REl - 0600190-85.2024.6.21.0063 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/03/2025 00:00 a 07/03/2025 23:59

VOTO

O recurso é tempestivo, adequado e comporta conhecimento.

Trata-se de recurso interposto por ORESTE ANGELO ANDELIERI, candidato ao cargo de vereador no Município de Jaquirana, contra a sentença que aprovou com ressalvas suas contas, referentes às eleições municipais de 2024,  e determinou o recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional (ID 45799471).

Segundo o relatório de análise técnica das contas, o candidato efetuou o pagamento, em dinheiro, para a Lotérica Bonasorte Ltda. Por sua vez, a empresa teria realizado o pagamento em favor da prestadora de serviço Ângela Regina Braga Andelieri, contrariando a disposição expressa do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ da beneficiária ou do beneficiário;

III - débito em conta; (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

IV - cartão de débito da conta bancária; ou (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

V - Pix. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais e cartões pré-pagos geridos por empresa intermediadora. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

§ 3º A realização de procedimento interno da instituição bancária, devidamente comprovado, não representa violação às formas de gasto previstas no presente artigo e não importa em sanções diretamente ao prestador de contas. (Incluído pela Resolução nº 23.731/2024)

 

De seu turno, o recorrente sustenta que entregou um cheque nominal e cruzado a Ângela Regina Braga Andelieri, não tendo efetuado o pagamento na Lotérica Bonasorte Ltda. Ainda, acrescenta que a cópia do cheque evidencia que o candidato cumpriu exatamente com a norma prevista no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 e, portanto, deve a irregularidade ser afastada.

A cópia do cheque mencionada pelo recorrente refere-se ao documento anexado tanto nos embargos de declaração opostos contra a sentença quanto no presente recurso e evidencia a emissão da cártula de forma cruzada e nominal a Ângela Regina Braga Andelieri (IDs 45799468 e 45799472):

Sobre a juntada de novos documentos após a sentença, no âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos acostados com a peça recursal, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar no curso da instrução, quando, da sua simples leitura, restar sanada a irregularidade, não havendo necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se, assim, o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota a ementa abaixo colacionada:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. COMPROVADA ORIGEM DAS VERBAS INJETADAS NA CAMPANHA. AFASTADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas de candidato ao cargo de vereador, nas eleições de 2020, e determinou o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Conhecidos os documentos juntados com o recurso. No âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura, primo ictu oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

[…].

5. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, REl n. 0600288-60.2020.6.21.004750460, Relator: Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, Data de Julgamento: 01.02.2023.) Grifei.

 

O entendimento foi recentemente reafirmado por esta Corte Regional no contexto das contas eleitorais de 2024, consoante o seguinte julgado:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. NOTA FISCAL RETIFICADA EM SEDE RECURSAL. SANADA A IRREGULARIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS MANTIDA. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO AFASTADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I. CASO EM EXAME

1.1. Recurso interposto por candidata contra sentença que aprovou com ressalvas suas contas de campanha, relativas ao pleito eleitoral de 2024, e determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, visto que apresentada nota fiscal, quitada com valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, não indicando as dimensões de impressos adquiridos.

1.2. A recorrente alegou impossibilidade técnica de retificar a nota fiscal no sistema da municipalidade, tendo, no entanto, juntado o documento corrigido em sede recursal.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

2.1. A controvérsia consiste em: (i) verificar a admissibilidade de juntada de nota fiscal retificada em sede recursal; (ii) avaliar os efeitos da regularização documental na prestação de contas; (iii) decidir sobre a manutenção da ressalva e da ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. Preliminar. Conhecida a nota fiscal juntada com o recurso. Jurisprudência deste Tribunal no sentido de recepcionar, ainda que em sede recursal, documento em que a simples análise possa resultar no saneamento de irregularidade remanescente.

3.2. Nota fiscal apresentada apta a sanar a irregularidade. Possibilidade de aferir que a verba pública foi efetivamente destinada ao fornecedor indicado no registro fiscal. Afastado o comando de recolhimento.

3.3. Embora o documento juntado conduza a um juízo de adequação quanto à finalidade do dinheiro público, ele aportou ao feito extemporaneamente. Assim, ainda que sanado o apontamento, adequada a manutenção da ressalva.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Preliminar. Conhecido o documento apresentado na fase recursal.

4.2. Mérito. Recurso parcialmente provido. Afastada a determinação de recolhimento ao erário, mantida a aprovação das contas com ressalvas.

Tese de julgamento: “A apresentação de documento em sede recursal pode sanear irregularidade remanescente em prestação de contas de campanha, afastando ordem de recolhimento ao erário, sem prejuízo da manutenção da ressalva pelo atraso na correção.”

Dispositivos relevantes citados: Resolução TSE n. 23.607/19, art. 60, § 8º.

Jurisprudência relevante citada: TRE-RS, RE n. 0600539-72.2020.6.21.0049, rel. Des. Caetano Cuervo Lo Pumo; TRE-RS, RE n. 0601134-53.2020.6.21.0055, rel. Des. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle.

(TRE-RS; REl n. 0600356-21.2024.6.21.0095, Relator: Des. Eleitoral Nilton Tavares da Silva, Data de Julgamento: 28.1.2025.) Grifei.

 

No caso, trata-se de documento simples, capaz de esclarecer a irregularidade sem a necessidade de realização de diligências ou de exames complementares. E, em decorrência disso, conheço do cheque nominal cruzado apresentado.

Assim, diante da apresentação da ordem de pagamento corretamente preenchida, torna-se impositivo reconhecer que o candidato atuou conforme prescrito na legislação, não podendo ser responsabilizado por eventual endosso do título após a sua emissão e entrega.

Nesse sentido, calha lembrar que a legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de quitação dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável ("não à ordem"), o qual pode ser licitamente transmitido pelos favorecidos a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85.

Nesse sentido, reproduzo ementa de julgado desta Corte Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTOS EFETUADOS EM INOBSERVÂNCIA AO ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA ¿ FEFC. RECURSO DE NATUREZA PÚBLICA.ALTOPERCENTUAL REPRESENTATIVO DA FALHA. VALOR NOMINAL EXPRESSIVO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. REDUÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO. […]. 3. O pagamento de valor realizado por meio de cheque para uma determinada prestadora de serviços, no entanto, resta regular, visto que a cártula foi devidamente emitida de forma nominal e cruzada, a qual foi descontada por terceiro que a recebeu por endosso. Inexistindo óbice ao endosso, é regular a transação. […]. 5. Parcial provimento. Redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 060088182, Acórdão, Des. AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 24.08.2022.) Grifei.

 

Logo, no caso em tela, deve ser afastada a determinação de recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional, mantendo-se, contudo, a ressalva nas contas devido à falha formal referente à intempestividade da regularização do apontamento.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar a determinação de recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional.