REl - 0600755-43.2024.6.21.0162 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/12/2025 às 16:00

VOTO

Admissibilidade 

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos processuais, razão pela qual dele conheço.

Mérito

Como relatado, CARLOS GILBERTO BAIERLE e GILBERTO DANIEL WEBER, concorrentes ao pleito majoritário em Passo do Sobrado/RS, e a Coligação FRENTE AMPLA E DEMOCRÁTICA interpõem recurso em face da sentença, que julgou improcedente Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) por eles ajuizada contra EDGAR THIESEN e JANDER DE CARVALHO THISEN, eleitos Prefeito e Vice-Prefeito de Passo do Sobrado, respectivamente, ao entendimento de que não configurado abuso de poder na nomeação de servidores, pois não comprovado seu viés eleitoral.

Em síntese, os apelantes advogam o cunho eleitoral das nomeações promovidas pelo recorrido Edgar Thiesen, enquanto Prefeito, visto que ocorridas em data próxima ao pleito, visando a prospecção de votos, e, ainda, de forma recorrente.

Todavia, à luz dos elementos que informam os autos, tal como concluiu a douta Procuradoria Regional Eleitoral, razão não assiste aos recorrentes.

Com efeito.

A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo tem jaez constitucional (art. 14, §§ 10 e 11/CF), tramita sob a égide da LC n. 64/90 e visa a coibir atos ilícitos que extrapolem o exercício regular da capacidade econômica ou de posições públicas dos candidatos, em prejuízo da normalidade e legitimidade do pleito.

As práticas abusivas, nas suas diferentes modalidades, não demandam prova da sua interferência no resultado da votação, mas, tão somente, da gravidade das condutas para afetar a normalidade e a legitimidade da disputa eleitoral (TSE, AIJE n. 060177905, Acórdão, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 11.3.2021).

A análise da gravidade perpassa aspectos qualitativos, relacionados a reprovabilidade da conduta, e quantitativos, referentes à sua repercussão no contexto das eleições (REspe n. 060084072/SP – DJe 02.02.2024; TSE – AIJe n. 060081485/DF – DJe 02.8.2023)

Por sua vez, a captação ilícita de sufrágio (compra de voto) tem previsão legal no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, cuja redação a seguir transcrevo:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

Ou seja, necessária a demonstração de que o candidato realizou uma das condutas da supracitada norma, para perfectibilização do ilícito.

Postas essas considerações teóricas, passo à análise do caso concreto.

Na espécie, os fatos versam sobre suposta prática de abuso de poder político e econômico, consubstanciada na nomeação de servidores com o intuito de captar de seus votos.

O caderno probatório relata a designação para cargo em comissão de Ana Rita da Rosa, merendeira contratada temporariamente pelo município, e Fabíula Kroth, ocupante de cargo comissionado junto à Administração Local.

Pois bem, cabe aferir se os atos tiveram, ou não, gravidade suficiente para interferir na normalidade do pleito e, como previamente sinalizado, tenho que não.

De início refuto a ilegalidade das nomeações, pois, conquanto incontroversa a contratação, não há irregularidade no ato oficial, dado que excepcionalizada, mesmo no período eleitoral, pela al. “a”, inc. V, art. 73 da Lei n. 9.504/97.

À guisa de exemplo, vale citar excerto de precedente no qual e. Tribunal Superior Eleitoral deu albergue ao ato aqui impugnado nos seguintes termos - "o fato de o servidor nomeado para cargo em comissão ter sido exonerado e, logo em seguida, nomeado para cargo em comissão com concessão de maior vantagem pecuniária não permite, por si só, afastar a ressalva do art. 73, inc. V, al."a", da Lei n. 9.504/97, porquanto tal dispositivo legal não veda eventual melhoria na condição do servidor” (AgR-REspe n. 299446/PR – j. 06.11.2012 – DJe 05.12.2012).

Outrossim, há ser afastada a hipótese de usualidade das designações que deram azo a essa representação, pois, como bem ponderou o magistrado de origem na sua judiciosa e bem lançada sentença, cuida-se de fato isolado, não revestido da gravidade necessária a macular o pleito, máxime se considerado que não há adminículo de prova a estampar o alegado caráter eleitoreiro da  nomeação de Fabíula Kroth.

Mais a mais, por que referida em apelo a Ação de Investigação Judicial n. 0600717-31, de minha relatoria, repiso o entendimento que lancei sobre aquele feito, e mantive em sede de embargos, quanto à ausência de cunho eleitoral das nomeações, dentre elas a alvo da presente demanda, ao consignar que “não há prova nos autos de que tais nomeações tenham ocorrido com desvio de finalidade ou com o exclusivo objetivo de beneficiar politicamente a candidatura dos investigados”.

Ora, ausente prova robusta acerca da gravidade do ato, seja sob o aspecto qualitativo seja pelo quantitativo, ao ponto de atingir a integridade do processo eleitoral, a legitimidade do pleito e a sinceridade da vontade popular expressa nas urnas, não há falar em abuso de poder a ensejar gravíssima pena de cassação de mandato.

E outro não é o entendimento desta Corte sobre a necessidade de provas contundentes quanto à ocorrência de graves condutas atentatórias à normalidade do processo eleitoral para autorizar a cassação de mandato, como atesta voto que restou assim ementado:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. IMPROCEDENTE. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. CONDUTAS VEDADAS. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. INEXISTÊNCIA DE GRAVIDADE E DE PROVA ROBUSTA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1.1. Recurso interposto por coligação contra sentença que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) ajuizada em face de prefeito, vice-prefeito e candidatos nas Eleições 2024, por suposto abuso de poder político e econômico, prática de condutas vedadas e captação ilícita de sufrágio. 1.2. A inicial apontou como fatos ilícitos: (i) a contratação de 42 servidores temporários, sendo 29 em período vedado; e (ii) a distribuição de cestas básicas e materiais de construção a famílias carentes. 1.3. Nas razões recursais, a coligação reiterou os argumentos iniciais, sustentando a gravidade das condutas e sua potencialidade lesiva à isonomia entre os candidatos. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2.1. Há três questões em discussão: (i) saber se as contratações de servidores temporários no período vedado configuraram conduta vedada ou abuso de poder político; (ii) saber se a distribuição de bens caracterizou conduta vedada ou captação ilícita de sufrágio; (iii) saber se as circunstâncias dos fatos revestiram-se da gravidade exigida para a configuração de abuso de poder político ou econômico. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1. Rejeitada a preliminar de perda superveniente do objeto. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral firmou–se no sentido de que o término do mandato não acarreta a perda superveniente do objeto da AIJE, subsistindo o interesse na aplicação de inelegibilidade.  Mantém-se, na espécie, o interesse de agir na prestação jurisdicional, expresso pelo binômio necessidade/utilidade. 3.2. As contratações foram destinadas a cargos em comissão e a programa social instituído por lei municipal anterior ao ano eleitoral, enquadrando-se nas exceções previstas no art. 73, inc. V, al. "a", da Lei n. 9.504/97. 3.3. A distribuição de bens (cestas básicas e materiais de construção) seguiu programa social instituído em 2021, com execução orçamentária anterior ao ano eleitoral, adequando-se à exigência do § 10 do art. 73 da Lei das Eleições. 3.4. A robustez probatória é requisito essencial para a configuração do abuso de poder e da captação ilícita de sufrágio, condição ausente nos autos. A prova produzida é insuficiente para demonstrar gravidade ou direcionamento eleitoreiro nas condutas apontadas. 3.5. Manutenção da sentença. Ainda que se pudesse questionar a motivação política dos atos, não se verifica a prática de conduta vedada ou de abuso de poder, tampouco está presente prova de desvio de finalidade, razão pela qual entendo não merecer provimento o recurso ora em apreço. IV. DISPOSITIVO E TESE 4.1. Recurso desprovido. Teses de julgamento: "1. A contratação de servidores temporários durante o período vedado, quando vinculada a programa social regularmente instituído por lei anterior ao ano eleitoral, não caracteriza conduta vedada ou abuso de poder político, nos termos do art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97. 2. A distribuição de bens no âmbito de programa social previamente instituído e com execução orçamentária regular não configura conduta vedada nem captação ilícita de sufrágio, se ausente prova de finalidade eleitoral específica. 3. A configuração do abuso de poder político ou econômico exige a demonstração de gravidade concreta e prova robusta das circunstâncias." Dispositivos relevantes citados: Lei Complementar n. 64/90, art. 22, inc. XVI; Lei n. 9.504/97, arts. 41-A e 73, incs. IV, V e § 10. Jurisprudência relevante citada: TSE, AgR-AgR-RO n. 5376-10/MG, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 13.3.2020; TSE, RO-El n. 060174546/AP, Rel. Min. Raul Araújo Filho, DJe 13.4.2023. (TRE-RS REl 0600774-78 – Catuípe/RS, Relator Des. Eleitoral Francisco Thomaz Thelles, julgado em 25.06.2025, publicado em 27.06.2025 no DJE/TRE-RS, edição n. 116/2025) (Grifei.)

Tal intelecção, no que respeita a necessidade de robustez das evidências a chancelar a cassação de um mandato por abuso de poder, encontra respaldo também na doutrina, como se depreende da lição do jurista Marcus Vinicius Furtado Coelho (A gravidade das circunstâncias no abuso de poder eleitoral. Revista Eleições & Cidadania, Teresina, ano 3, n. 3, p. 146):

A democracia pressupõe a prevalência da vontade da maioria, com respeito aos direitos da minoria. A banalização das cassações de mandato, com a reiterada interferência do Judiciário no resultado das eleições, pode gerar uma espécie de autocracia, o governo dos escolhidos pelos Juízes e não pelo povo. O juízo de cassação de mandato por abuso de poder deve ser efetuado tão apenas quando existentes provas robustas de graves condutas atentatórias à normalidade e legitimidade do processo eleitoral e às regras eleitorais.

Em suma, ausente elementos a demonstrar o alegado abuso de poder, há ser mantida a bem lançada sentença por seus próprios fundamentos.

Para arrematar, sempre que possível, salvo naturalmente configuradas graves infrações previstas na legislação eleitoral, há ser preservada a vontade do eleitor manifestada através do voto, tal como aqui ocorre.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para manter hígida a sentença que julgou improcedente a representação ajuizada pelos representantes ora recorrentes.

É o voto.