REl - 0600209-42.2024.6.21.0144 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/12/2025 às 16:00

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade.

Cuida-se de analisar recurso do MDB DE ALPESTRE que alega, em síntese: os recorridos teriam praticado captação ilícita de sufrágio no dia 06 de outubro de 2024, mediante a oferta e distribuição de valores em dinheiro a eleitores, com o propósito de obtenção de votos, no estabelecimento comercial "Tilles Beer", de propriedade do segundo recorrido, o que caracterizaria a prática descrita no art. 41-A, da Lei n. 9.504/97:

 

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.     (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

 

§ 1°  Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.   (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2°  As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto.    (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3° A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação.   (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4° O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.   (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

 

De acordo com a doutrina, a caracterização do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 requer a presença dos seguintes elementos: a) a prática de uma conduta (doar, prometer); b) a existência de um eleitor; c) o resultado a que se propõe o agente  ( o fim de obter o voto); d) o período temporal específico (entre o pedido de registro e a eleição) (Zilio, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 10.ed.. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024 p. 793).

Nesse sentido se posiciona a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, segundo a qual, para se caracterizar o ilícito, exige-se prova robusta acerca da inequívoca anuência do candidato com as condutas perpetradas pelo aliciador, não bastando meras presunções e ilações:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME).

[...]

CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. REQUISITOS. TEMPORALIDADE. ANUÊNCIA. CIÊNCIA PRÉVIA. CANDIDATA. CASO ESPECÍFICO. NÃO ATENDIMENTO.

[...]

15. Conforme o art. 41–A da Lei 9.504/97 e a jurisprudência desta Corte, para se configurar a captação ilícita de sufrágio é necessária a presença dos seguintes elementos: (a) doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem de qualquer natureza a eleitor; (b) dolo específico de obter o voto; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; (d) participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado ou a sua concordância ou conhecimento dos fatos.

16. No que se refere à oferta de veículos a líderes ou gestores em troca de apoio político, as provas indicam que as tratativas, apesar de inequívocas, ocorreram a princípio antes do registro de candidatura nas Eleições 2018. A título demonstrativo, a gestora da unidade de Alto Alegre/RR declarou que os veículos chegaram no local "do finalzinho de julho pro início de agosto" e que nessa mesma época recebeu a oferta (por ela não aceita).

17. Quanto à circunstância de o líder indígena, após receber o veículo, condicionar seu uso gratuito por pessoas da comunidade em troca de votos, não há elementos de que a primeira recorrente anuiu ou tinha prévia ciência dessa conduta específica. Em outras palavras, descabe presumir que a conduta inicial – oferta de veículos a líderes e gestores em troca de apoio político – automaticamente configurou o conhecimento ou a ciência pela recorrente quanto ao ato seguinte.

(RO-El n. 060190176, Acórdão, Relator Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 54, Data 29.3.2023). (Grifo nosso)

 

 

AGRAVO INTERNO. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. RENOVAÇÃO. PREFEITO E VICE–PREFEITO. AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA. ART. 41–A DA LEI 9.504/97. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. PROVA TESTEMUNHAL. FRAGILIDADE. SÚMULA 24/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, manteve–se aresto do TRE/RN no qual se absolveram os agravados, eleitos aos cargos de prefeito e vice–prefeito de Guamaré/RN em novas eleições ocorridas por força do art. 224 do Código Eleitoral, por se entender não comprovada a compra de votos (art. 41–A da Lei 9.504/97).

2. Conforme o art. 41–A da Lei 9.504/97, constitui captação ilícita de sufrágio o candidato – diretamente ou por terceiros – doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem de qualquer natureza a eleitor com o fim de obter–lhe o voto.

3. Para se caracterizar o ilícito, exige-se prova robusta acerca da inequívoca anuência do candidato com as condutas perpetradas, não bastando meras presunções. Precedentes desta Corte Superior e doutrina sobre o tema.

4. Na espécie, a base fática diz respeito à suposta oferta de vantagens (promessas de emprego, curso, cimento, exame médico e dinheiro) em troca de votos, conduta que teria sido em tese realizada por terceiro – ex–prefeito – em prol dos agravados.

5. Na linha do aresto do TRE/RN e do parecer ministerial, não há nos autos nenhum elemento probatório que denote especificamente que os agravados teriam de qualquer forma anuído, direta ou indiretamente, com a suposta prática ilícita.

6. A Corte a quo consignou a deficiência do conjunto probatório, considerando que a gravação ambiental contém trechos inaudíveis não submetidos a exame técnico e, ainda, que as provas testemunhais não eram indubitáveis – pelo contrário, há mais dúvidas do que certezas.

7. No aresto regional, reportou–se a trecho do parecer ministerial naquela instância no sentido de que, "diante da impossibilidade de compreender, com segurança, o que foi dito pelos interlocutores no início do diálogo gravado, não há como saber se as promessas de benesses partiram espontaneamente de Jose da Silva Câmara ou se foram induzidas por José Wilson da Silva e Sérgio Antônio da Silva".

8. Ainda de acordo com o TRE/RN, há nos autos o testemunho de Euclides da Fonseca, no sentido de que Sérgio Antônio da Silva detinha evidente interesse de que a coligação adversária saísse vitoriosa. Isso porque, segundo se assentou, "Sérgio, filho de José Wilson, justamente os responsáveis pela gravação ambiental, ocupava um cargo comissionado na prefeitura então administrada interinamente pela vereadora Diva Maria de Araújo, a qual fazia parte do grupo político do candidato Mozaniel e apoiou abertamente a candidatura deste durante as eleições suplementares de 2018. Diante da existência dessa aliança de interesses político–eleitorais entre José Wilson, Sérgio, Diva e Mozaniel, deve–se tomar os depoimentos dos dois primeiros (pai e filho) com muito mais cautela".  

9. De outra parte, não se pode extrair o suposto consentimento dos agravados pelo simples fato de existir vínculo político entre o promitente dos benefícios ilícitos e os candidatos integrantes da chapa majoritária. A esse respeito, esta Corte Superior já se manifestou inúmeras vezes no sentido de que "mera afinidade política não implica automática ciência ou participação de candidato na prática do ilícito, sob pena de se transmudar a responsabilidade subjetiva em objetiva" (REspe 817–19/SP, redator para o acórdão Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 25/2/2019).

10. Em resumo, o quadro fático dos autos não é determinante quanto à anuência dos agravados com a suposta prática ilícita de compra de votos, cuja condenação – por acarretar a gravosa pena de perda do diploma – demanda a existência de conjunto probatório sólido.

11. Para alterar a valoração das provas, seria necessário o reexame dos autos, vedado pela Súmula 24/TSE.12. Agravo interno a que se nega provimento.

(REspEl n. 11015, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 61, Data 07.4.2021).  (Grifo nosso)

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. IMPROCEDÊNCIA NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. AUSÊNCIA DE PROVAS. PRETENSÃO DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ACÓRDÃO REGIONAL EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO TSE. INCIDÊNCIA DOS ENUNCIADOS SUMULARES Nºs 24 E 30 DO TSE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. Na espécie, o TRE/SE concluiu que não há provas da suposta prática de captação ilícita de sufrágio nem de eventual participação, direta ou indireta, dos candidatos investigados no cometimento de ilícito dessa natureza.

2. Alterar a conclusão do Tribunal de origem quanto à ausência de provas da prática ilícita demandaria, necessariamente, o reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado pelo Enunciado nº 24 da Súmula do TSE.

3. O acórdão regional está em conformidade com a jurisprudência desta Corte, na linha de que "[...] a aplicação das sanções previstas no art. 41-A da Lei das Eleicoes exige prova robusta de que o candidato participou de forma direta, com a promessa ou a entrega de bem em troca do voto, ou, de forma indireta, com ela anuiu ou contribuiu, não bastando meros indícios e presunções"(AgR-AI nº 517-74/SP, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 22.8.2019, DJe de 24.9.2019).

(...).

5. Agravo interno não provido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 61521, Acórdão, Relator (a) Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Data 24/06/2020) (Grifo nosso)

 

Sob esses parâmetros, passo a analisar o caso concreto.

O Juízo de primeiro grau analisou de forma percuciente o conjunto probatório, de modo  que transcrevo as razões de decidir e as incorporo ao presente voto:

 

A prova testemunhal, como afirmou o Ministério Público Eleitoral, não traz a certeza necessária para o acolhimento da representação.

A testemunha Marcelo da Silva, em juízo, afirmou ter recebido R$ 600,00 do representado Valdecir para votar nos representados. Afirma não ter distribuído os valores a outras pessoas, ao contrário do que consta no vídeo.

Indagado acerca da declaração que instrui a inicial, Marcelo da Silva afirma ter redigido e assinado pessoalmente.

Aliado a isso, o representante juntou vídeo em que Marcelo aparece saindo de um local descrito como “Tilles Beer”, após o recebimento de tais valores.

De outra banda, a testemunha Celso Ferreira Júnior que aparece no referido vídeo, afirmou que Marcelo não estava com dinheiro nas mãos, ao sair do local, mas sim um celular e um maço de cigarros. Ainda, referiu que Marcelo não distribuiu valores.

A testemunha Adelir Zimmer afirmou ter filmado as declarações de Marcelo da Silva e firmou como testemunha as declarações escritas, referiu que foi Eduardo quem redigiu o documento, que foi firmado na garagem.

As demais testemunhas não presenciaram os fatos, ou seja, são testemunhas de “ouvir dizer”.

Relata o representante:

“Por fim, é notório e de conhecimento da população local, que a eleição no município de Alpestre foi “comprada”, inclusive, haviam listas com nomes de pessoas em cada localidade do interior, para que fossem procuradas, com o único propósito de oferecer dinheiro, quitação de dívida junto ao Mercado Mileski, além de oferecimento e distribuição de ranchos para que votassem nos candidatos Representados, conforme é possível apurar nos áudios transcrito abaixo e juntados em anexo, o qual foi enviado por uma apoiadora (cabo eleitoral) dos Representados, inclusive, trabalha e administra o mercado Mileski, “Luzia”, juntamente com seu filho Daniel, senão vejamos: […]

Como salientado o Ministério Público, “Instado a comprovar a origem, a legitimidade e a integridade dos prints de WhatsApp juntados aos autos, mediante a apresentação de elementos complementares que atestem a autenticidade do conteúdo, o representante quedou inerte.”

Necessário se faz, em vista da constante evolução do mundo digital, se verificar os requisitos de validade e as condições de eficácia da prova digital, pois insuficiente o modelo analógico para o seu exame.

BERNARDO DE AZEVEDO E SOUZA, ALEXANDRE MUNHOZ e ROMULLO CARVALHO (in Manual Prático de Provas Digitais - São Paulo : Thompson Reuters Brasil, 2023 - pág. 53) explicitam que são requisitos mais adequados para a documentação da prova digital:

 1. Autenticidade, sobre a identificação da origem e autoria da prova;

 2. Completude, sobre a integralidade do fato;

 3. Integridade, em que a documentação se mantém imutável e confiável;

 4. Temporalidade, marcando sua referência temporal;

 5. Auditabilidade, em que haja inteligibilidade e publicidade da prova;

De fato, necessário se verificar se a informação é de fontes abertas ou de fontes fechadas, pois as últimas o acesso depende  de intervenção judicial. Por exemplo: a troca de mensagens privadas de terceiros, lista de endereços IP de acessos de determinada plataforma, dados de geolocalização de um determinado dispositivo e diversos outros. Para termos acesso a este tipo de fontes fechadas necessitamos de autorização especial para tal, pois são de caráter restrito a entidades públicas e/ou privadas (obra citada, pág. 56).

Nessa etapa, deve-se considerar a preservação da cadeia de custódia e adotar os devidos cuidados em relação ao tratamento da evidência original. Como destaca CARVALHO: A evidência digital original deve ser mantida em segurança e devidamente documentada no formulário de cadeia de custódia, respeitando a sua integridade. Todo e qualquer procedimento a ser realizado para averiguação e análise da evidência deve ser feito com uma cópia forense, ou a cópia da cópia forense. Desta maneira conseguimos preservar o material original, e trabalhar com as cópias para fins elucidativos. (CARVALHO, Romullo Wheryko Rodrigues de. A importância da cadeia de custódia na computação forense. Revista Brasileira de Criminalística, [S.L.], v. 9, n. 2, p. 134-138, 8 jul. 2020).

Já a baixíssima confiança dos print screens (capturas de tela) como meio de documentação de prova digital, é explicada didaticamente pelos doutrinadores nos seguintes termos (obra citada - págs. 73-75):

 2.4.1. Print screens (capturas de tela) Geralmente, a imagem gerada pela cópia da tela de um dispositivo consiste em uma captura simples, com pouca variação de cores, menor complexidade de pixels e poucos (ou nenhum) metadado técnico.

Diante da falta de complexidade desse material, há certa facilidade em realizar uma fabricação ou alteração do seu conteúdo que, salvo em casos grosseiros, torna difícil sua validação posterior. As técnicas aplicáveis à validação de imagens dificilmente produzem resultados consistentes ao analisar print screens, devido à falta de complexidade e padrões na geração.

Os print screens, tão usados em processos judiciais nos dias de hoje, nada mais são do que arquivos de imagem, que podem ser facilmente editados ou manipulados. Em navegadores de internet comuns é possível, por exemplo, mudar o conteúdo da página através do recurso de "inspecionar elemento".

 

 Além disso, existem aplicativos que geram conversas falsas simulando a interface de serviços de mensageria como o WhatsApp. O conceito por trás do WhatsFake, app idealizado para "criar mensagem de brincadeira" que conta com mais de 500 mil downloads, se disseminou ao redor do mundo, fomentando a criação de apps similares para Telegram e Instagram.

Um designer com boas noções de UX e igualmente capaz de recriar um diálogo com o mesmo visual do WhatsApp, do Telegram ou do Instagram. Podemos dizer que: seja por meio de aplicativos específicos, seja por meio de softwares de edição de imagens, é relativamente simples criar diálogos que nunca existiram, para que pareçam autênticos aos olhos de quem enxergá-los. [...]

Print screens juntados nos autos de modo isolado, portanto, são provas absolutamente frágeis. Sendo necessários mais elementos de segurança para demonstrar a integridade do material; para que se possa saber quando o material foi coletado, por quem e de que modo; e para que, se necessário, um perito possa analisá-lo. […]

Além disso, se a conversa original tiver sido removida, não será possível realizar nova tentativa de registro ou perícia em relação aos print screens para comprovar a autenticidade. Em tais situações, a prova juntada nos autos poderá ser invalidada pelo juiz […]

Dada a facilidade de fabricação ou alteração, somada à dificuldade em se validar sua autenticidade, os print screens, como meios de documentação de prova digital, produzem um resultado frágil e com pouca confiabilidade.

BERNARDO DE AZEVEDO E SOUZA, ALEXANDRE MUNHOZ e ROMULLO CARVALHO, ao explicar os requisitos exigidos pelos tribunais como provas de mensagens instantâneas, afirmam (obra citada - págs. 86-89):

Estes são, em síntese, os três requisitos exigidos pelos tribunais: (1) as conversas devem ser obtidas por meio lícitos (licitude da prova) (2) não podem sofrer adulteração por qualquer meio artificioso (integridade da prova). e (3) e devem ser coletadas com o uso de metodologia científica, atendimento às normas e técnicas forenses, além da observância da cadeia de custódia (cientificidade da prova). […]

Em suma, as provas obtidas por meio de aplicativos de mensageria precisam seguir métodos científicos, perícias forenses e as regras da cadeia de custódia para que sejam consideradas válidas pelo Poder Judiciário.

BERNARDO DE AZEVEDO E SOUZA, ALEXANDRE MUNHOZ e ROMULLO CARVALHO, ao explicar como registrar mensagens instantâneas do WhatsApp, afirmam (obra citada - págs. 91-94):

O primeiro ponto que deve ser observado é identificar o destinatário da mensagem. A obtenção dessa informação exige meios diferentes no aplicativo e nas interfaces de sincronização: […]

É igualmente essencial identificar o número do emissor da mensagem. Ao entrar na conversa privada, busque o menu lateral da mensagem e clique em "Dados do contato". O número de telefone validado pelo WhasApp estará disponível logo abaixo da foto do perfil, junto com a descrição do contato, no caso de contas particulares, ou mais abaixo no caso de contas corporativas. É importante registrar a informação correta, já que a descrição do contato do celular não é suficiente para identificar a origem da mensagem. […]

No caso de áudios e vídeos, há dois caminhos de registro. Com o uso de videocaptura de tela, ouvindo e/ou assistindo à mídia do início ao fim, é possível ter claramente a posição e contexto daquela mensagem na conversa. Ao baixar o arquivo de mídia, tem-se melhor qualidade no material, facilitando perícias no futuro. Recomendamos o uso de ambos;

O uso de registro com imagens de tela produz um resultado fácil de consultar, enquanto o registro por videocaptura permite entender o contexto de áudios e vídeos. O uso da exportação de textos de mensagens também é possível, mas esse meio não carrega os áudios e vídeos e talvez requeira um trabalho adicional para formatação das informações. Recomendamos usar todos os recursos disponíveis nesses casos.

A mensagem deve ser registrada a partir da conversa original, nunca através de encaminhamentos.

Não bastasse tudo isso, BERNARDO DE AZEVEDO E SOUZA, ALEXANDRE MUNHOZ e ROMULLO CARVALHO explicam, didaticamente, como devem ser apresentados os registros e como deve ser realizada a argumentação em juízo (3.3.), apresentando o contexto (3.3.1), identificando os participantes (3.3.2.), organizando as mensagens em ordem cronológica (3.3.3.), apresentando a data da conversa (3.3.4.), bem como juntando imagens integrais e com alta qualidade (3.3.5) e a transcrição dos áudios (3.3.6) (obra citada - págs. 101-105).

As capturas de tela (print screens), são imprestáveis, isoladamente, para documentação da prova digital, pois não comprovam a autenticidade (origem e autoria).

Além disso, não restou comprovada:

a) a integridade (que a documentação se mantém imutável e confiável) nem a temporalidade (dia e hora das mensagens enviadas pelo whatsapp) nem a auditabilidade (inteligibilidade e publicidade da prova) e a cadeia de custódia;

b) a origem da informação, especialmente, se veio de fontes abertas ou fechadas, pois neste caso podemos estar diante de prova ilícita em vista do acesso violando o direito a intimidade sem prévia autorização judicial.

Além disso, não há demonstração da cadeia de custódia das evidências, ou seja, não há elementos que demonstrem como foi realizada a coleta e preservação do fato digital, portanto, não se tem segurança em relação aos fatos: quem fez, para quem fez, quando, onde e em que contexto.

Não há prova mínima, portanto, da licitude, da integridade e, especialmente, da cientificidade da prova.

Dito isso, a improcedência dos pedidos é impositiva.

Isso posto, julgo improcedente a Representação por Captação Ilícita de Sufrágio ajuizada pelo partido Movimento Democrático Brasileiro - MDB, representado por José Vanin, em face de Rudimar Argenton e Valdecir de Costa.

 

 

Analisando detidamente os autos, verifica-se que o único elemento de prova direta da alegada entrega de dinheiro é o depoimento de Marcelo da Silva, que afirmou ter recebido R$ 600,00 do recorrido Valdecir de Costa.

Ocorre que há contradições no depoimento em relação à elaboração da declaração escrita, pois, apesar de ter afirmado tê-la redigido e assinado pessoalmente, a testemunha Adelir Zimmer declarou que o documento foi redigido por Eduardo e assinado em sua garagem, na presença de outras pessoas não mencionadas por Marcelo.

O vídeo juntado aos autos mostra apenas Marcelo saindo do estabelecimento, mas não registra a alegada entrega de valores. A testemunha Celso Ferreira Júnior, que aparece no vídeo e foi devidamente compromissada, afirmou categoricamente que Marcelo não portava dinheiro ao sair do local, mas sim um celular e um maço de cigarros.

Os áudios e prints de WhatsApp juntados aos autos não observaram os requisitos técnicos de autenticidade, integridade, temporalidade e cadeia de custódia exigidos pela doutrina especializada e pela jurisprudência e, apesar de instado a comprovar a origem e legitimidade das provas digitais, o recorrente quedou-se inerte.

As demais testemunhas arroladas pelo recorrente não presenciaram os fatos, constituindo meras testemunhas "de ouvir dizer", sem valor probatório para a comprovação da materialidade do ilícito.

Ainda, a testemunha Roberto Luiz Borba, que estava presente no estabelecimento, afirmou que Marcelo pediu dinheiro (conduta habitual sua, segundo múltiplas testemunhas) e que tal pedido foi negado por Valdecir.

Na espécie, verifica-se nitidamente a hipótese de incidência do art. 368-A do Código Eleitoral: o único elemento de prova direta da alegada compra de voto é o depoimento singular de Marcelo da Silva.

Os demais elementos apresentados não possuem aptidão para corroborar suficientemente o relato: a) o vídeo não mostra a entrega de dinheiro nem os recorridos praticando qualquer ato ilícito; b) os áudios não mencionam os candidatos e não comprovam participação ou anuência deles; c) as declarações escritas foram contraditadas quanto à sua forma de elaboração.

Além disso, a testemunha Adelir Zimmer apenas confirmou ter filmado o relato de Marcelo e assinado o documento, mas não presenciou a suposta entrega de valores.

Portanto, está-se diante de prova testemunhal singular e exclusiva, circunstância que, por expressa disposição legal, obsta o acolhimento da representação, devendo ser mantido juízo de improcedência.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que a prova testemunhal singular não autoriza a cassação de mandato:

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/1997. VEREADOR. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. ACÓRDÃO REGIONAL. MOLDURA FÁTICO-PROBATÓRIA ESTABELECIDA DE FORMA SOBERANA NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. SÚMULA-TSE Nº 24. ACERVO PROBATÓRIO CONSISTENTE E HARMÔNICO. CONCLUSÃO SOBRE A CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO ELEITORAL. MANUTENÇÃO. NULIDADE DE ALGIBEIRA. INADMISSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 368-A DO CÓDIGO ELEITORAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DELIBERAÇÃO REGIONAL EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA-TSE Nº 30. INCIDÊNCIA. NEGATIVA DE PROVIMENTO. 

  1. Conforme iterativa jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a orientação "acerca do conhecimento, a qualquer tempo, de matérias de ordem pública nas instâncias ordinárias deve ser lida em conjunto com o art. 278 do Código de Processo Civil, sob pena de se deixar ao livre arbítrio das partes a alegação de vícios quando há muito superada a fase cabível, o que se conhece como "nulidade de algibeira" (AgR-AREspEl no 0600016-26/RO, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, DJe de 17.3.2025). 

  2. Na instância especial, o direito alegado pela parte é analisado à luz da moldura fático-probatória estabelecida no acórdão proferido pela Corte Regional, que é soberana quanto à sua delimitação. Em outros termos, não é possível partir de premissa fática distinta, porquanto essa providência demandaria nova incursão no caderno probatório, o que é vedado pela Súmula no 24 do TSE. 

  3. Exatamente por isso, não há como infirmar a conclusão regional de que, no caso, a entrega de vantagens de caráter personalizado a eleitores com o objetivo de obtenção dos votos está comprovada, caracterizando-se o ilícito do art. 41-A da Lei no 9.504/1997, porquanto decorrente do vertical exame da prova. 

  4. O art. 368-A do Código Eleitoral, ao proibir o uso exclusivo da prova testemunhal singular, veda a condenação imposta com base em uma única testemunha, mas não a condenação com base exclusivamente em prova testemunhal. Precedentes desta Corte. Incidência, no ponto, do Enunciado no 30 da Súmula do TSE. 

  5. Ademais, na espécie, outros elementos de prova foram considerados na formação da convicção do órgão julgador, os quais foram considerados harmônicos com a prova testemunhal. 

  6. No contexto da prova, a relação de confiança e o vínculo político inconteste podem evidenciar o liame entre os agentes. 

  7. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

 

 Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060049571, Acórdão, Relator(a) Min. André Mendonça, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 05/05/2025.

 

Ademais, este egrégio Tribunal já decidiu que "o depoimento de eleitora, único e isolado, não constitui prova suficiente para caracterizar a captação ilícita de votos, que exige acervo probatório robusto e contundente para sua comprovação." (TRE-RS, REL n. 0600300-26.2020.6.21.0063, Rel. Des. Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle, j. 21.3.2023)

As razões recursais não lograram infirmar os sólidos fundamentos da sentença recorrida. O conjunto probatório não alcançou a robustez necessária para a caracterização da captação ilícita de sufrágio e o único elemento de prova direta – o depoimento de Marcelo da Silva – constitui prova testemunhal singular e exclusiva, vedada pelo art. 368-A do Código Eleitoral.

A procedência da representação, com a consequente cassação dos diplomas, demandaria prova inequívoca e convergente, o que não se verifica nos autos. A dúvida, em matéria eleitoral – especialmente quando se trata de medida tão gravosa quanto à perda do diploma –, deve ser interpretada em favor da preservação da vontade popular manifestada nas urnas.

Diante da ausência de certeza quanto à ocorrência da compra de votos e da inexistência de elementos que vinculem os candidatos recorridos aos atos investigados, impõe-se conferir prevalência à soberania popular, preservando-se a integridade da vontade dos eleitores manifestada pelo voto direto nas urnas.

DIANTE DO EXPOSTO,  VOTO pelo desprovimento do recurso.