REl - 0600559-78.2024.6.21.0031 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/12/2025 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto por MONALIZA FURTADO, candidata ao cargo de vereadora no Município de Montenegro/RS, contra a sentença que desaprovou suas contas relativas às Eleições Municipais de 2024 e determinou o recolhimento do valor de R$ 11.434,44, ao Tesouro Nacional.

Em relação ao conjunto de cinco irregularidades reconhecidas na sentença, o recurso interposto delimita sua argumentação a duas falhas: 1) contratação de pessoal para atividades de militância e mobilização de rua, quitada, uma parte, mediante recursos da conta "outros recursos" (R$ 1.045,000) e, outra parte, por meio de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC (R$ 9.627,80); e 2) ausência de discriminação das dimensões da propaganda eleitoral nos documentos comprobatórios de gastos com material impresso de campanha.

Assim, operou-se a preclusão quanto às demais falhas não impugnadas nas razões recursais, nos termos do art. 932, inc. III, do CPC e da Súmula n. 26 do TSE, que vedam a apreciação de matéria não devolvida à instância superior.

Passo à análise individualizada dos tópicos da sentença impugnados nas razões recursais.

1. Da Aplicação dos Recursos do FEFC e da Regularidade dos Contratos de Prestação de Serviços

No item 4.1.1 do parecer conclusivo (ID 45988811), a unidade técnica registrou que a documentação apresentada para comprovação das despesas de pessoal não atendeu integralmente às exigências do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, porquanto deixou de consignar elementos essenciais, tais como locais de trabalho, horas trabalhadas, especificação das atividades executadas e justificativa do preço pago, respectivamente, no total de R$ 10.672,80, sendo R$ 1.045,00 oriundos de recursos privados e R$ 9.627,80 provenientes de verbas públicas, conforme tabelas inseridas no referido parecer:

1.1. Despesas com pessoal:

A documentação de comprovação dos gastos com pessoal não apresenta a integralidade dos detalhes previstos no artigo 35, § 12, da Resolução TSE 23.607/2019, tais como locais de trabalho, horas trabalhadas, especificação das atividades executadas e justificativa do preço contratado, totalizando R$ 1.045,00:

 

* Legenda das Irregularidades:

A – Horas trabalhadas não informadas;

B – Justificativa do preço pago não informado;

C – Locais de trabalho não informados;

D – Divergência entre horas trabalhadas e valor pago;

E – Recibo não foi apresentado.

 

1.1.1. O contrato de prestação de serviços de Tauana Desiree Ferreira Gustafson pactua o valor de R$ 50,00 por dia de trabalho (cláusula oitava), com carga horária diária de 8 horas (cláusula terceira). Contudo, o recibo juntado possui datas e locais preenchidos posteriormente, com carga horária de 6h 30min, a qual é inferior ao contratado. Ainda, foi pago o valor de R$ 90,00, que não é múltiplo de R$ 50,00, não condizendo, portanto, com o valor diário contratado.

 

1.1.2. O contrato de prestação de serviços de Sheila Pachaco Vilas Novas pactua o valor de R$ 50,00 por dia de trabalho (cláusula oitava), com carga horária diária de 8 horas (cláusula terceira). Contudo, o recibo juntado possui carga horária de 6h 30min, inferior ao contratado. Ainda, foi pago o valor de R$ 375,00, que não é múltiplo de R$ 50,00, não condizendo, portanto, com o valor diário contratado.

 

1.1.3. O contrato de prestação de serviços de Thaise Rodrigues Feijo pactua o valor de R$ 50,00 por dia de trabalho (cláusula oitava), com carga horária diária de 8 horas (cláusula terceira). Contudo, foi juntado recibo no valor de R$ 150,00 que não possui o horário e o local em que desenvolvidos os trabalhos. Ainda, os demais recibos juntados possuem jornada inferior à contratada, com carga horária de 6h 30min, 5h 30min e 3 horas.

 

1.1.4. O contrato de prestação de serviços de Andressa Luana de Azeredo do Amaral pactua o valor de R$ 50,00 por dia de trabalho (cláusula oitava), com carga horária diária de 8 horas (cláusula terceira). Contudo, foi juntado recibo no valor de R$ 90,00 que possui jornada inferior à contratada, com carga horária de 6h 30min.

 

1.1.5. O contrato de prestação de serviços de Carlos Augusto de Oliveira Francisco pactua o valor de R$ 50,00 por dia de trabalho (cláusula oitava), com carga horária diária de 8 horas (cláusula terceira). Não há recibo juntado contendo o valor de R$ 100,00, sendo que os demais apresentados não demonstram o horário e os locais em que desenvolvidos os trabalhos. Ainda, o valor total pago ao prestador é de R$ 1.756,80, que não é múltiplo de R$ 50,00, não condizendo, portanto, com o valor diário contratado.

 

1.1.6. O contrato de prestação de serviços de Diogo Otavio Furtado pactua o valor de R$ 50,00 por dia de trabalho (cláusula oitava), com carga horária diária de 8 horas (cláusula terceira). Não há recibo juntado contendo o valor de R$ 40,00. Ainda, o valor total pago ao prestador é de R$ 290,00, que não é múltiplo de R$ 50,00, não condizendo, portanto, com o valor diário contratado.

 

[...].

 

4.1.1. Despesas com pessoal:

A documentação de comprovação dos gastos com pessoal não apresenta a integralidade dos detalhes previstos no artigo 35, § 12, da Resolução TSE 23.607/2019, tais como locais de trabalho, horas trabalhadas, especificação das atividades executadas e justificativa do preço contratado, totalizando R$ 9.627,80:

 

* Legenda das Irregularidades:

A – Horas trabalhadas não informadas;

B – Justificativa do preço pago não informado;

C – Locais de trabalho não informados;

D - Divergência entre horas trabalhadas e valor pago

 

4.1.1.1. O contrato de prestação de serviços celebrado com Patricia de Lara (ID 126453991, cláusula oitava) possui divergência no valor previsto para remuneração por dia de trabalho, o qual, em numerais, pactua o valor de R$ 80,00 (com rasura), enquanto por extenso prevê o valor de R$ 50,00.

 

Ainda, o contrato estabelece em sua cláusula terceira o serviço por 8 horas diárias, enquanto dois recibos juntados demonstram ter executado atividades por 6 ou 7 horas diárias, enquanto os demais não apresentam as horas trabalhadas, vide ID 126453991, p. 6. Ademais, o valor total pago à prestadora é de R$ 2.070,00, que não é múltiplo de R$ 80,00, não condizendo, portanto, com o valor diário contratado.

 

4.1.1.2. O contrato de prestação de serviços celebrado com Ezequiel Adriano de Souza (ID 126453992) pactua a remuneração diária de R$ 50,00 (cláusula oitava), por uma carga horária de 8 horas diárias (cláusula terceira). Contudo, os recibos não demonstram os locais em que desenvolvidas as atividades, tampouco o horário em que realizado o serviço. Ainda, o valor total pago ao prestador é de R$ 5.100,00, não condizendo com o valor estabelecido em contrato, considerando que para a remuneração de R$ 5.100,00 seriam necessários 102 dias de atividades, enquanto o período de campanha (15/08/2024 a 05/10/2024) possui apenas 52 dias.

 

4.1.1.3. O contrato de prestação de serviços celebrado com Diogo Otavio Furtado (ID 126453994) estabelece em sua cláusula terceira o serviço por 8 horas diárias. Porém, um recibo juntado demonstra ter executado atividades por 6 horas diárias, enquanto os demais não apresentam as horas trabalhadas, vide ID 126453994, p. 7. Ainda, o valor total pago ao prestador é de R$ 290,00, que não é múltiplo de R$ 50,00, não condizendo, portanto, com o valor diário contratado.

 

4.1.1.4. O contrato de prestação de serviços celebrado com Carlos Augusto de Oliveira Francisco (ID 126453999) pactua a remuneração diária de R$ 50,00 (cláusula oitava), por uma carga horária de 8 horas diárias (cláusula terceira). Contudo, os recibos não demonstram os locais em que desenvolvidas as atividades, tampouco o horário em que realizado o serviço. Ademais, o valor total pago ao prestador é de R$ 1.656,80, que não é múltiplo de R$ 50,00, não condizendo, portanto, com o valor diário contratado.

 

4.1.1.5. O contrato de prestação de serviços celebrado com Camila de Souza Martins (ID 126454012) pactua a remuneração diária de R$ 50,00 (cláusula oitava), por uma carga horária de 8 horas diárias (cláusula terceira). Contudo, os recibos não demonstram os locais em que desenvolvidas as atividades, tampouco o horário em que realizado o serviço. Ademais, o valor total pago à prestadora é de R$ 231,00, que não é múltiplo de R$ 50,00, não condizendo, portanto, com o valor diário contratado.

 

4.1.1.6. O contrato de prestação de serviços celebrado com Ederson Jonathan Carpes Kerber (ID 126454019) pactua a remuneração diária de R$ 50,00 (cláusula oitava), por uma carga horária de 8 horas diárias (cláusula terceira). Contudo, os recibos não demonstram os locais em que desenvolvidas as atividades, tampouco o horário em que realizado o serviço. Ademais, o valor total pago ao prestador é de R$ 280,00, que não é múltiplo de R$ 50,00, não condizendo, portanto, com o valor diário contratado.

 

Muito embora a legislação eleitoral, notadamente o art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, exija rigor na documentação de despesas de campanha, na análise dos casos concretos, o princípio da razoabilidade não pode ser afastado, especialmente em campanhas menores, nas quais a informalidade e a dinâmica do pleito muitas vezes geram pequenas inconsistências formais.

Na hipótese em análise, o Parecer Técnico, em síntese, apontou que a carga horária registrada nos contratos de militância divergiam das horas de trabalho consignadas nos recibos de pagamentos, ou seja, a jornada contratada divergia da jornada efetivamente cumprida.

De seu turno, a recorrente justificou que, embora a intenção inicial fosse contratar determinada jornada mais ampla, as circunstâncias da campanha e a falta de recursos financeiros resultaram em turnos de trabalho menores do que estava contratado, com a proporcional redução do preço pago.

Nesse contexto, a recorrente comprova por meio dos recibos de pagamento e da planilha de controle que os pagamentos foram ajustados às horas de trabalho efetivamente realizadas, ainda que inferiores ao inicialmente acertado nos instrumentos contratuais.

Dos contratos acostados aos autos, constata-se que a redução da carga horária diária não consistiu em medida estranha aos pactos, uma vez que o parágrafo primeiro da cláusula terceira estabelece que “O CONTRATADO(A) terá 1h30 de intervalo para refeição, sem, contudo, prejudicar a carga horária diária contratada, que é de 8 horas, ou menos, quando houver demanda de trabalho”.

Também foram glosadas as divergências entre os valores pactuados (R$ 50,00 por diária de 8 horas de trabalho) e os efetivamente pagos, que não representaram valores múltiplos do preço diário contratado.

Todavia, novamente, os recibos de pagamento e a planilha de controle juntados aos autos demonstram que os valores pagos foram ajustados proporcionalmente à carga horária efetivamente cumprida, a qual, como já se reconheceu, foi inferior à inicialmente contratada.

Embora os contratos tenham previsto jornadas padrão de 8 horas diárias por preço certo, é plausível e congruente com os demais documentos a alegação de que a dinâmica da campanha e a limitação de recursos financeiros impuseram a realização de turnos reduzidos, não uniformes entre os prestadores, o que resultou em pagamentos proporcionais às horas efetivamente trabalhadas.

Nesse contexto, a ausência de correspondência exata entre os valores pagos e os múltiplos do valor diário contratado não configura, por si só, irregularidade material, mas sim reflexo da adaptação prática da execução contratual às necessidades reais da campanha.

Ainda, o órgão técnico da origem apontou uma aparente inconsistência quanto ao local de trabalho, que não estaria indicado nos recibos apresentados.

Entretanto, é inequívoco que a assinatura dos contratos e a atividade logística de campanha ocorreram no Município de Montenegro. Nesse passo, este Tribunal tem assentado que “a ausência de referência a bairros de atuação não compromete a transparência do ajuste, especialmente considerando o porte reduzido do município” (REl n. 060085280, Acórdão, Relator Des. Nilton Tavares Da Silva, Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, 20.6.2025), bem como que “por ser um município de pequeno porte, afigura–se desarrazoado exigir do trabalho da militância demonstrativo por ruas ou bairros” (REl n. 060086510, Relator: Des. Volnei dos Santos Coelho, Acórdão de 25.7.2025, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico n. 139, data 30.7.2025).

Assim, embora os contratos e os recibos não especifiquem os bairros ou ruas de atuação, tal nível de detalhamento já foi relativizado por este Tribunal, especialmente em se tratando de Município de pequeno porte, como no presente caso, não havendo qualquer indicativo de que as atividades se estenderam para além da circunscrição eleitoral de Montenegro.

Ademais, não há nos autos elementos comparativos que evidenciem que os valores contratados e os preços efetivamente pagos extrapolaram os parâmetros usuais de mercado no contexto em que exercido.

À luz de tais considerações, constato que a documentação comprobatória das despesas com pessoal, embora apresente impropriedades formais em relação às exigências do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, não apresenta falhas capazes de comprometer a confiabilidade das contratações ou que indiquem a prática de fraude ou a má aplicação de recursos públicos, de modo que suficiente a aposição de ressalvas sobre o ponto, sem a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

2. Da Irregularidade Referente ao Material Impresso

No tocante à segunda irregularidade objeto do recurso, o parecer técnico conclusivo indicou que a comprovação do gasto com material impresso, relativo ao fornecedor RS Gráfica Impressão LTDA. (CNPJ n. 55.008.753/000-35), no valor de R$ 44,00, apresentou falha, uma vez que o documento fiscal não discrimina as dimensões dos artefatos produzidos, infringindo o art. 60, § 8º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

[...].

§ 8º A comprovação dos gastos eleitorais com material de campanha impresso deve indicar no corpo do documento fiscal as dimensões do material produzido.

Em sua defesa, a recorrente argumenta que houve dificuldade na obtenção de documentação perfeita, devido à correria da campanha. Aduz que a ausência da dimensão na nota fiscal, no valor de R$ 44,00, seria mera impropriedade formal, sanável pela presunção de que o material (adesivos em vinil) estaria dentro dos limites legais de dimensão, não comprometendo a higidez das contas, em consonância com precedentes jurisprudenciais.

Entretanto, esta Corte Eleitoral entende que a confecção de material impresso, pela relevância estratégica na campanha, demanda comprovantes fiscais com correção dos dados e com correspondência efetiva do encarte produzido, de modo que “a  ausência das dimensões compromete a transparência e impede a aferição quanto ao cumprimento das regras de propaganda, que têm limites específicos previstos em lei” (REl n. 060054679, Acórdão, Relator Dr. Nilton Tavares da Silva, Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, 17.10.2025).

Além disso, “adesivos em vinil” podem se constituir em meio de propaganda de variadas utilizações, como em fachadas de comitês, veículos, roupas, etc, impossibilitando a presunção de que sejam itens “padronizados” ou de dimensões usuais nas práticas de campanha.

Deste modo, não há como ser superada a falha referente ao material impresso na quantia de R$ 44,00; observando-se que a sentença recorrida, acertadamente, não determinou o recolhimento da equivalente quantia ao Tesouro Nacional, uma vez que não foram utilizados recursos públicos para o pagamento da despesa.

3. Do Julgamento das Contas

Dessa forma, reconhecidas as falhas relativas aos gastos com pessoal como meramente formais, deve ser afastada a ordem de restituição do valor de R$ 9.627,80, adimplidos com recursos do FEFC, consolidando-se a quantia sujeita a recolhimento ao Tesouro Nacional em R$ 1.806.64 (R$ 11.434,44 - R$ 9.627,80).

Nada obstante, as irregularidades remanescentes e aquelas não impugnadas no recurso somam a quantia de R$ 3.320,58 (R$ 12.948,38 - R$ 9.627,80), que representa 16% das receitas totais declaradas na campanha (R$ 20.566,00), tornando inaplicável o entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que os princípios da proporcionalidade e razoabilidade incidem na prestação de contas para fins de aprovação com ressalvas quando o valor das irregularidades for de até 10% do montante de recursos arrecadados ou quando sua quantia, em termos absolutos, não ultrapassar 1.000 (mil) Ufirs, ou seja, R$ 1.064,10 (TSE; Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060542160/SP, Relator: Min. Edson Fachin, Acórdão de 25.02.2021, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico n. 48, data 17.3.2021).

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso apenas para reduzir o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para a quantia de R$ 1.806.64, mantido o juízo de desaprovação das contas de campanha.