REl - 0600049-05.2024.6.21.0051 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/03/2025 às 10:00

VOTO

Os recursos são adequados, tempestivos e comportam conhecimento.

No mérito, cuida-se de verificar a eventual prática de propaganda eleitoral negativa irregular em desfavor de Heliomar Athaydes Franco, candidato eleito ao cargo de prefeito de São Leopoldo.

No caso, ocorreu a divulgação, em um grupo do aplicativo de mensagens WhatsApp, do material intitulado "10 RAZÕES PARA VOCÊ DIZER NÃO AO EX-DELEGADO", conforme vídeo (ID 45753836) e printscreens (IDs 45753832, 45753833, 45753834 e 45753835) anexados à peça inicial (ID 45753832).

Do documento oferecido pelos representantes, extrai-se, em síntese, os seguintes fatos atribuídos ao então candidato Heliomar Athaydes Franco:

- “Acusado de incitar o crime pela Polícia Civil”;

- “300 mil reais para comprar um candidato”;

- “Encobertou um assassinato político”;

- “Favoreceu criminosos em um golpe milionário”;

- “É réu em um processo junto com seu capanga”; e

- “Invasor de casa”.

 

É incontroverso nos autos que o material foi enviado por SANDRO LUIS DELLA MEA LIMA no grupo fechado do aplicativo de mensagens WhatsApp, denominado “mobilização spolaor e nado 13”.

A narrativa contida na petição inicial confirma que se trata de um grupo fechado e “composto por membros do alto escalão do partido de Nelson Spolaor, incluindo coordenadores diretos de sua campanha” (ID 45753830, fl. 6).

De acordo com a parte autora da representação, o grupo é integrado por, ao menos, dez lideranças políticas engajadas na campanha de Spolaor e Nado, todos qualificados como administradores daquele grupo (ID 45753830, fls. 6-7).

Assim, embora o material divulgado aparente ter desbordado da crítica política razoável no debate eleitoral, incidindo em acusações difamatórias e caluniosas, é necessário verificar o contexto e o ambiente em que a mensagem ocorreu, ou seja, em um grupo restrito e privado, destinado a algumas poucas lideranças políticas e coordenadores da campanha do candidato Nelson Spolaor.

Assim, incide o art. 33, § 2º, da Resolução TSE n. 23.610/19, que veda expressamente a intervenção da Justiça Eleitoral sobre manifestações havidas em espaços privados e restritos, ainda que virtuais, quando não se projetam de forma relevante ao eleitorado, in verbis:

Art. 33. (…).

[…].

§ 2º As mensagens eletrônicas e as mensagens instantâneas enviadas consensualmente por pessoa natural, de forma privada ou em grupos restritos de participantes, não se submetem ao caput deste artigo e às normas sobre propaganda eleitoral previstas nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J) .

 

Com efeito, as acusações e as “10 razões para não votar no ex-Delegado” foram divulgadas uma única vez pelo recorrido Sandro, em um grupo privado e limitado de Whatsapp direcionado a assuntos político-eleitorais relacionados à candidatura de Nelson Spolaor.

Muito embora ao recorrente Heliomar defenda a existência de “uma estratégia conjunta para o apoio e promoção da candidatura de Nelson Spolaor, utilizando-se de conteúdos depreciativos para impactar negativamente a imagem de seus adversários”, o argumento consiste em mera conjectura, uma vez que não há qualquer comprovação sobre a origem do material ou sobre sua difusão das acusações em maior escala.

O mero envio da peça de propaganda por uma pessoa natural dentro de uma conversa privada de um grupo restrito não embasa a atuação da Justiça Eleitoral se não existem provas de que a mensagem impugnada foi efetivamente disseminada em outros grupos ou redes sociais, atingindo um grande número de pessoas.

Nessa linha, o TSE já proclamou que a publicação ocorrida em grupo fechado e limitado do Whatsapp, sem divulgação abrangente, não é apta a influenciar o eleitorado, de modo que se deve privilegiar a liberdade comunicativa ou de expressão em espaços privados:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. PROCEDÊNCIA PARCIAL NA ORIGEM. CONDENAÇÃO EM MULTA NO MÍNIMO LEGAL. VEICULAÇÃO DE MENSAGENS NO APLICATIVO WHATSAPP

CONTENDO PEDIDO DE VOTOS. AMBIENTE RESTRITO. CONVERSA CIRCUNSCRITA AOS USUÁRIOS DO GRUPO. IGUALDADE DE OPORTUNIDADE ENTRE OS CANDIDATOS E LIBERDADE DE EXPRESSÃO. CONFLITO ENTRE BENS JURÍDICOS. "VIRALIZAÇÃO". FRAGILIDADE DA TESE. AUSÊNCIA DE DADOS CONCRETOS. POSIÇÃO PREFERENCIAL DA LIBERDADE COMUNICATIVA OU DE EXPRESSÃO E OPINIÃO. PROVIMENTO. […]. 3. Existe na espécie certo conflito entre bens jurídicos tutelados pelo ordenamento jurídico de um lado, a igualdade de oportunidade entre os candidatos e, de outro, a liberdade de expressão e opinião do cidadão eleitor (liberdade comunicativa), de modo que a atividade hermenêutica exige, por meio da ponderação de valores, o reconhecimento de normas carregadas com maior peso abstrato, a ensejar, por consequência, a assunção por uma delas, de posição preferencial, como é o caso da liberdade de expressão. 4. Dada a sua relevância para a democracia e o pluralismo político, a liberdade de expressão assume uma espécie de posição preferencial (preferred position) quando da resolução de conflitos com outros princípios constitucionais e direitos fundamentais. 5. Quando o enfoque é o cidadão eleitor, como protagonista do processo eleitoral e verdadeiro detentor do poder democrático, não devem ser, a princípio, impostas limitações senão aquelas referentes à honra dos demais eleitores, dos próprios candidatos, dos Partidos Políticos e as relativas à veracidade das informações divulgadas (REspe nº 29-49, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 25.8.2014). 6. As mensagens enviadas por meio do aplicativo Whatsapp não são abertas ao público, a exemplo de redes sociais como o Facebook e o Instagram. A comunicação é de natureza privada e fica restrita aos interlocutores ou a um grupo limitado de pessoas, como ocorreu na hipótese dos autos, o que justifica, à luz da proporcionalidade em sentido estrito, a prevalência da liberdade comunicativa ou de expressão. 7. Considerada a posição preferencial da liberdade de expressão no Estado democrático brasileiro, não caracterizada a propaganda eleitoral extemporânea porquanto o pedido de votos realizado pela recorrente em ambiente restrito do aplicativo Whatsapp não objetivou o público em geral, a acaso macular a igualdade de oportunidade entre os candidatos, mas apenas os integrantes daquele grupo, enquanto conversa circunscrita aos seus usuários, alcançada, nesta medida, pelo exercício legítimo da liberdade de expressão. 8. Consignada pelo Tribunal de origem a possibilidade em abstrato de eventual "viralização" instantânea das mensagens veiculadas pela recorrente, ausente, contudo, informações concretas, com sólido embasamento probatório, resultando fragilizada a afirmação, que não pode se amparar em conjecturas e presunções. Recurso especial eleitoral a que se dá provimento para julgar improcedente a representação por propaganda eleitoral extemporânea e, por conseguinte, afastar a sanção de multa aplicada na origem.

(TSE; Recurso Especial Eleitoral nº 13351, Acórdão, Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 15/08/2019) (Grifei.)

 

Na mesma direção, este Tribunal entendeu que o envio de mensagens em grupo restrito de Whatsapp, sem divulgação ampla, constitui exercício legítimo da liberdade de expressão, não configurando propaganda eleitoral irregular sindicável pela Justiça Eleitoral, nos termos das seguintes ementas:

Direito eleitoral. Eleições 2024. Recurso. Representação. Propaganda eleitoral irregular. Improcedente. Grupo de whatsapp. Ausência de disparo em massa. Liberdade de expressão. Desprovimento.

I. CASO EM EXAME

1.1. Interposição contra sentença que julgou improcedente representação por propaganda eleitoral irregular, em razão do envio de mensagens em grupo de WhatsApp durante a campanha eleitoral. 1.2. A sentença de origem entendeu que as mensagens enviadas no grupo não configuraram disparo em massa, sendo mero exercício da liberdade de expressão em ambiente restrito, previsto na Resolução TSE n. 23.610/19.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

2.1. A questão envolve a alegação de uso inadequado de dados pessoais sem consentimento dos destinatários em grupo de WhatsApp, configurando possível violação à privacidade dos eleitores e propaganda eleitoral irregular. 2.2. A análise sobre o ato de enviar mensagens em um grupo de WhatsApp pode ser caracterizado como propaganda eleitoral irregular.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. O único documento apresentado como prova é uma captura de tela com mensagem de boas vindas à comunidade, identificada pelo nome e número do candidato, incapaz de comprovar a alegada utilização de disparo em massa ou captação ilegal de dados pessoais, tampouco demonstra o número de membros do grupo ou o conteúdo das mensagens ali veiculadas.

3.2. O envio de mensagens em grupo restrito de WhatsApp, por si só, não configura propaganda eleitoral irregular, conforme entendimento consolidado na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, que reconhece que tal prática, sem divulgação ampla, deve ser entendida como parte do exercício legítimo da liberdade de expressão. Ausência de provas robustas que demonstrem o uso inadequado do grupo para propaganda eleitoral irregular.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Desprovimento do recurso.

Tese de julgamento: “O envio de mensagens em grupo restrito de WhatsApp, sem divulgação ampla, constitui exercício legítimo da liberdade de expressão, não configurando propaganda eleitoral irregular”.

Jurisprudência relevante citada: TSE - Recurso Especial Eleitoral n. 13351 -ITABAIANINHA - SE - Acórdão de 07.5.2019 - Rel. Min. Rosa Weber - DJe de 15.8.2019, pp. 51-52; TSE - ARESPE: 060004981 TAGUATINGA - TO, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Data de Julgamento: 01.07.2021, Data de Publicação: 03.08.2021.

(RECURSO ELEITORAL nº 060034814, Acórdão, Des. Nilton Tavares Da Silva, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 09/09/2024) (Grifei.)

 

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. IMPROCEDÊNCIA. CARGO DE PREFEITO. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA. INTERNET. WHATSAPP. GRUPO RESTRITO E PRIVADO. ART. 33, § 2º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.610/19. EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DESPROVIMENTO. […]. 3. A alegada divulgação em massa não se comprova com apenas a juntada do print da postagem em um grupo de Whatsapp, cujo número de integrantes, inclusive, é ignorado. A prova suficiente e robusta da chamada "viralização", ou seja, da difusão massiva da imagem entre uma grande diversidade de usuários e grupos, seria essencial à pretensão do ora recorrente, do que não se desincumbiu a contento. 4. No quadro probatório evidenciado nos autos, tem-se que as postagens foram veiculadas em grupo restrito e privado na rede social Whatsapp, o qual o TSE entende se tratar de ambiente de conversas particulares, sem cunho de conhecimento geral das manifestações, insuscetível de constituir-se em palco de propaganda eleitoral. Este posicionamento restou confirmado para as eleições de 2020, conforme disposto no art. 33, § 2º, da Resolução TSE n. 23.610/19. 5. Ausência de elementos suficientes para configuração da mensagem como propaganda eleitoral negativa, representando, na linha da jurisprudência do TSE, mero exercício da liberdade de expressão e de opinião em grupo privado de amigos e simpatizantes, insuficiente para merecer reprimenda desta Justiça Especializada. 6. Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 060024144 FARROUPILHA - RS, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 27/10/2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 29/10/2020) (Grifei.)

 

A parte recorrida baseia-se na suposição de que o documento foi compartilhado com gestores de campanha com o fito de que fosse reenviado para outras pessoas ou grupos, sem, contudo, demonstrar que houve, de fato, a aprovação e efetiva disseminação daquela peça de propaganda negativa.

De fato, não existe prova mínima de que o material tenha sido exposto fora daquele grupo ou que tenha gerado algum impacto sobre eleitores.

A simples presunção ou ilação de que um documento compartilhado em grupo privado tenha se tornado público, ou que se pretendia torná-lo público, não é suficiente para embasar sanção por propaganda eleitoral irregular.

Logo, não existindo provas concretas e cabais de que a mensagem tenha extrapolado o ambiente restrito do grupo de Whatsapp, deve prevalecer a liberdade de expressão e de manifestação em comunicações privadas, impondo-se o julgamento pela improcedência da representação.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento dos recursos, ao efeito de julgar improcedente a representação, afastando a multa imposta aos recorrentes.