbrio da disputa” quando se trata de representação por divulgação de pesquisa eleitoral irregular.

Trago, ademais, ementa do processo 0600002-90.2024.6.21.0096, julgado à unanimidade por este Tribunal em 20.8.2024, de minha relatoria:

RECURSO. ELEIÇÃO 2024. REPRESENTAÇÃO. PESQUISA ELEITORAL DIVULGADAEM PROGRAMA DE RÁDIO. AUSÊNCIA DE REGISTRO. OCORRÊNCIA EM PERÍODO REGULADO. TENTATIVA DE CONFERIR CREDIBILIDADE OFICIAL. INEXISTÊNCIA DE RIGOR TÉCNICO OU CIENTÍFICO. EVIDENCIADA A DIVULGAÇÃO DE PERCENTUAL ENTRE OS CONCORRENTES. INOVAÇÃO LEGISLATIVA. INAPLICABILIDADE DA JURISPRUDÊNCIA TRAZIDA. IRREGULARIDADE CARACTERIZADA. CONTEÚDO DIVULGADO A TÍTULO DE PESQUISA ELEITORAL. INFRAÇÃO AO ART. 33, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. PROVIMENTO NEGADO.

1. Insurgência contra sentença que julgou procedente representação formulada contra o recorrente, em vista de divulgação de pesquisa de opinião sem o prévio registro na Justiça Eleitoral. Condenação em multa.

2. Divulgada pesquisa em programa de rádio, sem o registro devido, em período regulado para a veiculação de pesquisas eleitorais, nos termos do art. 2º da Resolução TSE n. 23.600/19. Irregularidade de forma estampada, pois a informação dada passou aos ouvintes/eleitores a falsa ideia de que havia sido realizada uma pesquisa "oficial", "registrada" e "séria" (portanto, detentora de credibilidade), sem que tivesse havido registro algum.

3. A prática da irregularidade reside na tentativa de conferir credibilidade "oficial, técnica e séria" a algo, sem qualquer rigor técnico ou científico. Nas eleições de 2020, o município contou somente com duas candidaturas, exatamente os dois candidatos citados na programação da recorrente, donde se extrai a nítida tentativa de influência no cenário eleitoral de cidade que conta com menos de 6.000 eleitores. O radialista, ao inferir que“a primeira pesquisa que sai agora entre dois candidatos, que seria um candidato de situação e outro de oposição, não passa dos 5% a diferença”,está divulgando dados que teriam sido extraídos de suposta pesquisa (oficial, registrada e séria) e delimitando os concorrentes conforme a eleição anterior, ainda que tenha alegadamente omitido os nomes dos destinatários das intenções de voto. Evidenciada a divulgação de diferença percentual entre concorrentes ao pleito de 2024, atribuída à suposta pesquisa realizada no município.

4. Acrescentado o § 1º-A ao art. 23 da Resolução TSE n. 23.600/19, encerrando a possibilidade de descaracterização de divulgação de dados como divulgação de pesquisa, quando, expressamente, for indicado tratar-se de pesquisa, nítido caso dos autos. Assim, toda a jurisprudência invocada pela recorrente é anterior à apontada alteração legislativa, de modo que os precedentes indicados não podem ser tidos como paradigmáticos ao caso posto:são inaplicáveis, tendo em vista a modificação do esquadro normativo. Caracterizada a infração ao art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97, visto que o conteúdo foi divulgado a título de pesquisa eleitoral.

5. Provimento negado.

 

É certo que a sanção prevista na legislação de regência é daquelas mais severas, rigorosas. O valor da multa é, de fato, relevante - e, ainda assim, eleição após eleição esta Justiça se depara com a prática irregular. No caso sob exame, friso, o patamar sancionatório foi estabelecido no mínimo legal. 

Destarte, a decisão merece ser conservada na sua integralidade.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto.