REl - 0600582-59.2024.6.21.0084 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/12/2025 às 16:00

VOTO

 

 

1. Admissibilidade.

O presente recurso é tempestivo. No relativo aos demais pressupostos recursais, saliento a existência de preliminar relativamente ao recorrente JOÃO PAULO ZIULKOSKI, uma das prefaciais a serem analisadas no próximo tópico.

2. Questão de ordem. Documentos apresentados em 16.12.2025.

A COLIGAÇÃO CRESCER RECONSTRUIR E HUMANIZAR FEDERAÇÃO FE BRASIL, apresentou petição e documentos na data de ontem, 16.12.2025.

Não serão conhecidos, adianto. Fundamento: ainda que alegadamente a título de "informação", a peça elabora juízo de valor ("as postagens das páginas possuíam total viés político"). Ademais, a situação que se pretende demonstrar não constitui fato novo - é a mera ocupação de cargo em comissão (Marco Maciel) na atual gestão, em verdade um indiferente para o deslinde do presente feito, pois é óbvio que Marco possui alinhamento partidário com os recorridos, e nesse ponto não há qualquer antijuridicidade.  

Em suma, o ato processual é inválido, pois  as manifestações das partes estão cobertas pela preclusão nos presentes autos, e a presente petição não foi submetida ao contraditório, em violação aos princípios da colaboração e da boa-fé processual. 

Não conheço da petição de ID 46151925 e documentos que a acompanham. 

3. Preliminares.

3.1. Preliminar da recorrida. Ausência de interesse processual de JOÃO PAULO ZIULKOSKI.

Com razão à COLIGAÇÃO RECONSTRUIR, HUMANIZAR E CRESCER. JOÃO PAULO fora inocentado e, portanto, carece-lhe um dos elementos fundamentais para a interposição recursal, qual seja, a possibilidade de modificação (para melhor) de qualquer situação de sua esfera jurídica. Como a sentença em relação a JOÃO PAULO fora de improcedência, ausente interesse juridicamente qualificado em ver modificada a decisão.

Acolho a preliminar arguida pela coligação recorrida e deixo de conhecer do recurso relativamente a JOÃO PAULO ZIULKOSKI, por ausência de interesse recursal.

3.2. Preliminar do recorrente LUIZ CARLOS COUTINHO GARCEZ. Carência de ação.

Os recorrentes aduzem que "a representante é carecedora de direito de ação contra os representados, por falta de causa de pedir, uma vez que os representados não participaram do ato objeto da ação".

Ao menos em hipótese, todavia, é possível a responsabilização dos candidatos beneficiários no caso de prática de conduta vedada, conforme precedentes do e. Tribunal Superior Eleitoral:

Eleições 2024. [...] Conduta vedada. Art. 73, VI, b, da Lei n. 9.504/1997. Caracterização. Prefeito e vice-prefeito, pré- candidato a prefeito. Permanência de publicidade institucional em redes sociais da prefeitura. Período vedado. Responsabilidade do gestor público e do candidato beneficiado. [...] 8. A orientação do Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, firmada no sentido de que chefe do Poder Executivo, ainda que não tenha autorizado a manutenção da publicidade institucional em período proscrito, é por ela responsável, porquanto tem o dever de zelar pela efetiva fiscalização e cumprimento das determinações legais. 9. Nos termos do art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei n. 9.504/1997, o reconhecimento da conduta vedada implica aplicação de multa independentemente de autorização ou anuência do beneficiário com a prática do ato [...] 10. A interpretação do § 8º do art. 73 da Lei n. 9.504/1997 é horizontal, aplicável a toda e qualquer demanda que verse sobre condenação por multa em sede de conduta vedada: nos termos legais, tanto autores quanto beneficiários de condutas vedadas podem ser sancionados, independentemente de autorização, anuência ou eventuais expedientes voltados à exclusão da responsabilidade. [...]."

(Ac. de 22/5/2025 no AgR-AREspE n. 060007034, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques.) (grifei)

Afasto a preliminar.

4. Mérito.

4.1. Aspectos das condutas vedadas.

O recorte conceitual é de alta relevância, a legislação de regência concernente às condutas vedadas visa a tutelar o bem jurídico da isonomia entre os concorrentes ao pleito. Já há algum tempo, o Tribunal Superior Eleitoral tem como pacífico que as hipóteses relativas às condutas vedadas são objetivas, taxativas e de legalidade restrita, sendo que "a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente" (REspEle n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira, julgado em 26.10.2004), bem como "nas condutas vedadas previstas nos arts. 73 a 78 da Lei das Eleições imperam os princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei" (Respe n. 626-30/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 04.02.2016, bem como o AgR-REspe n. 1196-53, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 12.9.2016, e o AgR-REspe n. 0600456-50/SE, Rel. Min. Carlos Horbach, DJe de 06.6.2022.

Na seara do entendimento doutrinário, o abuso de poder político é gênero e as condutas vedadas são espécies. Trago, como lição inicial, a noção de Frederico Franco Alvim:

Há que se diferenciar, ainda, o abuso de poder político das condutas vedadas aos agentes públicos, como fazem com acuidade Luciano Sato e Sérgio de Souza, a partir da análise dos diferentes bens jurídicos protegidos. Percebem os autores que as condutas constantes dos arts. 73 e ss. da lei 9.504/97 são vedadas aos agentes públicos com o objetivo de tutelar a igualdade de oportunidade entre os candidatos, ao passo que o combate a abuso do poder político, constante do art. 14, §9º, da Constituição Federal, pretende tutelar a normalidade e a legitimidade das eleições (Frederico Franco Alvim. O abuso de poder político por omissão- Revista Jurídica do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. Nº VI (Maio2010/Maio2011) - Goiânia: TRE/GO,2011 ISSN 2177 - 4110, p. 21)

José Jairo GOMES vaticina, com precisão, que "a conduta vedada traduz a ocorrência de ato ilícito eleitoral. Uma vez caracterizada, com a concretização de seus elementos, impõe-se a responsabilização tanto dos agentes quanto dos beneficiários do evento", pois "tendem a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais", eis que no aspecto subjetivo "a conduta inquinada deve ser realizada por agente público" (Direito Eleitoral, 12ª Ed. Atlas, São Paulo, p. 741).

Aqui, por relevante, repito: há uma tipicidade estrita, fechada, diferentemente dos casos de abuso de poder, em que o gradiente permite a análise das circunstâncias do, assim digamos, "conjunto da obra", de forma que a constatação da prática de conduta vedada exige apenas a consunção do fato na legislação que o tipifica, sem a necessidade de análise de outros elementos, sejam subjetivos ou de efeito no resultado da competição eleitoral.

Dito de outro modo, a escolha do legislador foi a de entender determinadas práticas como tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos. Por se tratar de tipos eleitorais fechados, os casos de condutas vedadas não admitem, obviamente, interpretação ampliativa.

Com tais premissas fáticas, legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, passo ao exame do caso propriamente dito, e indico que os recortes conceituais acima explicitados serão fundamentais para a resolução da demanda. De fato, as condutas vedadas podem ser consideradas espécies de abuso de poder. Mas, como visto, possuem requisitos próprios para a configuração, forma de subsunção diversa, e visam a proteger bens jurídicos distintos das práticas abusivas.

4.2. A controvérsia em grau recursal.

O recurso merece provimento, antecipo. A discussão central reside na configuração da conduta vedada prevista no art. 73, inc. VI, al. "b", da Lei n. 9.504/97. Transcrevo o texto legal:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

(...)

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

Em resumo, o art. 73, inc. VI, al. "b", proíbe o agente público de autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos nos três meses que antecedem o pleito, salvo exceções.

Os fatos não se amoldam à norma sancionadora.

Explico.

Conforme destacou o Ministério Público Eleitoral já no primeiro grau de jurisdição 1º Grau, a vedação insculpida no art. 73, inc. VI, al. "b", da Lei das Eleições se refere à propaganda oficialmente autorizada e custeada com recursos públicos, o que certamente não é o caso dos presentes autos.

Aqui, as postagens sob exame consistem na divulgação de realizações do poder executivo municipal promovidas por terceiros (duas pessoas, Marcos Maciel e o menor T.P.D.O.) mediante a utilização de perfis privados nas redes sociais (a página "canal do Maciel" e "Tapes 24 Horas", hospedada no Facebook e Instagram, bem como a página "Tapes Notícias") não criados ou mesmo mantidos pelo poder público.

E possuem também razão os recorrentes ao indicarem que não há prova da utilização de recursos públicos ou servidores municipais para a produção do material divulgado.

Outrossim, se a publicidade não fora custeada com recursos públicos, e nem veiculada em sítios oficiais da administração pública, conforme veda o art. 57-C, § 1º, inc. II, da Lei n. 9.504/97, resta descaracterizada a conduta vedada.

Ora, e como bem asseverado também pela Procuradoria Regional Eleitoral perante este Tribunal, ato de terceiros, pessoas físicas que possuam relação de proximidade e de afinidade, ou mesmo de admiração, com determinada gestão governamental (no caso, o Prefeito e candidato à reeleição LUIZ CARLOS COUTINHO GARCEZ) podem exercitar o direito à liberdade de expressão, garantida nos arts. 5º, incs. IV e IX, e 220 da Constituição Federal de 1988, princípio que deve predominar no caso posto, à míngua de norma expressa que proíba tal comportamento.

Nessa linha de ideias, o posicionamento externado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifesta pelo provimento do pedido em termos que adoto expressamente como razões de decidir, evitando-se assim desnecessária repetição do mesmo raciocínio mediante o uso de outras palavras. Os fatos não devem sofrer subsunção de qualquer norma de conduta vedada:

Assiste razão aos Recorrentes.

Vejamos. Cuida-se, na origem, de representação na qual é imputada aos ora recorrentes, em suma, a prática de conduta vedada e propaganda irregular pelo suposto uso indevido de perfis privados em redes sociais para promoção pessoal e institucional durante o período eleitoral.

Tais conteúdos teriam sido veiculados por terceiros (Marcos Maciel e Thiago Maciel) em páginas digitais com o objetivo de beneficiar eleitoralmente os representados/recorrentes.

(...)

Com efeito, a vedação legal cinge-se à publicidade institucional, o que não ocorreu no caso em testilha, pois não há qualquer prova da utilização de recursos públicos ou servidores municipais para a produção do material divulgado.

Ademais, a conduta dos autores das publicações (Thiago e Marcos Maciel), ao divulgar em suas redes sociais particulares informações sobre a administração municipal, configuraria, de fato, o pleno exercício da liberdade de expressão, garantida nos arts. 5º, IV e IX, e 220 da CF/88. Ora, a divulgação de informações de interesse público, ainda que relacionada à atuação de agentes políticos, quando realizada em âmbito privado e sem o uso de recursos públicos, não configura a conduta vedada prevista na legislação eleitoral.

4. 3. Extensão dos efeitos do acórdão aos não recorrentes.

Colegas, a título de desfecho, faço constar uma situação inusitada, nos presentes autos.

Foram condenadas três pessoas, no grau de origem: o recorrente LUIZ CARLOS COUTINHO GARCEZ, bem como MARCOS MACIEL DE SOUZA OLIVEIRA e o menor T.P.D.O.

Ocorre que MARCOS E T.P.D.O. em momento algum se manifestaram nos autos - são eles, em suma, os "blogueiros" que veicularam as notícias tidas como ilícitas e, conforme destacado ao longo do presente voto, constituem, em verdade, legítimo exercício do direito de liberdade de expressão.

O tema da extensão dos efeitos de recurso a demandado que não recorreu é tranquilo na seara penal, por exemplo, no caso de concurso de agentes - art. 580 do Código de Processo Penal, o qual determina que "a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros".

É um indicativo importante, pois bem se sabe que a seara sancionatória eleitoral - mesmo a cível - traz penas verdadeiramente severas. Sem exagero, é possível afirmar que um político experimentado poderia preferir ser condenado no art. 299 do Código Penal (crime de compra de votos) do que civilmente no art. 41-A (captação ilícita de sufrágio).

Mas há mais.

Note-se que a jurisprudência desta própria Corte traz precedente aplicável ao caso posto, tendo em vista o caráter sancionador aplicado no processo, mesmo de natureza cível:

RECURSOS. REPRESENTAÇÃO. PESQUISA ELEITORAL SEM PRÉVIO REGISTRO. REDES SOCIAIS. SIMPLES REFERÊNCIA A PERCENTUAIS. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS PARA CARACTERIZAR A POSTAGEM COMO PESQUISA. ART. 33 DA LEI N. 9.504/97. DIVULGAÇÃO DE SONDAGEM OU ENQUETE. INAPLICABILIDADE DE MULTA. PROVIMENTO. EXTENSÃO DOS EFEITOS. ART. 1.005 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AFASTADA A MULTA FIXADA. PROVIMENTO. (REl n 0600294-77.2020.6.21.0076, Rel. Des. FRANCISCO JOSÉ MOESCH. Julgado em 29.6.2021, unânime)

Lembro, ademais, que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral oscila quanto à classificação do litisconsórcio passivo em demandas que versem sobre condutas vedadas, pois para as eleições de 2016:

"[...] Eleições 2016 [...] a representação foi ajuizada apenas contra os candidatos beneficiados. 6. De acordo com o entendimento deste Tribunal, aplicável às Eleições 2016, nas ações que versem sobre condutas vedadas, há litisconsórcio passivo necessário entre o agente público tido como responsável pela prática das condutas e os beneficiários dos atos praticados. 7. A ausência de inclusão do agente público responsável no polo passivo impõe a extinção, com resolução do mérito, da representação, nos termos do art. 487, II, do CPC. Como consequência, ficam afastadas as multas aplicadas pela prática de conduta vedada. [...]"

(Ac. de 30.5.2019 no REspe nº 42270, rel. Min. Luis Roberto Barroso.)

Ainda que - destaco - a posição tenha sido superada, pois atualmente é "desnecessária a formação de litisconsórcio entre candidato beneficiário e eventual agente executor da conduta vedada quando este atua na qualidade de simples mandatário" (AI n. 28353/RJ, julgado em 23.4.2019), é certo que o tema comporta alguma polêmica, pois há de se verificar, no curso do processo (e, portanto, a posteriori) se o executor atuara com simples mandatário, ou não.

Julgo, por todo o exposto, extensíveis os efeitos do presente provimento recursal aos demandados MARCOS MACIEL DE SOUZA OLIVEIRA e o menor T.P.D.O (nestes autos representado pela sua genitora), nos termos do art. 1005 do Código de Processo Civil.

5. Dispositivo.

Diante do exposto, VOTO para:

- afastar a preliminar dos recorrentes, de carência de ação;

- acolher a preliminar da recorrida, para declarar JOÃO PAULO ZIULKOSKI carente de interesse recursal e inadmitir o recurso em relação a este recorrente;

- no mérito, dar provimento ao recurso de LUIZ CARLOS COUTINHO GARCEZ e afastar a condenação pela prática de conduta vedada, bem como a multa aplicada na origem;

- estender, de ofício, os efeitos do presente provimento do recurso aos jurisdicionados MARCOS MACIEL DE SOUZA OLIVEIRA e o menor T.P.D.O, nos termos do art. 1005 do CPC.