REl - 0600291-45.2024.6.21.0121 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/12/2025 00:00 a 23:59

 VOTO

1. Admissibilidade.

Eminentes colegas, o recurso é tempestivo e preenche todos os pressupostos relativos à espécie, de modo que está a merecer conhecimento.

2. Preliminar.

2.1. Preliminar de ofício. Documentos juntados após as contrarrazões.

Antecipo que não serão analisados petição e documentos juntados aos autos pelo autor/recorrente, após a apresentação das contrarrazões pelo recorrido, pois há de ser observada a preclusão. 

Explico.  

O rito das AIJES é especialíssimo, regrado pelo art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Cuida de demanda altamente contenciosa por natureza – e gera sanções graves.  

Diante de tais elementos, a produção de provas nesta classe processual deve ser balizada de forma estrita, em respeito aos princípios do devido processo legal e do contraditório. A petição de ID 45956333 e os documentos que a acompanham vieram aos autos em absoluto destempo – repito, após a apresentação de contrarrazões.

Para além de tecnicismo – ou formalismo em excesso –, a necessidade da observância temporal na apresentação de provas visa a proteger, inclusive, o princípio da boa-fé processual e da colaboração das partes no desfecho da demanda. Nas ações cassatórias não é permitida a flexibilidade de apresentação de provas como, por exemplo, ocorrente nas ações de prestações de contas – classe processual cuja decisão é predominantemente declaratória, ao passo que, aqui, há a predominância de efeitos constitutivos negativos – vale dizer, modificadores de situação jurídica do eleito, detentor de cargo eletivo, via cassação de diplomas e/ou mandatos.

Ademais, no caso posto, a documentação diz com a prestação de contas de apenas um dos partidos então integrantes da COLIGAÇÃO IBIRUBÁ PODE MAIS - o Partido Liberal, que sequer é - ou foi - parte no presente processo, e a referida coligação, como relatado, fora excluída do polo passivo da demanda ainda no juízo de origem, e tal circunstância será analisada no ponto seguinte. 

Dessa forma, destaco que não serão considerados no presente julgamento a petição de ID 45713342 e os documentos (IDs em sequência) juntados por ocasião do peticionamento, pois precluso o momento de apresentação. 

2.2. Ilegitimidade passiva dos candidatos da COLIGAÇÃO IBIRUBÁ PODE MAIS.

A COLIGAÇÃO FRENTÃO aduz preliminar de necessidade de retorno, ao polo passivo da presente demanda, da COLIGAÇÃO IBIRUBÁ PODE MAIS (Id 45922633, página 4) e dos então candidatos a prefeita e a vice-prefeito, respectivamente, JAQUELINE WINSCH BRIGNONI e SILVESTRE ANTONIO REBELATO, os quais foram excluídos do polo passivo pelo juízo a quo. JAQUELINE é a atual prefeita de Ibirubá, eleita com 61,75% (sessenta e um vírgula setenta e cinco por cento) dos votos, em uma eleição com três candidatos ao cargo de prefeito. 

Indico, à recorrente, que A COLIGAÇÃO IBIRUBÁ PODE MAIS não fora excluída do feito (inclusive apresentou contrarrazões), de modo que o pedido somente será analisado em relação a JAQUELINE e SILVESTRE

A exclusão dos candidatos - aliás de forma liminar - ocorrera porque, ao entendimento do magistrado da origem, as condutas descritas na exordial não estavam relacionadas a JAQUELINE  ou a SILVESTRE. E a d. Procuradoria Regional Eleitoral se manifesta pela manutenção do quanto decidido pelo juízo de origem, em decisão interlocutória, ao entendimento de não haver imputação de condutas objetivas, ou elementos que indicassem benefício direto aos candidatos.

Vou além. 

É cediço que a legislação de regência prevê, em vários casos, a responsabilização dos candidatos beneficiários - no caso JAQUELINE e SILVESTRE. Em alguns casos, exige a comprovação de participação ou anuência - como exemplo, a prática de captação ilícita de sufrágio.

Noutros, contudo, não exige tal elemento subjetivo. É o caso, por exemplo, das condutas vedadas, como visto, espécie tipificada de abuso de poder. Nesse sentido, julgado recente do e. Tribunal Superior Eleitoral, do qual transcrevo a ementa:

“Eleições 2024. [...] Conduta vedada. Art. 73, VI, b, da Lei n. 9.504/1997. Caracterização. Prefeito e vice-prefeito, pré- candidato a prefeito. Permanência de publicidade institucional em redes sociais da prefeitura. Período vedado. Responsabilidade do gestor público e do candidato beneficiado. [...] 8. A orientação do Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, firmada no sentido de que chefe do Poder Executivo, ainda que não tenha autorizado a manutenção da publicidade institucional em período proscrito, é por ela responsável, porquanto tem o dever de zelar pela efetiva fiscalização e cumprimento das determinações legais. 9. Nos termos do art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei n. 9.504/1997, o reconhecimento da conduta vedada implica aplicação de multa independentemente de autorização ou anuência do beneficiário com a prática do ato [...] 10. A interpretação do § 8º do art. 73 da Lei n. 9.504/1997 é horizontal, aplicável a toda e qualquer demanda que verse sobre condenação por multa em sede de conduta vedada: nos termos legais, tanto autores quanto beneficiários de condutas vedadas podem ser sancionados, independentemente de autorização, anuência ou eventuais expedientes voltados à exclusão da responsabilidade. [...].”  (Ac. de 22/5/2025 no AgR-AREspE n. 060007034, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques.)

Ocorre, contudo, que o caso dos autos é melhor resolvido com o prestígio aos princípios da utilidade, da efetividade e da economia processuais, pois somado ao fundamento da sentença, e ao posicionamento da Procuradoria Regional Eleitoral, indico que a causa (a qual já se encontra madura para julgamento e tem devolvida, por ocasião do recurso, toda a matéria jurídica e fática a este Tribunal) não traz repercussões às esferas jurídicas da COLIGAÇÃO IBIRUBÁ PODE MAIS, de JAQUELINE WINSCH BRIGNONI e de SILVESTRE ANTONIO REBELATO, conforme se verá por ocasião da análise do mérito. 

Nestes termos, rejeito a preliminar e mantenho a decisão que extinguiu o feito em relação aos candidatos majoritários JAQUELINE e SILVESTRE.

3. Mérito. 

3.1. Abuso de poder e conduta vedada. 

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral tem por finalidade apurar o uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político. O sistema legislativo busca a proteção da normalidade e da legitimidade do pleito, bem como o resguardo da vontade do eleitor, para que não sejam elas alcançadas pela nefasta prática do abuso de poder. 

A Constituição Federal, art. 14, § 9º, dispõe: 

Art. 14. (…) § 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. 

E, para a configuração do abuso de poder, deve ser considerada a gravidade da conduta, sem a necessidade da demonstração de que o resultado das urnas fora – ou poderia ter sido - influenciado. Para a procedência da AIJE, exige-se a demonstração de gravidade do fato — um desvalor relevante de conduta. O Tribunal Superior Eleitoral exige, para a caracterização do abuso de poder, que a gravidade dos fatos seja comprovada de forma robusta e segura. É o que preconiza o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90: 

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (...)

Importante salientar que a gravidade das circunstâncias do abuso de poder não se confunde com o critério de alteração do resultado, já que pode ser proposta inclusive contra candidato não eleito, e pouco importa prescrutar aspectos psicológicos dos infratores – dolo ou culpa, por exemplo. Frederico ALVIM explica: 

[…] estamos com Gomes, quando afirma que o que importa é a demonstração objetiva da existência de abuso que comprometa de modo indelével as eleições. Além da especial importância dos bens jurídicos tutelados, nota o autor que tal responsabilização, além da aplicação de sanção, tem o sentido de prevenção geral, objetivando a defesa da ordem jurídico-eleitoral e a intimidação social, para desestimular a realização de condutas ilícitas. Reconhece-se que, como disse José Saramago,“o melhor guarda da vinha é o medo deque o guarda venha”. Nada que Foucault já não houvesse identificado(Frederico Franco Alvim.O abuso de poder político por omissão- Revista Jurídica do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. Nº VI (Maio2010/Maio2011) - Goiânia:TRE/GO,2011 ISSN 2177 – 4110p. 23) 

No campo dos precedentes, consigno: o Tribunal Superior Eleitoral indica ocorrência de abuso de poder político quando o agente público, "valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral, em benefício de candidatura própria ou de terceiros" - RO n. 172365-DF, Rel. Min Admar Gonzaga, DJe de 27.2.2018, bem como “A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento”, conforme decidido no REspEl n. 0601779-05, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 11.03.2021. (grifei) 

Ademais, é certo que esta gravidade deve ser aferida sob uma ótica dúplice: o aspecto qualitativo (alto grau de reprovabilidade da conduta) e o aspecto quantitativo (sua significativa repercussão para influenciar o equilíbrio da disputa). 

Por oportuna, registro a posição de Rodrigo López ZILIO: 

O relevante, in casu, é a demonstração é a demonstração de que o fato teve gravidade suficiente para violar o bem jurídico que é tutelado, qual seja, a legitimidade e a normalidade das eleições. Vale dizer, é bastante claro que a gravidade como critério de aferição do abuso de poder apresenta uma característica de correlação com o pleito, ou seja, tem-se por necessário examinar o fato imputado como abuso de poder e perscrutar a sua relação com a eleição, ainda que essa análise não seja realizada sob um aspecto puramente matemático. (Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: JusPodivm, 10ª ed. 2024, p. 756). (grifei) 

Com tal sistemática - que pode ser denominada "gradiente da gravidade" - a lupa do julgador passou a examinar as circunstâncias do ato tido como abusivo - quem, quando, como, onde, por que - com o fito de avaliar diversos fatores, dentre os quais a existência de repercussão na legitimidade e normalidade das eleições e o grau de reprovabilidade da conduta sob o ponto de vista social, em exame do meio fático e do meio normativo sob aspectos quantitativos e qualitativos (novamente ALVIM, Frederico, in Abuso de Poder nas competições eleitorais. Curitiba, Juruá Editora, 2019). 

Nessa ordem de ideias, a análise da gravidade se trata de uma questão de ser "menos" ou "mais", e não um dilema dual, binário de "ser" ou "não ser". Especificamente no que toca ao abuso de poder político, trago trecho da obra de Luiz Carlos dos Santos GONÇALVES, que em elegante pena bem sintetiza a moderna faceta dessa modalidade de abuso: 

Todo o abuso de poder de autoridade envolve um mau uso de recursos públicos, que por disposição constitucional devem ser utilizados com igualdade, eficiência, economicidade, impessoalidade e transparência. Não é sem razão que esses abusos eleitorais consistem, concomitantemente, em atos de improbidade administrativa”. (Ações Eleitorais, São Paulo: Publique Edições, 2ª ed. 2024, p. 171). 

Por seu turno, e o recorte conceitual é de alta relevância, a legislação de regência concernente às condutas vedadas visa a tutelar o bem jurídico da isonomia entre os concorrentes ao pleito. Já há algum tempo, o Tribunal Superior Eleitoral tem como pacífico que as hipóteses relativas às condutas vedadas são objetivas, taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (REspEle n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira, julgado em 26.10.2004), bem como “nas condutas vedadas previstas nos arts. 73 a 78 da Lei das Eleições imperam os princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei” (Respe n. 626-30/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 04.02.2016, bem como o AgR-REspe n. 1196-53, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 12.9.2016, e o AgR-REspe n. 0600456-50/SE, Rel. Min. Carlos Horbach, DJe de 06.6.2022. 

Na seara do entendimento doutrinário, o abuso de poder político é gênero e as condutas vedadas são espécies. Trago, como lição inicial, a noção de Frederico Franco Alvim: 

Há que se diferenciar, ainda, o abuso de poder político das condutas vedadas aos agentes públicos, como fazem com acuidade Luciano Sato e Sérgio de Souza, a partir da análise dos diferentes bens jurídicos protegidos. Percebem os autores que as condutas constantes dos arts. 73 e ss. da lei 9.504/97 são vedadas aos agentes públicos com o objetivo de tutelar a igualdade de oportunidade entre os candidatos, ao passo que o combate a abuso do poder político, constante do art. 14, §9º, da Constituição Federal, pretende tutelar a normalidade e a legitimidade das eleições (Frederico Franco Alvim. O abuso de poder político por omissão- Revista Jurídica do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. Nº VI (Maio2010/Maio2011) - Goiânia: TRE/GO,2011 ISSN 2177 – 4110, p. 21) 

José Jairo GOMES vaticina, com precisão, que "a conduta vedada traduz a ocorrência de ato ilícito eleitoral. Uma vez caracterizada, com a concretização de seus elementos, impõe-se a responsabilização tanto dos agentes quanto dos beneficiários do evento", pois "tendem a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais", eis que no aspecto subjetivo "a conduta inquinada deve ser realizada por agente público" (Direito Eleitoral, 12ª Ed. Atlas, São Paulo, p.741).  

Aqui, por relevante, repito: há uma tipicidade estrita, fechada, diferentemente dos casos de abuso de poder, em que o gradiente permite a análise das circunstâncias, do, assim digamos, "conjunto da obra", de forma que a constatação da prática de conduta vedada exige apenas a consunção do fato na legislação que o tipifica, sem a necessidade de análise de outros elementos, sejam subjetivos ou de efeito no resultado da competição eleitoral. 

Dito de outro modo, a escolha do legislador foi a de entender determinadas práticas como tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos. Por tratar-se de tipos eleitorais fechados, os casos de condutas vedadas não admitem, obviamente, interpretação ampliativa. 

De fato, as condutas vedadas podem ser consideradas espécies de abuso de poder. Mas, como visto, possuem requisitos próprios para a configuração, forma de subsunção diversa, e visam a proteger bens jurídicos distintos das práticas abusivas. 

3.2) Captação ilícita de sufrágio.  

Inicialmente, trago a redação do art. 41–A da Lei n. 9.504/97:   

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990.   

Na doutrina, a já clássica obra de Francisco de Assis Vieira Sanseverino (Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos, Ed. Verbo Jurídico, 2007, p.274.) traz a lição de que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 busca proteger, forma ampla, a normalidade e a legitimidade das eleições e, modo estrito, (1) o direito do eleitor de votar livremente, e (2) a igualdade de oportunidades entre os competidores eleitorais. 

Além, a ocorrência de captação ilícita de sufrágio há de ser antecedida por três elementos, segundo pacífica posição do Tribunal Superior Eleitoral: (1) a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer); (2) a existência de uma pessoa física (eleitor); (3) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto). 

Destarte, para a configuração da hipótese do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, necessária a conjugação dos elementos subjetivos e objetivos. Ademais, a prática de captação ilícita de sufrágio, ainda que configurada na compra de um único voto, pode acarretar a cassação do registro, diploma ou mandato. No entanto, considerada a gravidade da sanção, exige-se a existência de prova clara, robusta e inconteste acerca da conduta ilícita de parte dos candidatos. 

Com tais premissas fáticas, legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, passo ao exame do caso propriamente dito, e indico que os recortes conceituais acima explicitados serão fundamentais para a resolução da demanda.

3.3. A controvérsia em grau recursal. 

O recurso postula a reforma da sentença que julgou improcedente a AIJE por falta de comprovação mínima das alegações - e são várias as alegações das aguerridas razões recursais, ao longo de 17 (dezessete) laudas. São indicadas as práticas de duas espécies de abuso de poder (econômico e dos meios de comunicação), de condutas vedadas, bem como de captação ilícita de sufrágio.

À análise pormenorizada.

3.3.1. Abuso de poder econômico conjugado a captação ilícita de sufrágio. 

As alegações da recorrente COLIGAÇÃO FRENTÃO baseiam-se na existência de um vídeo em que o Mauro Cesar Constantino manuseia "grande" quantia em dinheiro, o que indicaria um "caixa estranho" às contas eleitorais, além da realização de eventos com populares que poderiam envolver pagamentos em espécie para militância ou distribuição de benefícios.

Inicialmente, indico que o pagamento para militância é objeto da classe processual de prestação de contas - o adimplemento em espécie, mesmo em hipótese, de cabos eleitorais, não configura qualquer das fattispecies das ações cassatórias. Trata-se, dito de outro modo, de um indiferente eleitoral no presente caso e, ademais, a sentença de improcedência se fundamentou na ausência de prova minimamente hígida, aliás na mesma linha do Parquet, que indica insuficiência de provas, e destaca que os vídeos juntados, além de serem de difícil compreensão e alguns inaudíveis, referem-se, aparentemente, a eventos de confraternização de apoiadores, e de forma alguma invertem o ônus da prova, como deseja a recorrente. De forma pontual, acerca do vídeo de Mauro manuseando dinheiro, o próprio alegou que o vídeo fora uma brincadeira publicada em grupo de WhatsApp no mês de abril de 2024, portanto anteriormente ao período eleitoral, situação esta que não fora afastada pela parte demandante - e recorrente. 

E mesmo a identificação de recursos de origem não identificada (R$ 27.681,52) na prestação de contas de uma das agremiações componentes da coligação COLIGAÇÃO IBIRUBÁ PODE MAIS, não há indícios de que esses valores estejam relacionados aos fatos narrados na presente AIJE: vale dizer, cabia à recorrente indicar provas no sentido de que os valores identificados como RONI se prestaram à prática das ilegalidades aqui alegadas, o que não se pode fazer, obviamente, por suposição ou mero raciocínio lógico-dedutivo (se houve RONI, tais valores foram empregados em captação ilícita e abuso de poder).

Inviável.

Nego provimento ao recurso, no ponto.

3.3.2. Uso Indevido de Meios de Comunicação Social

A recorrente alega que Vanderlei de Almeida realizou campanha difamatória contra o ex-Prefeito Abel Grave, com acusações de desvio de verbas públicas para campanha, o que extrapolaria a liberdade de expressão. Contudo, e de forma irretocável, a sentença considerou que as postagens de Vanderlei estavam abarcadas pelo exercício do direito de liberdade de expressão, de viés constitucional e diretamente vinculado aos direitos políticos (como aliás já decidido pelo Supremo Tribunal Federal).

Ora, da leitura das manifestações, exsurge o óbvio caráter crítico sem que, contudo, tenha sido desobedecida qualquer regra da legislação de regência. Vanderlei não era candidato, mas sim apoiador dos recorridos, e utilizara sua rede social para expor opiniões e denúncias oriundas de documentos públicos e denúncia formal ao Ministério Público.

É cediço que a crítica à atuação de figuras públicas integra o debate político inerente à democracia. Não é disso que se trata o uso indevido de meios de comunicação social.

Nego provimento, também aqui. 

3.3.3 Conduta vedada - uso de bem imóvel pertencente ao poder público

A recorrente sustenta, ademais, que o uso de imóvel cedido pelo município (local denominado "Sede do OZB") para um evento de campanha em setembro de 2024, teria desobedecido o art. 73 da "Lei das Eleições", configurando-se na prática de conduta vedada, pois a Lei n. 9.504/97 veda o uso de bens móveis ou imóveis pertencentes à administração em benefício de candidato ou coligação nos seguintes termos:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

No entanto, friso que o local do evento - na realidade, o que a prova dos autos indica que foi uma festa de aniversário, ainda que com correligionários - é gerida pela Associação Privada "Os Zé Bunitinhos" (OZB), conforme dados que indico, encontrados na rede mundial de computadores:

O CNPJ da empresa Associacao Ozb - Os Ze Bunitinhos de Ibiruba/Rs é 09.438.421/0001-73. Com sede em IBIRUBA, RS, possui 17 anos, 9 meses e 14 dias e foi fundada em 19/02/2008. A sua situação cadastral é ATIVA e sua principal atividade econômica é Outras Atividades de Recreação e Lazer Não Especificadas Anteriormente.

E, por se tratar de norma com alto poder sancionador, a prática da conduta vedada contida na expressão "imóveis pertencentes à administração direta dos Municípios" deve receber interpretação jurisprudencial restrita.

Para além da ausência de prova quanto à natureza eleitoral do evento, friso que em momento algum dos autos há indício de que tenha havido acesso privilegiado ao bem, cedido de há muito à iniciativa privada para, ao que tudo indica, a realização de eventos festivos de caráter privado. Fosse o mesmo galpão gerido diretamente pela Prefeitura de Ibirubá, o desfecho poderia ser diferente, pois teria havido a prática de conduta tendente a abolir a igualdade entre candidatos.

No entanto, a recorrente não conseguiu comprovar, repito, sequer se o evento realmente tinha cunho eleitoral. 

Nego provimento. 

4. Litigância de má-fé. Condenação.

A título de desfecho, indico que a condenação por litigância de má-fé, com multa de cinco salários mínimos, baseou-se no uso de uma fotografia de maços de dinheiro que se comprovou pertencer a uma operação do Ministério Público em outro estado da Federação, Espírito Santo.

Uma imagem, dita de outro modo, obtida de maneira aleatória na internet. O juízo a quo considerou que a COLIGAÇÃO FRENTÃO tentara (e intentara) induzir o juízo em erro, e aplicou a sanção pecuniária indicada. A recorrente alega que a fotografia fora juntada aos autos apenas para fins de contextualização, e salienta ter mencionado, na petição inicial, a operação policial à qual a imagem pertencia - indicou, inclusive, o despacho do Delegado que esclarecia a origem.

De fato.

Ainda que a atitude não se substancie em ato processualmente elogiável sob o prisma do princípio da colaboração processual - os autos processuais devem conter apenas referências probatórias e jurídicas que guardem mínimo nexo causal com os fatos do processo - parece certo que não houve o dolo, a má-fé ao litigar.

Como bem indicado no parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral, não se verifica tentativa de indução em erro. A imagem de fato não se relaciona com o caso dos presentes autos, e fora realizada a devida referência - operação ocorrida no estado do Espírito Santo. Não houve a cabal demonstração do dolo processual, o agir deliberado no sentido de ludibriar o magistrado mediante a alteração da verdade dos fatos.

Portanto, julgo deva ser afastada a condenação pela litigância de má-fé.

Dispositivo.

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso eleitoral, apenas para afastar a condenação da COLIGAÇÃO FRENTÃO por litigância de má-fé, e manter a sentença no relativo ao restante, nos termos da fundamentação.