REl - 0600001-78.2025.6.21.0029 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/12/2025 às 16:00

VOTO

Tempestividade

O recurso é tempestivo.

Preliminar de nulidade

A Coligação POR UM NOVO PROGRESSO almeja o reconhecimento da violação ao devido processo legal e à ampla defesa, no intuito de anular a sentença.

Nesse sentido, alega a ora recorrente que o juízo singular, em interpretação restritiva do inc. V, art. 22 da LC n. 64/90, prejudicou sua atividade probatória ao limitar o número de testemunhas para 6 e não conduzir as testemunhas pertencentes a quadro de servidores municipais para audiência.

Sem razão a recorrente.

O art. 22, inc. V, da Lei das Inelegibilidades é claro ao delimitar o número de até 6 testemunhas para cada parte – representante e representado.

Entretanto, em despacho saneador, foi autorizada a oitiva de até 3 testemunhas para cada fato, em consonância com o CPC (IDs 46072430 – AIME, e 46072646 – AIJE).

Tendo em mente tal concessão, não há falar interpretação restritiva, mas, sim, em aplicação objetiva da norma.

Mais a mais, ainda que não tenham comparecido em juízo todas as testemunhas arroladas, compareceram à audiência 3 delas, todas servidoras públicas, em detrimento das demais testemunhas civis, de responsabilidade da recorrente, que não compareceram ao ato.

Desse modo, ampliado o número de testemunhas por fato e ouvidas as testemunhas que compareceram à audiência, não há falar em cerceamento de defesa ou violação ao devido processo legal.

Rejeito a preliminar, portanto.

 

Mérito

Como relatado, a Coligação POR UM NOVO PROGRESSO interpõe recurso em face de sentença de improcedência proferida em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e em Ação de Investigação Judicial Eleitoral, por ela ajuizadas e julgadas em conjunto, contra PAULO GILBERTO SCHMITT  e VANDERLEI JOSE TALINI, eleitos Prefeito e Vice-Prefeito de Progresso/RS, respectivamente, e outros, ao entendimento de que ausentes provas a convalidar as alegadas práticas de abuso de poder político e econômico e de conduta vedada, ocorridas em captação ilícita de sufrágio e por meio de distribuição de bens e serviços pela Administração local.

A recorrente, em síntese, advoga a finalidade eleitoral dos atos imputados aos representados de antanho, a justificar a procedência das ações, porque ocorridos em abuso de poder político e econômico e em conduta vedada com gravidade suficiente a afetar normalidade do pleito.

Todavia, à luz dos elementos que informam os autos, tal como concluiu a douta Procuradoria Regional Eleitoral, razão não assiste à recorrente.

Com efeito.

A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo tem jaez constitucional (art. 14, §§ 10 e 11/CF), tramita sob a égide da LC n. 64/90, e visa a coibir atos ilícitos que extrapolem o exercício regular da capacidade econômica ou de posições públicas dos candidatos, em prejuízo da normalidade e legitimidade do pleito, podendo resultar na cassação do candidato que obteve êxito por meio de abuso de poder.

De seu turno, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral veio a lume a partir da LC n. 64/90, a Lei das Inelegibilidades, e tem por mote apurar condutas tendentes a influir na normalidade do pleito mediante abuso de poder econômico ou de autoridade, ou, ainda, da utilização indevida de veículos ou meio de comunicação social com o fito de atingir a livre autodeterminação do eleitor a seu favor.

As reprimidas práticas abusivas, nas suas diferentes modalidades, não demandam prova da sua interferência no resultado da votação, mas, tão somente, da gravidade das condutas para afetar a normalidade e a legitimidade da disputa eleitoral (TSE, AIJE n. 060177905, Acórdão, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 11.3.2021).

A análise da gravidade perpassa aspectos qualitativos e quantitativos relacionados à reprovabilidade da conduta com repercussão no contexto das eleições (REspe n. 060084072/SP – DJe 02.02.2024; TSE – AIJe n. 060081485/DF – DJe 02.8.2023), excesso esses que, no mais das vezes, objetivam a nefasta captação de sufrágio ou compra de voto, ilícito previsto no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, cuja redação a seguir transcrevo:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Ou seja, para caracterização do delito, é necessária a demonstração de que o candidato praticou uma das condutas da supracitada norma, para perfectibilização do ilícito.

Postas essas considerações teóricas, passo à análise do caso concreto.

Na espécie, os fatos versam sobre suposta prática de abuso de poder político e econômico, mediante conduta vedada e captação ilícita de sufrágio, consubstanciadas em alegada tentativa de compra de votos, e na autorização de exames/cirurgias e de distribuição de brita/saibro a munícipes em quantidade superior a praticada em anos pretéritos, e em benefício do candidato da situação, o reconduzido ao cargo de Prefeito PAULO GILBERTO SCHMITT, ora recorrido.

Pois bem, cabe aferir se o acervo probatório faz crer que os atos tiveram, ou não, gravidade suficiente para interferir na normalidade do pleito e, como previamente sinalizado, tenho que não.

De início, tenho por lícitos os créditos suplementares para manutenção de estradas e atendimento da área de saúde, e, via reflexa, as decorrentes aquisições e usos de britas/saibro e autorizações de exames e procedimentos médicos, visto que a cidade de Progresso foi arrolada como em situação de emergência, em razão dos desastres promovidos pelas cheias que assolaram o Estado do Rio Grande do Sul no ano de 2024 – Decreto n. 57.646, de 30 de maio de 2024.

A situação vem albergada pelo § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, o qual autoriza, em caráter excepcional, a ocorrência de tais ações durante o período eleitoral.

Em reforço, ainda que por via transversa, os depoimentos de Júnior Gerevini e Valdir Lopes de Oliveira, acerca dos incrementos de serviços de manutenção de estradas e de atendimentos médicos, acabaram por ratificar as ponderações dos recorridos, pois sinalizaram a necessidade de reparos da malha rodoviária e o represamento de consultas e procedimentos médicos em decorrência do período de chuvas intensas.

Mais a mais, quanto às provas carreadas pela recorrente, estas não permitem concluir que o uso de material de pavimentação registrado por fotos e vídeos teve finalidade eleitoral, pois consignam tão somente o despejo das britas em área rural, sem indício de reiteração do ato, sem comprovação quanto às circunstâncias em que promovida a entrega do material, sem a presença do candidato ou dos supostos eleitores beneficiados e, por fim, sem identificação do motorista e do caminhão que guiava.

Ora, com tal cenário, diante da notória e inegável catástrofe que se abateu sobre o Estado Gaúcho, aliada ao edito governamental, não há falar em abuso de poder, sob qualquer modalidade, a desnaturar a corrida eleitoral, mas, sim, em necessária e premente resposta Estatal em socorro dos munícipes.

Outrossim, no que toca ao indevido constrangimento de eleitores em captação ilícita de sufrágio, tenho por não demonstrado, pois, afora as mencionadas tentativas de compra de voto relatadas na peça exordial, não consta do processado adminiculo de prova a ratificar sua ocorrência.

É dizer, ausente liame fático entre as alegadas práticas ilícitas e as evidências apresentadas, não podem subsistir as ilações que deram azo a presente demanda.

Desse modo, ausente prova robusta acerca da gravidade dos atos ou seu viés eleitoral, seja sob o aspecto qualitativo seja pelo quantitativo, ao ponto de atingir a integridade do processo eleitoral, a legitimidade do pleito e a sinceridade da vontade popular expressa nas urnas, não há falar em abuso de poder a ensejar gravíssima pena de cassação de mandato e demais consectários almejados pela recorrente.

E outro não é o entendimento desta Corte sobre a necessidade de provas contundentes quanto à ocorrência de graves condutas atentatórias à normalidade do processo eleitoral para autorizar a cassação de mandato, como atesta voto que restou assim ementado:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. IMPROCEDENTE. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. CONDUTAS VEDADAS. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. INEXISTÊNCIA DE GRAVIDADE E DE PROVA ROBUSTA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1.1. Recurso interposto por coligação contra sentença que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) ajuizada em face de prefeito, vice-prefeito e candidatos nas Eleições 2024, por suposto abuso de poder político e econômico, prática de condutas vedadas e captação ilícita de sufrágio. 1.2. A inicial apontou como fatos ilícitos: (i) a contratação de 42 servidores temporários, sendo 29 em período vedado; e (ii) a distribuição de cestas básicas e materiais de construção a famílias carentes. 1.3. Nas razões recursais, a coligação reiterou os argumentos iniciais, sustentando a gravidade das condutas e sua potencialidade lesiva à isonomia entre os candidatos. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2.1. Há três questões em discussão: (i) saber se as contratações de servidores temporários no período vedado configuraram conduta vedada ou abuso de poder político; (ii) saber se a distribuição de bens caracterizou conduta vedada ou captação ilícita de sufrágio; (iii) saber se as circunstâncias dos fatos revestiram-se da gravidade exigida para a configuração de abuso de poder político ou econômico. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1. Rejeitada a preliminar de perda superveniente do objeto. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral firmou–se no sentido de que o término do mandato não acarreta a perda superveniente do objeto da AIJE, subsistindo o interesse na aplicação de inelegibilidade.  Mantém-se, na espécie, o interesse de agir na prestação jurisdicional, expresso pelo binômio necessidade/utilidade. 3.2. As contratações foram destinadas a cargos em comissão e a programa social instituído por lei municipal anterior ao ano eleitoral, enquadrando-se nas exceções previstas no art. 73, inc. V, al. "a", da Lei n. 9.504/97. 3.3. A distribuição de bens (cestas básicas e materiais de construção) seguiu programa social instituído em 2021, com execução orçamentária anterior ao ano eleitoral, adequando-se à exigência do § 10 do art. 73 da Lei das Eleições. 3.4. A robustez probatória é requisito essencial para a configuração do abuso de poder e da captação ilícita de sufrágio, condição ausente nos autos. A prova produzida é insuficiente para demonstrar gravidade ou direcionamento eleitoreiro nas condutas apontadas. 3.5. Manutenção da sentença. Ainda que se pudesse questionar a motivação política dos atos, não se verifica a prática de conduta vedada ou de abuso de poder, tampouco está presente prova de desvio de finalidade, razão pela qual entendo não merecer provimento o recurso ora em apreço. IV. DISPOSITIVO E TESE 4.1. Recurso desprovido. Teses de julgamento: "1. A contratação de servidores temporários durante o período vedado, quando vinculada a programa social regularmente instituído por lei anterior ao ano eleitoral, não caracteriza conduta vedada ou abuso de poder político, nos termos do art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97. 2. A distribuição de bens no âmbito de programa social previamente instituído e com execução orçamentária regular não configura conduta vedada nem captação ilícita de sufrágio, se ausente prova de finalidade eleitoral específica. 3. A configuração do abuso de poder político ou econômico exige a demonstração de gravidade concreta e prova robusta das circunstâncias." Dispositivos relevantes citados: Lei Complementar n. 64/90, art. 22, inc. XVI; Lei n. 9.504/97, arts. 41-A e 73, incs. IV, V e § 10. Jurisprudência relevante citada: TSE, AgR-AgR-RO n. 5376-10/MG, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 13.3.2020; TSE, RO-El n. 060174546/AP, Rel. Min. Raul Araújo Filho, DJe 13.4.2023. (TRE-RS REl 0600774-78 – Catuípe/RS, Relator Des. Eleitoral Francisco Thomaz Thelles, julgado em 25.06.2025, publicado em 27.06.2025 no DJE/TRE-RS, edição n. 116/2025) (Grifei.)

 

Tal intelecção, no que respeita à necessidade de robustez das evidências a chancelar a cassação de um mandato por abuso de poder, encontra respaldo também na doutrina, como se depreende da lição do jurista Marcus Vinicius Furtado Coelho (A gravidade das circunstâncias no abuso de poder eleitoral. Revista Eleições & Cidadania, Teresina, ano 3, n. 3, p. 146):

A democracia pressupõe a prevalência da vontade da maioria, com respeito aos direitos da minoria. A banalização das cassações de mandato, com a reiterada interferência do Judiciário no resultado das eleições, pode gerar uma espécie de autocracia, o governo dos escolhidos pelos Juízes e não pelo povo. O juízo de cassação de mandato por abuso de poder deve ser efetuado tão apenas quando existentes provas robustas de graves condutas atentatórias à normalidade e legitimidade do processo eleitoral e às regras eleitorais. (Grifei.)

 

Em suma, ausente elementos a demonstrar o alegado abuso de poder, conduta vedada ou captação ilícita de sufrágio, há ser mantida a bem lançada sentença por seus próprios fundamentos.

Para arrematar, sempre que possível, salvo naturalmente configuradas graves infrações previstas na legislação eleitoral, há ser preservada a vontade do eleitor manifestada através do voto, tal como aqui ocorre.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento dos recursos para manter hígida a sentença que julgou improcedente as ações (AIME e AIJE) ajuizadas pela representante ora recorrente.

É o voto.