REl - 0600526-20.2024.6.21.0086 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/12/2025 00:00 a 23:59

VOTO

1. Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

2. Do Mérito

No mérito, o recorrente sustenta que ARLEI LUIS TOMAZONI e RODRIGO ALENCAR BOHN GLINKE, candidatos eleitos aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito no Município de Três Passos/RS, praticaram abuso de poder político e religioso, mediante ação de propaganda eleitoral, realizada por pastor, dentro da Igreja, durante a celebração de culto religioso, com a anuência do candidato Rodrigo, bem como abuso de poder político e econômico, por meio de divulgação de vídeo de propaganda eleitoral, gravado no espaço de empresa privada (Fitopharma), de propriedade da candidata Beatriz Vargas, e de Organização Não Governamental (ONG) dedicada à proteção de animais.

Passo à análise.

2.1. Da Manifestação Eleitoral em Culto Religioso

Narra a petição inicial que, conforme gravação transmitida na internet, feita pela Igreja Batista de Três Passos, o pastor Josias Leão, durante a celebração do culto religioso, chama o candidato a vice-prefeito a fim de lhe prestar homenagens, com “clara menção à campanha, com pleito de voto e desmerecimento aos demais candidatos”.

Para provar o alegado, a parte autora juntou o vídeo que teria sido transmitido pela internet (ID 45948091), com a seguinte transcrição (ID 45948087):

00:00:00 E o pastor Rodrigo, que é o vice-prefeito da cidade, e junto com Arlei, eles são candidatos à reeleição. 00:00:06 Por que que eu honro os nossos irmãos? 00:00:09 Porque eles são daqui nós conhecemos, nós sabemos quem eles são. 00:00:15 Porque eles são daqui nós conhecemos, nós sabemos quem eles são. 00:00:15 E por mais que quando a gente coloca o nome à disposição, a gente ouve um monte de barbaridade, a gente ouve isso como pastor A gente ouve isso como empresário, como político, como funcionário, mas principalmente quem coloca o seu nome na esfera pública. 00:00:34 Eu não estou pedindo voto para o pastor IP, mas ele sabe que o meu voto é dele. 00:00:39 Eu não tenho condições de votar em outra pessoa. 00:00:42 Por quê? 00:00:43 Porque ele é meu irmão na fé e eu sei do trabalho que eles estão fazendo. 00:00:46 Eu não vou votar em quem não comunga da mesma fé que eu. 00:00:50 E você deve avaliar da mesma maneira, tá? 00:00:53 Estou honrando o pastor Ipê, porque ele é membro dessa igreja, foi pastor dessa igreja por mais de 12 anos, né? 00:01:00 E 24 anos de membresia aqui nessa igreja, e eu quero orar e abençoar a vida dele mais uma vez. 00:01:06 E quero convidar Quero abençoar a vida do pastor Rodrigo, e se Deus quiser, no domingo à noite, aí, vibrar com mais quatro anos de mandato pra glória de Jesus. 00:01:19 Quer ficar de joelho, pastor? 00:01:23 Estenda suas mãos para cá. 00:01:24 Ore comigo, levante sua voz em oração. 00:01:26 Senhor Deus, quero te agradecer. a igreja a ficar de pé e estender as mãos pra cá. 00:01:10

 

Quanto ao abuso de poder econômico entrelaçado com o abuso de poder religioso, a jurisprudência do E. Tribunal Superior Eleitoral se consolidou no sentido de que "a prática do abuso de poder de autoridade religiosa, conquanto não disciplinada legalmente, pode ser sancionada quando as circunstâncias do caso concreto permitam o enquadramento da conduta em alguma das formas positivadas de abuso, seja do poder político, econômico ou dos meios de comunicação social" (RESPE n. 0000082-85.2016.6.09.0139/GO, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 18.8.2020).

No caso dos autos, restou demonstrado apenas um ilícito eleitoral, qual seja, a realização de propaganda eleitoral irregular em evento religioso, do qual participaram os investigados, em que o dirigente do culto declarou expressamente à sua comunidade religiosa o seu voto aos candidatos ali presentes, realçando os motivos pelos quais tinha feito a sua escolha.

O Tribunal Superior Eleitoral enuncia que “a veiculação de propaganda eleitoral em templos encontra óbice no art. 37, § 4º, da Lei n. 9.504/97, o qual veda tal prática nos bens de uso comum, quais sejam, os assim definidos pelo Código Civil e aqueles a que a população em geral tem acesso, ainda que de propriedade privada” (Recurso Especial Eleitoral n. 61867, Acórdão, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo n. 86, Data 13.5.2021).

Embora os recorridos aleguem que não solicitaram ou autorizaram esse ato de propaganda eleitoral praticado pelo pastor em um templo religioso, que é um bem particular de uso comum, é certo que o vice-prefeito Rodrigo subiu ao palco e não se opôs à manifestação do dirigente da Igreja.

Assim, não há dúvidas, portanto, de que houve a realização de propaganda eleitoral irregular praticada pelo pastor Josias Leão, que contou com a participação e anuência daquele candidato.

Todavia, não basta a conduta desconforme o direito para a caracterização do abuso, uma vez que se sedimentou na jurisprudência o entendimento de que “o reconhecimento do abuso de poder demanda, de modo cumulativo, a prática da conduta desabonadora e a ‘gravidade das circunstâncias que o caracterizam’, nos termos do art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90, a ser aferida a partir de aspectos qualitativos e quantitativos do caso concreto” (TSE - REspEl: n. 0600419-49/CE 060041949, Relator.: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 01.02.2023, Data de Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo n. 23).

Na espécie, conforme a prova dos autos, a propaganda eleitoral ilícita praticada tratou-se de um fato isolado. O candidato não fez uso da palavra dentro do templo religioso. Não houve distribuições de materiais ou outros bens aos eleitores ali presentes e não aconteceram outros atos de campanha eleitoral. O evento em questão não foi organizado exclusivamente para fins eleitorais, tratando-se de culto dominical regularmente realizado.

Também, ao que consta nos autos, embora o candidato tenha consentido e atendido ao chamado do pastor, o apoio do líder religioso ocorreu de forma espontânea, inexistindo prova de que os investigados tenham dado ordens ou oferecido incentivo para a prática do ato questionado.

Além disso, não está demonstrada utilização desproporcional de recursos patrimoniais para viabilizar o fato, ou, de qualquer forma, o aparelhamento e o uso da estrutura pública para beneficiar o candidato.

No tocante à difusão da mensagem, adoto a bem lançada análise contida na sentença:

Ficou demonstrado nos autos que o pastor Josias, durante a cerimônia religiosa, que contou com no máximo 100 pessoas, consoante informado nos depoimentos prestados e vídeos visualizados, solicitou ao candidato "Rodrigo Ipê" que subisse ao púlpito e abençoou-o. O pastor expressou seu voto publicamente, não proferiu desqualificação nominal à outros candidatos, ressaltou, entretanto, as qualidades que particularmente considera no investigado Rodrigo, por conhecer o candidato de longo tempo.  O candidato, não fez uso da palavra, não se dirigiu aos presentes, e, não foi possível identificar que tivesse pedido voto no local.

O investigado Arlei Luis tomazoni não esteve presente no evento.

[...].

O vídeo foi gravado e editado pelo próprio pastor, conforme depoimento prestado, com posterior publicação em sua rede social. Não restou evidenciado, nos autos, o compartilhamento da mídia pelos representados, e, não há como precisar o real alcance para fins eleitorais de tal gravação, ou seja, não há comprovação da gravidade das circunstâncias que caracterizam o fato.

 

Embora a inicial mencione que os vídeos foram publicados em redes sociais, não foram juntados dados técnicos que indiquem número de visualizações, compartilhamentos, impulsionamento pago ou qualquer métrica que permita aferir a efetiva dimensão da divulgação.

Assim, ainda que se tenha comprovado a prática de propaganda em contrariedade à legislação eleitoral, não é possível concluir que o ato foi grave o suficiente de modo a ferir o bem jurídico que a norma eleitoral protege - a normalidade e a legitimidade das eleições - não havendo que se falar em abuso de poder econômico, político ou religioso.

Na mesma direção, colho recente julgado deste Tribunal Regional:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). IMPROCEDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DE PODER POLÍTICO E RELIGIOSO. USO DE INFLUÊNCIA RELIGIOSA PARA PROMOÇÃO DE CANDIDATAS. DIVULGAÇÃO DE VÍDEOS E VINHETAS. EVENTOS. VEICULAÇÃO DE PROPAGANDA. DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS APÓS O PLEITO. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. DESPROVIMENTO. I. CASO EM EXAME 1.1. Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) proposta por candidato a vereador visando à apuração de abuso de poder econômico, político e religioso e captação ilícita de sufrágio, supostamente praticados por candidatas ao cargo de vereadora nas eleições municipais de 2024. 1.2. O juízo da Zona Eleitoral julgou improcedente a ação, ao fundamento de que as condutas ¿ utilização de influência religiosa do pastor sobre fiéis da igreja para direcionar votos, divulgação de vídeos e vinhetas, realização de eventos e veiculação de propaganda ¿ não alcançaram gravidade suficiente para caracterizar abuso de poder ou captação ilícita de votos. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2.1. Saber se o acervo probatório demonstra, com gravidade, abuso de poder (religioso, político ou econômico) ou uso indevido dos meios de comunicação (art. 22 da LC n. 64/90), a justificar a cassação e inelegibilidade. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1. Imputação de abuso de poder político e religioso. Os vídeos demonstram apenas manifestação pessoal do pastor, sem pedido de votos, sem desqualificação de adversários e sem participação ativa das candidatas. 3.2. Não demonstrado o beneficiamento das candidatas. O evento religioso, restrito a pequeno número de fiéis, não evidencia gravidade nem potencialidade lesiva, e seu conteúdo limitou-se à manifestação pessoal do líder religioso, protegida pela liberdade de expressão. Embora tenha sido utilizado ambiente religioso para divulgação de candidaturas, não houve comprovação do impacto desta conduta na vontade dos eleitores no dia do pleito. 3.3. Divulgação de vídeos e vinhetas. Inexistência de densidade lesiva para AIJE. Ausente ingerência das investigadas e alcance eleitoral relevante. Não se comprovou pedido explícito de votos ou relação com recursos de fonte vedada/estrutura pública. Inexiste prova do entrelaçamento com abuso econômico/político ou uso indevido massivo de meios de comunicação. 3.4. Distribuição de alimentos após o pleito. As imagens juntadas demonstram tratar-se de aniversário do pastor, ocorrido após a eleição, o que, por si, inviabiliza subsunção ao art. 41-A (que exige promessa/entrega de vantagem até o dia do pleito, com finalidade de obtenção de voto). 3.5. Windbanners no dia da eleição. Ainda que se possa cogitar de propaganda irregular (boletim de ocorrência), a infração isolada não tem o condão de alcançar a gravidade exigida pelo art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90, para caracterizar abuso em sede de AIJE. 3.6. Manutenção da sentença. O conjunto probatório não demonstra pedido de votos feito pelas investigadas nos cultos; emprego de recursos de fonte vedada ou uso indevido de meios de comunicação com capilaridade e intensidade hábeis a romper a isonomia; ou uso da máquina pública. IV. DISPOSITIVO E TESE 4.1. Recurso desprovido. Improcedência da ação. Teses de julgamento: “1. Não configura abuso de poder religioso quando não estiver entrelaçado a formas típicas de abuso de poder (econômico, político ou uso indevido dos meios de comunicação) e quando não demonstrada a gravidade das circunstâncias aptas a comprometer a normalidade e legitimidade das eleições. 2. Não constitui captação de sufrágio o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal, após o dia da eleição.” Dispositivos relevantes citados: Lei Complementar n. 64/90, art. 22, incs. XIV e XVI; Lei n. 9.504/97, art. 41-A; e Resolução TSE n. 23.735/19, art. 6º. Jurisprudência relevante citada: TSE - AI: n. 42531 CAMPOS DO JORDÃO - SP, Relator.: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 09.9.2021, Data de Publicação: 16.9.2021; e TSE - AI n. 42531, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 16.9.2021.

RECURSO ELEITORAL nº060052365, Acórdão, Relator(a) Des. Vania Hack De Almeida, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 12/11/2025. (Grifei.)

Dessa forma, ausentes outros elementos probatórios que permitam a conclusão incontestável acerca da gravidade das circunstâncias, não há fundamento para cassação de diplomas ou declaração de inelegibilidade.

2.2. Da Propaganda Eleitoral em Empresa Privada e em ONG

A petição inicial relata que “a candidata Beatriz Vargas gravou vídeo e compartilhou em suas redes sociais, ocupando-se do espaço da Empresa Fitopharma de sua propriedade, para angariar votos para si e para a coligação ‘Um Novo Tempo”, bem como que, “também no interior do canil da ONG APASSOS, juntamente da diretoria da ONG, mantida pela Administração Municipal, conforme depoimento da presidente da ONG, onde pediu voto para si e para a coligação ‘Um Novo Tempo”.

De fato, os vídeos, cujos links constam na exordial, demonstram que a candidata Beatriz Vargas publicou em suas redes sociais vídeos com conteúdo eleitoral gravados em espaços internos da farmácia Fitopharma (IDs 45948096 e 45948098) e da ONG – Canil APASSOS (ID 45948099).

Diante da prova produzida, é irretocável a conclusão da sentença no sentido de que “a gravação de vídeos da candidata Beatriz Vargas, com o slogan de campanha da chapa majoritária "Arlei e Ipê", na farmácia de sua propriedade, e, em frente ao Canil APASSOS, pode ser entendida como irregularidade em propaganda eleitoral, mas não têm potencial gravidade em sede de Ação de Investigação Judicial Eleitoral”.

Com efeito, ainda que tais condutas possam configurar infração à legislação eleitoral por propaganda eleitoral irregular, não se evidencia gravidade apta a caracterizar abuso de poder econômico ou político

Embora haja menção à coligação e ao slogan da chapa nas divulgações, não se comprovou pedido direto e incisivo de votos aos recorridos. Em realidade, é nítido que, nas peças de propaganda, a candidata foca-se na promoção de sua própria candidatura, mencionado a chapa majoritária de maneira meramente “protocolar”, típica das campanhas proporcionais que se alinham a determinado cargo do Poder Executivo, sem prova de coordenação ou conluio com os recorridos.

Também não há prova de que a gravação na farmácia envolveu utilização de recursos financeiros desproporcionais ou provenientes de fonte vedada. Quanto à ONG APASSOS, embora beneficiária de verbas municipais, o vídeo foi gravado em área externa, sem demonstração de aparelhamento da estrutura pública ou uso indevido de bens públicos para fins eleitorais.

Portanto, eventuais ilicitudes na veiculação propaganda eleitoral, por si só, não se equiparam com o abuso de poder, para o qual é necessário um acervo probatório inquestionável, que demonstre não apenas a ocorrência da conduta reprovável, mas também sua gravidade especialmente qualificada, que justifique, sob a perspectiva da reserva legal proporcional, a cassação dos mandatos, o que não se verifica nos autos.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral.