RecCrimEleit - 0600018-88.2020.6.21.0159 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/12/2025 às 16:00

VOTO

Como relatado, a inicial acusatória imputou a Nereu Crispim, candidato a Deputado Federal  nas Eleições de 2018, a conduta de omitir despesas de campanha e inserir informações falsas em sua prestação de contas, mediante o uso de recibos e notas fiscais com valores inferiores aos efetivamente gastos com a empresa Studio Print Gráfica e Editora Ltda, com o fim de ocultar gastos eleitorais, incidindo nas condutas previstas no art. 350 e 353 do Código Eleitoral.

Os  fatos delituosos envolvem os seguintes tipos penais eleitorais:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa, se o documento é particular.

[…]

Art. 353. Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 348 a 352:

Pena – a cominada à falsificação ou à alteração

 

A acusação fundou-se em procedimento investigatório criminal, declarações prestadas na fase inquisitorial, Laudo Pericial Contábil, além dos documentos constantes no processo de Prestação de Contas n. 0602534-44.2018.6.21.0000 e Notas Fiscais, que teriam indicado possíveis omissões de gastos de campanha.

Contudo, a instrução probatória, sob contraditório, não comprovou vínculo direto entre o candidato Nereu Crispim e eventual conduta de omitir ou inserir,  apontando, ao contrário, que a condução financeira e administrativa da campanha foi amplamente delegada a terceiros, o que afasta o dolo.

A sentença bem examinou o contexto probatório, razão pela qual transcrevo as razões ali vertidas e as incorporo ao voto, nos seguintes termos:

 

Sob o crivo do contraditório, a testemunha Cássio Ricardo Ferreira, respondeu que era coordenador da campanha do Vilmar Lourenço. Disse que quem fazia a coordenação do Sr. Nereu era o Sr. Aldo e a Senhora Jéssica. Disse ter tratado com a gráfica para pedir material gráfico para o candidato Vilmar Lourenço. Que este Nereu tinham uma “dobradinha” nas eleições na cidade. Afirmou ter realizado pagamento na gráfica em favor do Sr. Vilmar Lourenço, mediante entrega de cheque. Disse ter feito três pagamentos em dinheiro para o pessoal da gráfica “Studio Print” a pedido do Sr. Nereu Crispim, pegou os recibos e alcançou ao Sr. Vilmar. Negou que recebesse recibos dos valores pagos, que estes eram prestados após, exceto dos valores pagos em dinheiro. Afirmou ter conhecido o Sr. Nereu por intermédio do Sr. Vilmar, para o qual era responsável pela coordenação de campanha, do pessoal de rua. Que na campanha do Nereu não tinha nenhuma função. Respondeu desconhecer se o Sr. Aldo havia sido dispensado, até mesmo porque estava na festa de comemoração. Afirmou que encaminhou pedidos à gráfica somente com relação a materiais do “Nereu e do Sr. Vilmar”. Disse que a responsabilidade de abrir a conta era o próprio candidato. Negou que tivesse visto o Sr. Nereu assinar qualquer pagamento, que era feita no escritório de contabilidade do Audie e do Valdir, que trabalhavam para vários candidatos do Município. Confirmou que os candidatos tiveram atritos um tempo depois das eleições.

A testemunha Valdir Perdiz de Oliveira respondeu que o trabalho técnico que prestou ao candidato Nereu, realizou a prestação de contas quando foi candidato a Deputado Federal. Em contrapartida a denúncia realizada em desfavor da prestação de contas, que esta é feita de acordo com um rol, e isto é orientado ao pessoal, que inclusive assina um documento dando ciência, e a prestação foi feita com base nos documentos que lhe foram fornecidos, dentro do escopo da eleitoral e que foi aprovada. Se outras questões surgiram após não tem conhecimento. Disse ter ouvido sobre questões e problemas envolvendo a gráfica, mas não sabe detalhes. Negou que recebesse documentos do Cássio. Afirmou ter sido indicado pelo Sr. Vilmar para o Sr. Nereu. Respondeu que o Sr. Nereu tinha uma estrutura de pessoas que trabalhavam para ele. Respondeu que o Sr. Cassio prestava um auxílio para o Sr. Nereu. Disse que nunca recebeu, do Sr. Nereu, documentos diretamente.

A testemunha Audie Lomar de Oliveira, referiu que trabalha na “Quality Serviços Contábeis”, em sociedade com Valdir Perdiz de Oliveira, que trabalha prestando serviços de prestação de contas, tanto de candidatos, quanto de partidos políticos, confirmou ter prestado serviço ao Sr. Nereu Crispim, no sentido de dar orientações e auxiliar na prestação de contas para fins eleitorais. A forma de trabalho narra que inicia estudando as regras da legislação eleitoral. Antes de iniciar a movimentação financeira da campanha dá orientação ao candidato e passa quais as informações que devem ser repassadas sempre com base na legislação. Disse que quem é responsável pela prestação é o candidato, o qual é responsável por repassar as informações e documentos. Tanto é que é este quem tem gestão e gerência das contas bancárias, sendo portanto este quem deve realizar pagamento e etc. Afirmou que os documentos que recebeu do candidato Nereu não encontrou nenhuma inconsistência na prestação de contas apresentada. O advogado acompanhou a prestação de contas pela Justiça Eleitoral que foi homologada. Respondeu que Cássio atuava na campanha eleitoral de outro candidato do mesmo partido do Sr. Nereu. Disse que explica ao candidato como realizar o preenchimento do cheque. Negou que tivesse preenchido algum cheque. Afirmou que as informações que recebiam de extratos e notas fiscais eram do próprio candidato. Não recorda quem era o coordenador de campanha. Disse que sempre tratou diretamente com o Sr Nereu.

O depoente Neiron Marx respondeu ter trabalhado na campanha, que era presidente do partido – PSL e o Sr. Nereu Crispim faria “dobradinha” com outro candidato a deputado estadual. Disse que sempre tratavam tudo dentro da sede. Afirmou que o Sr. Cássio, em Sapucaia do Sul, dentro do Diretório, era responsável pelo financeiro da campanha do Sr. Nereu e do Sr. Vilmar Lourenço, quem pagava os fornecedores e dava recibos, etc. Não recordava se as tratativas com a gráfica eram realizadas pelo Sr. Nereu. Disse que, de regra, o próprio candidato é quem deve abrir sua conta no banco, prestar contas e encerrá-la. Manifestou que o Sr. Nereu era ausente no Diretório.

A testemunha Jeverson Aparício respondeu ter conhecido o Sr. Nereu na faculdade de Direito e acredita que ele iniciou na política para tentar mudá-la. Defendeu ser o réu pessoa de boa índole.

A depoente Fabiana da Silva disse que trabalhou com o Sr. Nereu há muitos anos, na parte de organizar a documentação, realizar alguns pagamentos; na parte administrativa. Respondeu que o Sr. Nereu é uma pessoa íntegra e honesta, que acaba se prejudicando para ajudar alguém. Disse que na campanha de 2018 trabalhou com ele, no entanto, não na parte de valores. Não recorda quem era o responsável.

A testemunha Luis Gustavo Freitas disse ter conhecido o Sr. Nereu como empreendedor, e já fizeram alguns negócios juntos. Respondeu que Nereu era uma pessoa íntegra, um pai dedicado e 100% na conduta como profissional.

O réu, Nereu Crispim, em seu interrogatório negou a acusação que lhe é feita.

Respondeu que nunca havia sido político, que desconhecia os trâmites eleitorais. Que foi convidado pelo candidato Sr. Vilmar Lourenço em uma janta, mas disse que não tinha condições financeiras de fazer campanha. Disse que foi então levado para um escritório, sendo apresentado para o Sr. Cássio, o Contador Sr. Audie. Que a conta foi aberta há duas quadras do escritório dele. Que assinou todas as vias do talão de cheques para o Sr. Cássio, pois ele ajudaria na campanha. Disse que não esperava se eleger e se elegeu. Afirmou nunca ter lidado com gráfica, tampouco visto ou lidado com as pessoas que lhe denunciaram. Quem lidava com essas pessoas, quem pagava, quem marcava os “bandeiraços” era o Cássio. Ele tirava as fotos e mandava pra as gráficas. Disse que a denúncia foi algo montado, como tantas outras que fizeram contra ele. Registrou que não conhece as pessoas que fizeram a denúncia; nunca tratou com gráfica. O talão de cheque ficava com o Cássio que é quem fazia o pagamento; o Sr. Neiron eram quem coordenava a campanha, e quem lhe apresentou todas essas pessoas foi o Sr. Vilmar Lourenço que lhe convidou para ser candidato.

Feita a análise da prova coligida, não é possível concluir que os elementos probatórios colacionados são aptos a comprovar a materialidade e a autoria delitiva, ao contrário do que sustenta a acusação.

 

 

[...] em que pese a prova produzida nos autos, especialmente o Laudo realizado pela Perícia Criminal n° 1510/2020 – SETEC/RS/PF/RS (ID 77705361), tenha identificado, por intermédio dos materiais disponibilizados – cuja integralidade foi atestada (vide item 1.2) – “uma omissão entre o confronto com notas fiscais eletrônicas e as informações constantes da prestação de contas, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais”, não há, de outra banda, qualquer elemento que comprove a ingerência ou manuseio direto e pessoal do candidato em relação às informações inseridas na demonstração contábil da campanha.

Destaca-se que, apesar da responsabilidade pela prestação de contas ser do candidato, há possibilidade de delegação de tarefas a profissionais habilitados, tais como contadores, coordenadores de campanha e afins, o que, no presente caso, afasta a caracterização da responsabilidade penal do réu por culpa “in eligendo”.

No ponto, manifestou o Sr. Valdir Perdiz de Oliveira, Contador do acusado, em seu depoimento (vide acima), que o Sr. Nereu tinha uma “estrutura de pessoas que trabalhavam para ele” e que, do próprio, nunca recebeu nenhum documento. Ainda, o Sr. Cássio mencionou, apesar de refutar a tese de que laborava para o réu, que efetivou pagamentos à gráfica em nome deste. Tal fato foi confirmado pelo Sr. Neiron ao afirmar, em depoimento, que era o Sr. Cássio quem realizada o pagamento de fornecedores, na qualidade de responsável financeiro pela campanha do Acusado e do Candidato Vilmar Lourenço.

Em suma, a prova testemunhal converge no sentido de atestar que as movimentações financeiras decorrentes da campanha eleitoral nem sempre eram realizadas pelo próprio Candidato, sendo, por vezes, encaminhada por terceiros, responsáveis pela coordenação da campanha ou outros encarregados.

Mais, não há nenhum adminículo de prova que assista a tese de que o Acusado falsificava documentos ou que tivesse conhecimento da aludida falsificação e/ou omissão dos dados contantes da prestação de contas, tampouco que autorizasse outrem a fazê-lo.

Com efeito, a prova judicial não se mostra suficiente para a condenação, notadamente em razão de inexistir prova do dolo, ou seja, sobre o conhecimento e ingerência do acusado quanto à omissão de dados no processo de prestação de contas, ponto indispensável para acolher a tese da acusação.

Ainda que fosse possível analisar a controvérsia jurídica acerca da relevância e da potencialidade lesiva da falsidade da inserção/omissão de dados, a discussão seria inócua no caso concreto. Isso porque a prova produzida afasta veementemente o dolo da conduta, o que é o suficiente para afastar a tipicidade, nos termos da teoria finalista da ação.

Além disso, a pena cominada ao crime de falsidade ideológica eleitoral é privativa de liberdade, sendo inadmissível sua aplicação sem a existência de prova robusta da intenção criminosa do acusado. O princípio in dubio pro reu, corolário do devido processo legal e do Estado Democrático de Direito, reforça a necessidade de deferir a absolvição na ausência de prova inequívoca da prática delitiva.

Portanto, não havendo provas robustas e convincentes acerca da materialidade e da autoria do cometimento das condutas delitivas descritas nos art. 350 e 353 do Código Eleitoral em relação ao acusado, impõem-se a sua absolvição. (Grifo nosso)

 

Com efeito, o contador Valdir Perdiz declarou que Nereu dispunha de uma equipe própria, que jamais lhe entregou documentos pessoalmente, e que foi indicado por Vilmar Lourenço para fazer a prestação de contas, elaborada com os documentos recebidos e posteriormente aprovada.  Audie Lomar, sócio de Valdir, afirmou ter orientado o candidato sobre as regras eleitorais, mas ressaltou que a entrega e a gestão das informações cabiam ao próprio candidato, com quem tratava. Neiron Marx informou que Cássio Ricardo Ferreira era quem administrava o financeiro das campanhas de Nereu e de Vilmar, realizando pagamentos a fornecedores. O próprio Cássio negou ser coordenador, porém admitiu ter efetuado pagamentos em dinheiro à gráfica Studio Print a pedido de Nereu, entregando os recibos a Vilmar. Em interrogatório, Nereu negou os fatos e disse ter confiado a gestão financeira a Cássio, indicado por Vilmar, chegando a assinar o talão de cheques e deixá-lo sob sua responsabilidade.

Para a caracterização do crime de falsidade ideológica eleitoral (art. 350 do CE), exige-se dolo específico de fraudar a lisura do processo eleitoral; irregularidades na contabilidade, por si sós, não bastam. A jurisprudência do TSE reforça que  “[...] 1. Para a tipificação do crime de falsidade ideológica eleitoral, descrito no art. 350 do CE, exige-se a comprovação do dolo específico, consubstanciado na atuação consciente e deliberada de violar a higidez do processo eleitoral” (TSE: Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 3524, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe 04.02.2020).

Idêntico raciocínio se aplica ao uso de documento falso (art. 353 do CE): é imprescindível a utilização consciente de documento sabidamente falso, não se admitindo responsabilização objetiva do candidato apenas por ter assinado a prestação de contas, sendo “[...] 3. Imprescindível para a tipificação do crime de uso de documento público falso previsto no art. 353 c/c o art. 348 do CE, o dolo específico, consistente no uso consciente e deliberado dos documentos públicos sabidamente falsos para fins eleitorais" (TSE: Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 61062, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, 06.02.2019).

No caso concreto, embora o Laudo realizado pela Perícia Criminal n. 1510/20 – SETEC/RS/PF/RS (ID 77705361) tenha apontado inconsistências, não há prova de que o recorrido tenha manipulado pessoalmente as informações contábeis. A sentença absolutória concluiu, com acerto, que a prova afasta o dolo.  A delegação a profissionais (contadores e responsável financeiro) é prática comum de campanha e não gera presunção de ciência ou vontade do candidato sobre eventuais irregularidades.  Também não prospera a tese de que, por ser bacharel em Direito, o recorrido conheceria a ilicitude de uma suposta fraude; conhecimento abstrato da lei não equivale à prova de participação dolosa.

Diante da fragilidade do conjunto probatório quanto ao elemento subjetivo dos tipos penais imputados, impõe-se a manutenção da absolvição, à luz do in dubio pro reo. Por isso, a pretensão acusatória não merece acolhida.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para manter a sentença absolutória em favor de NEREU CRISPIM com fundamento no art. 386, inc. VII, do CPP.