REl - 0600516-71.2024.6.21.0022 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/03/2025 às 10:00

VOTO

As contas foram desaprovadas em razão do excesso do limite de autofinanciamento de campanha no montante de R$ 76,49, e do recebimento de recursos próprios relativos a dois depósitos bancários sucessivos realizados na mesma data, um no valor de R$ 500,00 e outro na quantia de R$ 1.000,00, no total de R$ 1.500,00, identificados com o CPF do candidato.

Quanto à superação do limite de autofinanciamento, consigna a sentença que: “Não obstante a irregularidade, considerando a diminuta expressividade econômica do valor (R$ 76,49), o que supera em menos de 1% o limite da utilização de recursos próprios previsto para o cargo, deixo de aplicar a multa do § 4º do art. 27 da Resolução acima citada”.

Relativamente ao recebimento de recursos de origem não identificada consistentes em dois depósitos efetuados na mesma data, reproduzo as razões da decisão recorrida:

(…)

Inicialmente, verifica-se dos extratos bancários doações financeiras de recursos próprios – autofinanciamento – realizadas mediante depósitos em espécie, de forma sucessiva, na conta "Outros Recursos" (ID 124781598), abaixo identificadas:

DATA 27/09/2024

CPF 981.099.600-49

DOADOR LUIZ ANTONIO CANOSSA

RECIBO ELEITORAL¹ 444441385820RS000002E

TIPO DE OPERAÇÃO FINANCEIRA Depósito em espécie

VALOR (R$) 500,00

 

DATA 27/09/2024

CPF 981.099.600-49

DOADOR LUIZ ANTONIO CANOSSA

RECIBO ELEITORAL¹ 444441385820RS000003E

TIPO DE OPERAÇÃO FINANCEIRA Depósito em espécie

VALOR (R$) 1.000,00

No caso em tela, o candidato realizou depósitos em espécie em sua conta de campanha, no mesmo dia, no montante de R$ 1.500,00. A norma de regência prevê a obrigatoriedade de as doações eleitorais iguais ou superiores a R$ 1.064,10 serem concretizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário ou cheque cruzado e nominal. Por outro lado, o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a contrário sensu, faculta que as doações inferiores àquele valor sejam realizadas por depósito bancário em espécie, também comumente referido como “na boca do caixa”.

Assim dispõe a mencionada norma:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF da doadora ou do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que a doadora ou o doador é proprietária(o) do bem ou é a(o) responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

IV - Pix. (Incluído pela Resolução nº 23.731/2024)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por uma mesma doadora ou um mesmo doador em um mesmo dia. (grifei)

Dá-se que, o montante recebido em desacordo com a norma, ou seja, sob a forma de depósito em espécie, impossibilita o cruzamento de informações com o sistema financeiro nacional e obsta a confirmação da exata origem dos recursos recebidos, uma vez que, para o depósito em espécie são lançadas as informações declaradas pelo depositante, diferentemente da transferência bancária, onde a operação é “conta a conta”, o que garante a correta identificação da origem do recurso.

Em consequência, os valores recebidos em desacordo às regras acima apontadas devem ser considerados como recursos de origem não identificadas e, deverão ser recolhidos ao Tesouro Nacional, nos termos do § 4º do art. 21 e art. 32, §1º , IV e § 2º da Res. TSE 23.607/2019, vejamos:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

(...)

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificada(o) a doadora ou o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

(…)

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(…)

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução à doadora ou ao doador;

(…)

§ 2º O comprovante de devolução ou de recolhimento, conforme o caso, poderá ser apresentado em qualquer fase da prestação de contas ou após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas de campanha e, no caso de recolhimento ao Tesouro Nacional, deverá observar o disposto na Res.-TSE nº 23.709/2022. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

Logo, no presente caso, o candidato recebeu doações irregulares no valor de R$ 1.500,00, as quais representam um volume de 74,33% do total de recursos recebidos, que devem ser recolhidos em sua integralidade ao Tesouro Nacional.

A decisão merece ser mantida, pois de fato o procedimento adotado na doação contraria o art. 21, inc. I, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,10 para doações bancárias sucessivas em espécie, realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

Tal exigência normativa visa a assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos candidatos, o que resta comprometido quando a operação é feita por meio diverso, como feito pelo recorrente.

Nesse cenário, ainda que os comprovantes de depósitos indiquem o CPF do doador, o candidato, há irregularidade porque houve superação do limite diário de recebimento de doação em dinheiro, a qual inviabiliza o rastreamento. Os depósitos foram realizados de maneira sucessiva, estando correta a conclusão do juízo a quo, no sentido de que os valores não estão com a origem devidamente identificada, o que conduz o recolhimento ao erário, na forma prevista no caput do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ressalto que o egrégio Tribunal Superior Eleitoral entende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,10 serem realizadas mediante transferência bancária não se constitui em mera exigência formal, sendo que o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas, consoante precedente a seguir colacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

(...)

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação". 3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

(...)

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 52902, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 250, Data: 19.12.2018, pp. 92-93.) (Grifei.)

O raciocínio é que o descumprimento da exigência de transferência bancária ou de cheque nominal cruzado não fica suprido pela realização de depósito em espécie ainda que identificado por determinada pessoa, circunstância que não se mostra apta para comprovar a efetiva origem do valor devido à ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário.

No caso dos autos, inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos ou por qual motivo não foram realizados depósitos por transferências bancárias de modo conjunto, impossibilitando que a falha seja relevada.

Não se trata de irregularidade meramente formal, nem de análise da boa ou má-fé dos prestadores, ou de hipótese de malversação, desvio de recursos ou de locupletamento indevido, mas de manifesto e injustificável descumprimento de norma eleitoral aplicável a todos os candidatos.

A tese de que dos valores irregulares deve ser deduzido o montante de R$ 1.064,10, e de que somente o excedente deve ser recolhido ao erário, inferior a R$ 1.064,10, não encontra amparo legal, pois os depósitos sucessivos devem ser somados para fins de aferição do descumprimento da regra. É a integralidade do crédito recebido na mesma data que acarreta a superação do limite diário de doações, comprometendo a confiabilidade e a transparência das contas, conforme claramente disposto na resolução regulamentadora. Com esse entendimento:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES EM ESPÉCIE, EM VALOR SUPERIOR AO LIMITE ESTABELECIDO NA NORMA. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. MANTIDO DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO. 1. Recurso contra sentença que desaprovou a prestação de contas de candidato, relativas às eleições de 2020, em virtude do recebimento de depósito financeiro, em espécie, em valor superior ao limite estabelecido na norma e de doação irregular. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional. 2. Recebimento de depósitos financeiros, em espécie, em valor superior ao limite de R$ 1.064,10, por meio de dois depósitos sucessivos, realizados de forma distinta das opções de transferência eletrônica ou de cheque cruzado e nominal, em afronta ao disposto no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19. Embora, individualmente, os depósitos não tenham excedido o limite previsto na legislação eleitoral, os valores sucessivos realizados por um mesmo doador em um mesmo dia devem ser somados, de modo a consubstanciar efeitos de uma única doação, tal como prescrito no art. 21, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Ademais, na hipótese vertente inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos, impossibilitando que a falha seja relevada. Nesse contexto, a ausência de comprovação segura do doador compromete a regularidade das contas prestadas e qualifica o recurso como de origem não identificada, cujo valor correspondente deverá ser integralmente recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 21, §§ 3º e 4º, e 32, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. 3. Recebimento de doação, em dinheiro, tendo por doador declarado o próprio CNPJ de campanha. Esta Corte tem entendido que a mera declaração do candidato, não confirmada por documentação idônea relacionada à movimentação bancária da receita de sua conta pessoal, não é suficiente para a comprovação da origem dos valores. Assim, na linha da jurisprudência deste Tribunal, não há confiabilidade na mera declaração unilateral de que a procedência é própria e que o recurso é pessoal. Caracterizada a irregularidade, consubstanciada no recebimento de quantia de origem não identificada, cuja consequência é a necessidade de seu recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme preconizam os arts. 21, § 4º, e 32, § 1º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19. 4. As irregularidades identificadas representam aproximadamente 85,53% dos recursos arrecadados pela candidata, quantias relativa e nominal que inviabilizam a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para mitigar o juízo de reprovação das contas. A determinação de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional é consequência específica do recebimento de recursos de origem não identificada e deve contemplar a totalidade dos valores assim considerados, sendo inviável relativizar o imperativo legal com base no princípio da proporcionalidade ou na situação econômica da recorrente. 5. Desprovimento.

(TRE-RS - Acórdão: 060040890 AMARAL FERRADOR - RS, Relator: Des. FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Data de Julgamento: 09/05/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 25/05/2022 )

Assim, permanece a irregularidade.

As falhas, nos valores de R$ 76,49 e de R$ 1.500,00, totalizam 1.576,49, e que representa 78,12% das receitas declaradas (R$ 2.018,00), percentual superior a 10% e com valor acima de R$ 1.064,10, os quais são considerados como critério para a aprovação com ressalvas, por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Com essas considerações, a manutenção do juízo de desaprovação das contas e a determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional é medida que se impõe.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.