REl - 0600118-49.2024.6.21.0144 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/12/2025 às 16:00

VOTO

O recurso é tempestivo.

I. Preliminar. Não conhecimento do recurso. Inovação recursal.

Inicialmente, cumpre analisar a preliminar levantada pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, que indica a ocorrência de inovação recursal - notadamente, a fundamentação jurídica de ilicitude do fato, pois o PDT DE PLANALTO ajuizara a presente demanda com fulcro exclusivamente no art. 77 da Lei n. 9.504/97, ao passo que, com a interposição do recurso, passou a fundar a pretensão também no art. 73, inc. I e § 10º, do mesmo diploma legal.

De fato, somente nas razões de recurso é que o recorrente indica o art. 73, inc. I e § 10, como causa de pedir remota.  

Todavia, o fato não é suficiente, entendo, para o não conhecimento do recurso. 

Explico. 

A inovação há, é parcial e se relaciona com ponto o qual não retira força dos princípios da ampla defesa e do contraditório. O recurso também traz considerações jurídicas acerca do art. 77 da Lei n. 9.504/97, e ambas as capitulações se posicionam materialmente como condutas vedadas, submetidas ao mesmo rito de processamento. Lembro que os processos judiciais eleitorais veiculam majoritariamente matéria de ordem pública, e aos recorridos  cabia - como cabe - defenderem-se dos fatos a eles atribuídos como ilícitos, esclarecer as circunstâncias. O Tribunal Superior Eleitoral tem precedentes no sentido de que eventual capitulação errônea dos fatos não impede a sua readequação pelo juiz:

“Eleições 2012 [...] Prefeito reeleito. AIJE. Conduta vedada. Publicidade institucional. Cassação do diploma. Julgamento citra ou extra petita . Inocorrência. [...] 1. Não ocorre julgamento extra petita ou violação aos arts. 128, 264, parágrafo único, 459 e 460 do CPC, ante a condenação em cassação do diploma, embora na petição inicial da AIJE conste apenas pedido de cassação de registro, pois em sede de investigação judicial, uma vez apresentado, delimitado e reconhecido o abuso, cabe ao juiz aplicar a sanção mais adequada à circunstância, o que decorre de imperativo legal constante no art. 73, § 5º, da Lei 9.504/97, ou seja, a cassação do registro ou do diploma. 2.  Não ocorre julgamento citra petita ou violação aos arts. 459 e 460 do CPC, se, embora na inicial conste também pedido de reconhecimento da prática de abuso de poder e aplicação do disposto no art. 22, XIV, da LC nº 64/90, o magistrado reconheça apenas a prática de conduta vedada, uma vez que a errônea capitulação legal dos fatos - e deles é que a parte se defende - não impede sua readequação pelo juiz. [...].” REspe n. 52183, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, ac. de 07.04.2015, unânime). (Grifei.)

Afasto a preliminar e conheço do recurso.

II. Condutas Vedadas.

A legislação de regência concernente às condutas vedadas visa a tutelar o bem jurídico da isonomia entre os concorrentes ao pleito. Já há algum tempo, o Tribunal Superior Eleitoral tem como pacífico que as hipóteses relativas às condutas vedadas são objetivas, taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (REspEle n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira, julgado em 26.10.2004), bem como “nas condutas vedadas previstas nos arts. 73 a 78 da Lei das Eleições imperam os princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei” (Respe n. 626-30/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 04.02.2016, bem como o AgR-REspe n. 1196-53, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 12.9.2016, e o AgR-REspe n. 0600456-50/SE, Rel. Min. Carlos Horbach, DJe de 06.6.2022. 

Na seara do entendimento doutrinário, o abuso de poder político é gênero e as condutas vedadas são espécies. Trago, como lição inicial, a noção de Frederico Franco Alvim: 

Há que se diferenciar, ainda, o abuso de poder político das condutas vedadas aos agentes públicos, como fazem com acuidade Luciano Sato e Sérgio de Souza, a partir da análise dos diferentes bens jurídicos protegidos. Percebem os autores que as condutas constantes dos arts. 73 e ss. da lei 9.504/97 são vedadas aos agentes públicos com o objetivo de tutelar a igualdade de oportunidade entre os candidatos, ao passo que o combate a abuso do poder político, constante do art. 14, §9º, da Constituição Federal, pretende tutelar a normalidade e a legitimidade das eleições (Frederico Franco Alvim. O abuso de poder político por omissão- Revista Jurídica do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. Nº VI (Maio2010/Maio2011) - Goiânia: TRE/GO,2011 ISSN 2177 – 4110, p. 21) 

José Jairo GOMES vaticina, com precisão, que "a conduta vedada traduz a ocorrência de ato ilícito eleitoral. Uma vez caracterizada, com a concretização de seus elementos, impõe-se a responsabilização tanto dos agentes quanto dos beneficiários do evento", pois "tendem a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais", eis que no aspecto subjetivo "a conduta inquinada deve ser realizada por agente público" (Direito Eleitoral, 12ª Ed. Atlas, São Paulo, p.741).  

Aqui, por relevante, repito: há uma tipicidade estrita, fechada, diferentemente dos casos de abuso de poder, em que o gradiente permite a análise das circunstâncias do, assim digamos, "conjunto comportamental", de forma que a constatação da prática de conduta vedada exige a consunção do fato na legislação que o tipifica, sem a necessidade de análise de outros elementos, sejam subjetivos ou de efeito no resultado da competição eleitoral. 

Dito de outro modo, a escolha do legislador foi a de entender determinadas práticas como tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos. Por se tratarem de tipos eleitorais fechados, os casos de condutas vedadas não admitem, obviamente, interpretação ampliativa. 

Com tais premissas fáticas, legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, passo ao exame do caso propriamente dito, e indico que os recortes conceituais acima explicitados serão fundamentais para a resolução da demanda. De fato, as condutas vedadas podem ser consideradas espécies de abuso de poder. Mas, como visto, possuem requisitos próprios para a configuração, forma de subsunção diversa, e visam a proteger bens jurídicos distintos das práticas abusivas.

III. Fatos.

Colho, da narrativa dos recorrentes na petição inicial, breve apanhado dos fatos:

No dia 22 de agosto de 2024, o Sr. Cristiano Gnoatto ora representado, Prefeito Municipal e candidato a reeleição, participou, juntamente com o candidato a vice-prefeito, candidatos a vereadores e apoiadores de sua chapa, de ato de inauguração de obra pública.

No caso tratava-se de inauguração de obra de ampliação do clube da comunidade de São Luiz, a qual foi realizada com dinheiro público. Cumpre dizer que não se tratou de mera participação, mas sim o representado teve atuação de destaque no evento, discursando e fazendo pedido expresso de voto. O fato foi inclusive amplamente divulgado nas redes sociais, conforme “PrintScreen” do Facebook, anexo. (...)

Note-se, pois pertinente, que o representado participou devidamente identificado com propaganda eleitoral de sua candidatura (bóton na camisa), e teve, como dito, participação destacada e de maior importância no evento, não só como Prefeito Municipal, mas como candidato a reeleição.

 

Antecipo que o recurso não merece provimento, por dois motivos principais.

1. Não há prova de participação ativa de CRISTIANO e DIRCEU em obra pública, como bem assentado pelo juízo de origem. A alegada prova seria um print de foto, publicada pelo candidato a vereador Adílio Zanatta no Facebook (ID  45768825, p. 08). Nela, aparecem os então candidatos com deputada estadual, deputado federal e mais UMA pessoa, o próprio Adílio. Também a postagem da deputada Nadine (página 5) a par de igualmente contar com poucas pessoas, 10 no total, mostra o salão de portas fechadas, cortinas sobrepondo metade da janelas, sem outras pessoas presentes.

A prova testemunhal, colhida na origem passa o mesmo quadro fático, comportamento discreto dos recorridos. Não há qualquer indicativo de participação destacada dos recorridos, como exigido pela jurisprudência. 

Trago, da manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, trecho que adoto expressamente como razões de decidir, com o fito de evitar desnecessária repetição, por meio de outras palavras, do mesmo raciocínio: 

(...)

A par disso, a prova testemunhal, por sua vez, demonstra que não houve qualquer ato de campanha no local, não foram pedidos votos, e sequer houve menção ao período eleitoral municipal. A festa da comunidade de São Luiz é um evento tradicional e aberto ao público em geral, não tendo sido "montada" especificamente para receber os Deputados ou os Recorridos. A participação dos candidatos ao cargo de Prefeito e Vice-Prefeito do PDT em outros dias da festa reforça o caráter público e aberto do evento. Nessa linha, a prova dos autos é robusta em demonstrar a inexistência de inauguração e a natureza comunitária e não eleitoral do evento em que os Recorridos estiveram presentes.

2. Os próprios recorrentes admitem que não se trataria de inauguração de obra pública propriamente dita, mas sim de evento "equiparável" a tal. Ora, como visto, as condutas vedadas constituem normas fechadas, que preveem comportamentos específicos, espécie de comando que não permite interpretação ampliativa, pois possuem conteúdo sancionatório. Tal observação é válida tanto para o art. 73, inc. I, e § 10, quanto para o art. 77 da Lei n. 9.504/97, como visto, pois inocorrente cessão ou uso em benefício de candidato, de bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta, bem com não houve distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública ou comparecimento de candidato em inauguração de obra pública.

Mesmo o argumento da alta votação da chapa dos recorridos nas urnas eleitorais situadas na localidade São Luiz não merece prosperar, pois, a par de não ter o condão de comprovar qualquer aproveitamento eleitoreiro do evento, a vantagem de CRISTIANO em relação aos adversários foi uma constante: CRISTIANO logrou 57,28% dos votos válidos, contra 38,61% do segundo colocado e 4,11% da terceira colocada. 

A irresignação dos recorrentes, portanto, não merece prosperar.

Por todo o exposto, VOTO para negar provimento ao recurso do PDT DE PLANALTO.