REl - 0600031-45.2024.6.21.0160 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2025 às 16:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Os recursos são tempestivos.

A sentença do processo n. 0600029-75.2024.6.21.0160 foi publicada no DJe em 06.02.2025 e o recurso interposto em 10.02.2025, primeiro dia útil após finalização do prazo recursal. Da mesma forma, o recurso do processo 0600031-45.2024.6.21.0160 também foi interposto no primeiro dia útil após a finalização do tríduo recursal, que se deu na mesma data.

Presentes os demais pressupostos atinentes à espécie, conheço dos apelos.

Passo ao exame de preliminar, trazida de ofício, quanto à ilegitimidade ativa do recorrente, Diretório Municipal PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE – PSOL de Porto Alegre/RS.

 

PRELIMINAR

Antes de adentrar ao mérito, tenho por suscitar preliminar de ilegitimidade ativa do Diretório Municipal do PSOL de Porto Alegre.

O PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE – PSOL integra a Federação composta com o partido REDE SUSTENTABILIDADE – REDE, cujo registro fora deferido pelo Tribunal Superior Eleitoral em 26 de maio de 2022, no processo RFP n. 0600345-39.2022.6.00.0000, data a partir da qual passou a incidir o dever de atuação unificada em todos os níveis, a impedir a sua participação isolada no processo eleitoral, nos termos do art. 11-A, caput, da Lei n. 9.096/95 (incluído pela Lei n. 14.208/21).

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme ao reconhecer a ilegitimidade ativa de partido federado para atuar isoladamente em ações eleitorais, por configurar violação à unidade da federação partidária (TSE, Rp 060058528/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 03.6.2024; TSE, Rp 060074116/DF, rel. Min. Maria Claudia Bucchianeri, j. 30.09.2022, PSESS).

Aderindo a tal posicionamento, este Tribunal Regional Eleitoral igualmente tem decidido que a atuação isolada de partido federado em ações eleitorais é vedada, nos termos do já citado art. 11-A da Lei n. 9.096/95 e do art. 4º, § 1º, da Resolução TSE n. 23.670/21, devendo a atuação judicial ser promovida exclusivamente pela federação, como entidade una. Nesse sentido, destaco recente precedente, de relatoria do Excelentíssimo Desembargador Eleitoral VOLNEI DOS SANTOS COELHO:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). FEDERAÇÃO PARTIDÁRIA. ILEGITIMIDADE ATIVA DE PARTIDO FEDERADO PARA AJUIZAMENTO ISOLADO. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1.1. Recurso eleitoral interposto por partido integrante de federação partidária contra sentença que extinguiu, sem resolução do mérito, Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) ajuizada isoladamente pelo partido, sob o fundamento de ilegitimidade ativa, com base no art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil e art. 4º da Resolução TSE n. 23.670/21. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.1. Definir se partido político integrante de federação partidária possui legitimidade ativa para propor, de forma isolada, Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) em face de candidatos adversários. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1. A federação é figura jurídica que, enquanto permanecer hígida, une a atuação dos partidos federados de forma perene e permanente, devendo vigorar por, pelo menos, quatro anos e ter abrangência nacional. 3.2. No caso, a federação em questão teve o respectivo estatuto aprovado pelo TSE e, nos termos da jurisprudência, passa a atuar como se partido único fosse. Assim, após o período eleitoral, a federação é que deveria ter atuado em juízo. 3.3. Manutenção da sentença. O precedente trazido pelo recorrente não se amolda como paradigma ao caso, pois trata da classe de prestação de contas, sem qualquer efeito direto sobre a parte adversa. IV. DISPOSITIVO E TESE 4.1. Recurso desprovido. Tese de julgamento: “Não se admite a atuação isolada em ação judicial eleitoral de partido político que se acha formalmente reunido em federação partidária.” Dispositivos relevantes citados: Lei n. 14.208/21; Resolução TSE n. 23.670/21, art. 4º; CPC, art. 485, inc. VI. Jurisprudência relevante citada: TSE, Rp n. 0600550-68, rel. Min. Maria Claudia Bucchianeri, j. 30.9.2022; TSE, AgI n. 50355, rel. Min. Admar Gonzaga, DJe 26.9.17; TRE-RS, RE n. 0600339-45, rel. Des. Patrícia da Silveira Oliveira, DJe 23.01.2025.

(TRE-RS, RE n. 0600210-91, rel. Des. Volnei dos Santos Coelho, DJe 23.01.2025.

Portanto, verifico a ilegitimidade ativa do Diretório Municipal do PSOL para propor isoladamente as presentes demandas, devendo ser extintos os feitos, sem resolução de mérito, com relação a este, por ausência de legitimidade ad causam, nos termos do art. 485, inc. VI, do CPC, mas devendo o feito prosseguir ante a legitimidade dos demais demandantes (FEDERAÇÃO PSOL-REDE - PORTO ALEGRE/RS e CARLOS ROBERTO DE SOUZA ROBAINA).

Passo ao exame do mérito dos recursos interpostos.

 

MÉRITO

Conforme já citado no relatório, trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) e de Representação Especial por Conduta Vedada, onde ambas as ações tiveram tramitação conjunta, com aproveitamento de prova.

Nesse contexto, a fim de evitar a desnecessária repetição, visto tratarem do mesmo fato, passo à análise conjunta das razões encartadas nos recursos e nas contrarrazões apresentadas.

A controvérsia reside na alegação dos ora recorrentes de que, durante o período de campanha eleitoral das Eleições de 2024, em 30.9.2024, a recorrida NÁDIA RODRIGUES SILVEIRA GERHARD teria comparecido à inauguração de obra pública, especificamente do lançamento do então novo Centro de Operações da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre/RS, incorrendo na prática da conduta vedada aos agentes públicos, prevista no art. 77 da Lei n. 9.504/97, e em abuso de poder político, tipificado no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90.

 

1. Da qualificação da natureza do evento

O art. 77, da Lei n. 9.504/97, dispõe, de forma taxativa:

Art. 77.  É proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

Parágrafo único.  A inobservância do disposto neste artigo sujeita o infrator à cassação do registro ou do diploma. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

A vedação em tela é de comparecimento a inauguração de obra pública, sendo esta “toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação de bem público. Ela pode ser realizada de forma direta, quando a obra é feita pelo próprio órgão ou entidade da Administração, por seus próprios meios, ou de forma indireta, quando a obra é contratada com terceiros por meio de licitação” (Obras Públicas. Recomendações Básicas para a Contratação e Fiscalização de Obras de Edificações Públicas. Tribunal de Contas da União, 4ª Edição. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/data/files/1E/26/8A/06/23DEF610F5680BF6F18818A8/Obras_publicas_recomendacoes_basicas_contratacao_fiscalizacao_obras_edificacoes_publicas_4_edicao.PDF. Acesso em 11/12/2025).

Para fins de darmos a melhor interpretação pretendida pelo legislador, destaco que Rodrigo López Zilio (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral, 10ª Ed. pp. 875-876) defende que, para a proteção do bem jurídico alvo do art. 77 da Lei n. 9.504/97, o conceito de “obra pública” deve ser o mais amplo possível. Vejamos:

“Para uma eficaz proteção do bem jurídico protegido, a concepção de obra pública deve ser a mais ampla possível. O próprio legislador, no art. 6º, XII, da Lei nº 14.133/2021, traz um conceito largo, ao definir obra como “toda atividade estabelecida, por força de lei, como privativa das profissões de arquiteto e engenheiro que implica intervenção no meio ambiente por meio de um conjunto harmônico de ações que, agregadas, formam um todo que inova o espaço físico da natureza ou acarreta alteração substancial das características originais de bem imóvel”. Essa inovação no espaço físico ou alteração substancial das características originais de bem imóvel pode ocorrer mediante uma construção, recuperação ou mesmo reforma, situações em que o comparecimento de candidato no evento, durante o período crítico, pode configurar a conduta vedada em apreço.”

Na espécie, de acordo com a demonstração feita nos autos, houve a reforma de espaço nas dependências da sede do Comando de Policiamento da Capital (CPC), sito à Rua Baronesa do Gravataí, n. 575, a fim de possibilitar que o local abrigasse o novo Centro de Operações Policiais Militares (COPOM).

Refira-se que tal divisão possuía a nomenclatura anterior de Departamento de Controle e Comando Integrado (DCCI) quando foi atingida por um grande incêndio em 2021, época em que funcionava no prédio da Secretaria de Segurança Pública, todo ele consumido pelas chamas, tendo, desde então, sido referida divisão desmembrada, com seus serviços sendo realocados para diversos endereços, conforme informação trazida no site da Corporação.

A par disso, pontue-se que a inauguração de obras públicas é ato típico da gestão governamental, ligado à transparência e publicidade. Para que a vedação seja eficaz, a interpretação do conceito de obra pública deve ser ampla, pois o objetivo do art. 77 é impedir o uso da máquina estatal para favorecer candidaturas, garantindo a impessoalidade e a paridade de armas entre os candidatos em disputa.

Os elementos produzidos nos autos indicam que houve convite e divulgação institucionais, referindo-se expressamente à “inauguração do Centro de Operações da Brigada Militar”. A obra, custeada com recursos públicos, representa estrutura física permanente, inserida na política de segurança pública estadual e a solenidade observou protocolos típicos de inauguração, como presença de autoridades, cerimonial e menção à entrega do equipamento à sociedade. O convite oficial, encaminhado pelo Comandante-Geral da Brigada Militar, torna evidente que o objetivo central da solenidade tratou da inauguração do novo espaço do Centro de Operações:

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Nesse ponto, diferentemente da conclusão adotada pelo Juízo a quo, o fato de no mesmo ato terem sido também entregues câmeras corporais e armas não-letais não descaracteriza a natureza da solenidade – a inauguração das instalações do Centro de Operações –, constituindo-se as referidas entregas em medidas integradas ao mesmo evento. Isso é reforçado quando se verifica a divulgação que o evento obteve nos órgãos oficiais. Tanto o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, quanto o Tribunal de Justiça do Estado (que contribuiu com aporte financeiro para a realização da obra) noticiaram a cerimônia de inauguração do aludido centro.

Em https://www.tjrs.jus.br/novo/noticia/novo-centro-de-operacoes-da-policia-militar-em-porto-alegre-e-inaugurado-com-recursos-destinados-pelo-judiciario/#:~:text=Foi%20realizada%20nesta%20segunda%2Dfeira,(COPOM)%20em%20Porto%20Alegre. (acesso em 11/12/2025), há o destaque que “foi realizada  nesta segunda-feira (30/9) a cerimônia de inauguração do novo  Centro de Operações da Polícia Militar (COPOM) em Porto Alegre. A realização da obra contou com o aporte financeiro do Judiciário gaúcho que, em dezembro de 2023, promoveu o repasse de R$ 1,4 milhão, por intermédio da Administração liderada pela ex-Presidente do TJ, Desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, que tinha o atual Presidente, Desembargador Alberto Delgado Neto, na 1ª Vice-Presidência”.

Da mesma forma, o site do Governo do Estado do Rio Grande do Sul noticia a realização do evento, destacando a entrega de câmeras corporais e armas não-letais, que seriam realizadas conjuntamente à inauguração do espaço público:

“O governador Eduardo Leite entregará, nesta segunda-feira (30/9), às 17h, o primeiro lote de câmeras corporais à Brigada Militar (BM), na sede do Comando de Policiamento da Capital (CPC). O primeiro lote é composto por 300 bodycams de um total inicial de mil equipamentos. O 9º Batalhão de Polícia Militar de Porto Alegre, responsável pela área central da capital, será o primeiro a utilizar as bodycams entregues. Ainda serão destinadas 60 câmeras corporais ao Departamento de Ensino para treinamento.

Na cerimônia, também será inaugurado o Centro de Operações da Brigada Militar (Copom) e serão entregues mil armas não letais. O total de investimentos do Tesouro do Estado é de aproximadamente R$ 15 milhões.”

<https://www.estado.rs.gov.br/governador-entrega-a-brigada-militar-o-primeiro-lote-de-cameras-corporais-e-mil-armas-nao-letais-nesta-segunda-30> Acesso em 11/12/2025.

A cronologia seguida pelo cerimonial do evento, aferível a partir das fotos disponibilizadas pelo Cerimonial da Brigada Militar e do Palácio Piratini, mostra-se condizente com a tese defendida pelos recorrentes da inexistência de dois eventos distintos que ocorreram sequencialmente, denotando a realização de um ato formal, único, de inauguração de obra pública e de entrega de equipamentos, que fazem parte da política de segurança pública do Executivo Estadual. Isso é reforçado na declaração tomada no depoimento do Governador Eduardo Leite, principal autoridade presente e condutora da solenidade:

“Governador Eduardo Leite: Quando nós realizamos eventos públicos do governo do estado, geralmente nós buscamos conciliar, dadas as diversas ações que o estado promove, concentrando num único momento, o máximo de entregas possível, então, uma solenidade em que marcávamos ali a inauguração do centro de operações da brigada militar e também a entrega das câmeras corporais.

O evento começa com o momento das falas, onde nós abordamos nas nossas manifestações as duas coisas, tanto a inauguração quanto, que está sendo feita, quanto a entrega das câmeras corporais. É difícil marcar o que que é uma coisa e outra.”

Tenho, portanto, ser indiscutível que o evento tratou de solenidade de inauguração de espaço público, com divulgação prévia dessa finalidade pelo Poder Executivo, executor da obra. A existência de outros atos (como a entrega de equipamentos ou apresentação de programas) no mesmo evento não desnatura o núcleo inauguratório da solenidade, dirigido à entrega do Centro de Operações à comunidade.

Buscando afastar a incidência do citado art. 77, a defesa enfatiza aspectos acessórios, quando a própria convocação oficial e a dinâmica do ato demonstram que se tratou, sim, de inauguração de obra pública relevante, em pleno período eleitoral, com a participação de diversas autoridades da área da segurança.

Ademais, o fato de a cerimônia ter contado com convite prévio ou participação majoritária de autoridades e convidados não desnatura sua essência inauguratória: o art. 77 da Lei n. 9.504/97 não distingue solenidades de acesso amplo ao público em geral e eventos com acesso restrito, dirigidos a autoridades, servidores ou segmentos específicos. O que a norma proíbe é o comparecimento do candidato à inauguração de obra pública, qualquer que seja o formato de organização do ato, justamente para impedir que ele se beneficie da visibilidade institucional proporcionada por esse tipo de solenidade. Assim, a tentativa de relativizar a incidência do dispositivo com base no “perfil” do público presente não encontra respaldo no texto legal nem na finalidade protetiva da regra.

Assim, rejeita-se a tese defensiva de que o ato não se trataria de inauguração de obra pública ou de que sua natureza híbrida afastaria, por si só, a incidência do art. 77 da Lei das Eleições.

 

2. Da condição da recorrida como agente pública e candidata e da configuração de comparecimento vedado pela legislação

É incontroverso que a recorrida era, à época, vereadora em exercício no Município de Porto Alegre e candidata à reeleição, bem como que o evento ocorreu a apenas seis dias do pleito municipal, dentro, portanto, do período proscrito.

Os autos evidenciam que a recorrida compareceu à solenidade, tendo sido nominada pelo cerimonial e sendo a única vereadora presente ao evento. O Memorando n. 135/EMBM-PM5/2024 (ID 45912792) nomina a presença de NÁDIA na condição de vereadora, sem ostentar informação quanto a eventual representação institucional. Consta do documento a nominata de autoridades presentes:

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Não há prova nos autos de que NÁDIA tenha comparecido ao ato investida, formalmente, da condição de representante da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, não havendo informação da existência de qualquer ato da Mesa Diretora, ofício de designação ou convite nominal da Câmara que respalde essa leitura.

Ainda, é de se destacar que o quadro probatório revela que a posição de parlamentar em exercício proporcionou a NÁDIA assento entre as principais autoridades presentes. Tal condição fica evidente quando se verifica registro fotográfico da primeira fila de autoridades presentes à cerimônia, onde a recorrida aparece alocada em companhia do Chefe de Polícia Civil, da Deputada Estadual relatora da Subcomissão Parlamentar sobre câmeras de monitoramento, da representante da Presidência do TJ-RS, do Governador do Estado, do Secretário de Segurança Pública e do Comandante-Geral da Brigada Militar:

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A presença da recorrida foi destacada nominalmente pelo Governador do Estado. A fala proferida pelo Governador Eduardo Leite, registrada no ID 45911277, cita a recorrida e lembra sua condição de parlamentar, identificada com a pauta central da solenidade:

“Governador Eduardo Leite: [...] [Quero] cumprimentar também a vereadora comandante Nádia, que está aqui representando a Câmara municipal de Porto Alegre, e citei aqui, né, que o tema da segurança é também muito acompanhado pela deputada Luciana Genro e é muito acompanhado também pela deputada, pela vereadora comandante Nádia. Aliás, de talvez sobre prismas diferentes, né? O olhar sobre a segurança, que na minha visão, são complementares, não é?”

Em síntese, o acervo probatório evidencia que sua presença se deu na qualidade de parlamentar com vinculação à pauta da segurança pública – condição que lhe garantiu lugar na primeira fila, menções pelo cerimonial e pela principal autoridade presente ao evento, em associação simbólica à temática alusiva ao lançamento da obra pública –, configurando uso indevido de seu cargo para realce pessoal no evento, sem comprovar investidura formal como representante do Poder Legislativo municipal.

Nessas circunstâncias, diferentemente do deduzido na sentença e defendido nas contrarrazões apresentadas pela recorrida, a condição de agente pública eleita, com mandato em curso e durante o período crítico da sua campanha à reeleição, em meio a público diretamente interessado na pauta de segurança pública – um dos temas centrais de seu mandato e plataforma política, insere o comparecimento no exato núcleo de proteção da norma, cujo objetivo é evitar que candidatos se valham de inaugurações de obras públicas para auferir exposição e prestígio, valendo-se do aparato estatal.

Tampouco procede a alegação de que a ausência da recorrida no momento do descerramento da placa alusiva à inauguração do espaço, por si só, afastaria o ilícito. Não se exige que o candidato esteja presente em todas as etapas formais da solenidade, mas apenas que compareça, na condição de candidato, à inauguração de obra pública em período vedado. O tipo é de natureza formal e o núcleo “comparecer” não se condiciona a fala, pedido de votos ou participação em ato específico do protocolo.

Aqui, importante destacar que a redação original do referido art. 77 da Lei das Eleições dispunha a proibição aos candidatos a cargos do Poder Executivo de participar, nos três meses que precedem o pleito, de inaugurações de obras públicas, sendo que a inobservância do disposto no artigo sujeitava o infrator à cassação do registro. Atualmente, por força da redação atualizada pela Lei n. 12.034/09, o citado art. 77 estabelece que é vedado a qualquer candidato comparecer, nos três meses que precedem o pleito, a inauguração de obras públicas, sob pena de cassação do registro ou do diploma. Portanto, além da ampliação do rol de candidatos atingidos pela vedação, há também a alteração do verbo nuclear da conduta: participar (tomar parte de) para comparecer (aparecer ou apresentar-se em local determinado).

O art. 77 da Lei n. 9.504/97 é taxativo: "É proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas". Tal dispositivo encontra-se regulamentado na Resolução TSE n. 23.735/2024, que assim dispõe:

Art. 22. É proibido a candidata ou candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem a eleição, a inaugurações de obras públicas (Lei nº 9.504/1997, art. 77, caput).

§ 1º A inobservância do disposto neste artigo sujeitará a infratora ou o infrator à cassação do registro ou do diploma (Lei nº 9.504/1997, art. 77, parágrafo único).

 

3. Da presença de equipe de campanha no local do evento

Os recorrentes descrevem, com apoio em provas documentais e testemunhais, que cabos eleitorais uniformizados com camisetas de campanha da recorrida distribuíram materiais de propaganda na parte externa do prédio, durante a inauguração.

A cronologia, obtida a partir do registro das câmeras de segurança instaladas no prédio público, evidencia que as militantes políticas apoiadoras da recorrida (identificadas ostensivamente com aparato de campanha) se postaram nas cercanias do estabelecimento a partir de 17h17 (observo, aqui, que o evento estava aprazado para iniciar às 17h), distribuindo material de campanha para as pessoas que saiam da cerimônia de inauguração, contando com a presença da própria recorrida a partir de 18h28:

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Aqui, vale uma menção particular quanto à alegação dos recorrentes de que às 18h23 a recorrida teria gravado vídeo com sua assessoria na frente do local da inauguração.

Com efeito, alega a defesa que a presença da recorrida no local teria motivação em legítima atuação parlamentar, eis que entregues à população naquela tarde mais de mil armas não-letais (teasers), sendo que a Secretaria Municipal de Segurança de Porto Alegre “iniciou estudo para aquisição de teasers (armas não-letais, de incapacitação neuromuscular)” e “buscou a representada a fim de obter apoio e destinação de recursos via emenda parlamentar para a referida aquisição”.

Assim, NÁDIA teria comparecido na solenidade para “visualizar o armamento de perto e conversar pessoalmente com os representantes da empresa responsável, que estariam presentes, a fim de esclarecer dúvidas e obter informações técnicas para embasar a tomada de decisão em relação ao apoio ao projeto apresentado pela Secretaria Municipal de Segurança”. Contudo, necessário pontuar, primeiramente, que, de acordo com a prova testemunhal constante nos autos, o equipamento entregue, notadamente as armas não-letais, encontrava-se disponível para visitação em outro andar do prédio que sedia o Comando de Policiamento da Capital e não nas dependências do novo Centro de Operações da Brigada Militar, esse que estava sendo inaugurado oficialmente.

Neste sentido, colhe-se o depoimento da testemunha Coronel Trindade:

Cel. Trindade: Eu recebi um convite do Artur Bernardes, que é o Diretor-Presidente da Axion Brasil, porque eu já estava testando o produto deles, eu faço pareceres sobre produtos, e ele me mandou um whats convidando para ir [...]. [...]

Cel. Trindade: Tão logo terminou a cerimônia da entrega das armas e das bodycam eu estava ali pelo corredor, mas o meu interesse como eu lhe disse, a rigor eu não fiquei sabendo, eu não vi o descerramento, o corte de fitas, descerramento de placa, essa parte eu não vi, porque eu fui no andar de cima para ver o funcionamento desse equipamento [...].

Corroborando o fato de inexistirem exemplares da arma não-letal no espaço então inaugurado, o Comandante-Geral da Brigada Militar, Coronel Feoli, disse:

Testemunha - Comandante Cel. Feoli: Nós tínhamos dois momentos distintos na mesma solenidade. A primeira a entrega das primeiras trezentas câmaras corporais que a instituição passou a utilizar e mais a entrega simbólica de mil e cem armas de incapacitação neuromuscular, as populares teasers. E depois, na sequência, a inauguração, a instalação de um espaço de atendimento do 190.

       Em suma, o propalado objetivo da ida da representada ao local, limitado à questão do armamento não-letal, poderia ser confirmado pela apresentação do conteúdo digital produzido no vídeo gravado em frente ao local às 18h23 daquele dia, ônus que era seu, na medida em que alega fato impeditivo ao direito do representante ao sustentar que sua presença possuiu finalidade outra que não a alegada na vestibular.

Todavia, o teor desse vídeo não aportou ao feito, o que frustra por completo a expectativa da representada de fazer valer sua tese no ponto, não podendo, assim, admitir-se a leitura de um comparecimento meramente colateral na inauguração.

Ademais, não há como qualificar o comparecimento como “episódico e silencioso”. A leitura conjugada dos elementos probatórios afasta a subsunção do caso aos paradigmas em que a sentença a quo se utilizou para reputar desproporcional a cassação pela mera presença discreta da então candidata.

Ainda que se reconheça que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral admita a “aplicação do princípio da proporcionalidade na representação por conduta vedada descrita no art. 77 da Lei n. 9.504/97, para afastar a sanção de cassação do diploma, quando a presença do candidato em inauguração de obra pública ocorre de forma discreta e sem participação ativa no evento, pois não resulta na quebra da igualdade de chances entre os concorrentes na disputa eleitoral” (TSE - REspEl: n. 06006987020206020040 PIRANHAS - AL 060069870, Relator.: Kassio Nunes Marques, Data de Julgamento: 22.10.2024, Data de Publicação: Diário de Justiça Eletrônico - DJe 191, data 24.10.2024), tenho não ser este o caso dos autos.

Na hipótese em apreço, a moldura fática é diversa. Não se cuida de candidata que, por brevíssimo lapso, comparece a evento público sem qualquer menção, interação ou identificação com a obra. A recorrida: (a) teve posição de destaque, dentre as principais autoridades presentes; (b) foi formalmente apresentada pelo cerimonial; (c) recebeu menção nominal e destaque por sua identidade com o tema do evento pelo Chefe do Executivo Estadual; (d) era a única vereadora presente; e (e) esteve acompanhada de militância que, no mesmo contexto, realizava panfletagem com sua propaganda na área externa do imóvel.

Sobre esse último ponto, o Governador do Estado, Eduardo Leite, confirmou que percebeu a presença de militantes identificados e portando material de campanha da então candidata NÁDIA:

“Governador Eduardo Leite: Fora do evento, tenho a lembrança de ter visto pessoas com identificação da campanha da vereadora Comandante Nádia. Não me recordo de ter visto distribuindo material de campanha. Vi pessoas com identificação da campanha eleitoral, mas não me lembro de ter visto, pelo menos, distribuição de material de campanha.

A alegação defensiva de que teria acontecido panfletagem em “área externa” e desvinculada da recorrida não merece acolhida. Primeiro, porque o tipo em questão não se restringe ao interior da edificação inaugurada, abrangendo o ato de inauguração como evento público em sua integralidade. Segundo, porque a convergência temporal e espacial entre a inauguração, a presença da candidata como autoridade e a ação de sua equipe de campanha revela um único contexto comunicacional, percebido assim pelo potencial eleitor.

Ademais, o já citado art. 77 da Lei das Eleições não exige, para a configuração da conduta vedada, a demonstração de panfletagem ou de pedidos explícitos de votos pelo candidato. Aqui, a presença de militância organizada, identificada visualmente com a campanha da recorrida e atuando em ambiente imediata e fisicamente ligado à solenidade reforça o caráter eleitoral do comparecimento e evidencia o uso estratégico do evento para promoção da candidatura.

 

4. Do abuso de poder político ou de autoridade

Os recorrentes pleiteiam, ainda, o reconhecimento de abuso de poder político ou de autoridade, na forma do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 e da Resolução TSE n. 23.735/24.

A prática de conduta vedada pode, em tese, também caracterizar abuso de poder, quando a gravidade dos fatos transcende o núcleo formal do ilícito e atinge a normalidade e legitimidade do pleito em dimensão especialmente intensa, visto que nos termos do art. 22, inc. XVI, da LC 64/90, “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.

No caso concreto, todavia, embora a conduta tenha se mostrado suficientemente grave para ensejar a reprimenda prevista no art. 77 da Lei das Eleições e seja possível extrair do conjunto probatório o parâmetro de gravidade qualitativa de abuso de Poder Estatal instituído à recorrida quando utilizou-se de sua prerrogativa de parlamentar para desfrutar de posição de destaque na inauguração de espaço público, não vislumbro gravidade quantitativa na conduta para ensejar o reconhecimento da abusividade, como entendido pela jurisprudência do TSE (AgR-AREspE n. 0600348-92, rel. Min. André Mendonça, DJe de 14.10.2025).

Trata-se de episódio único, ainda que cometido em momento sensível do processo eleitoral, e circunscrito a um evento específico, sem demonstração robusta de exposição do aludido comparecimento no restante da campanha eleitoral.

Nessa linha, a jurisprudência do TSE assevera que a “A procedência da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) exige provas robustas da ocorrência e da gravidade dos ilícitos nela descritos” (TSE - REspEl: n. 060050819 CAMPO GRANDE - MS, Relator.: Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 06.10.2022, Data de Publicação: 24.10.2022).

Portanto, em linha com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, tenho por não cumprida a exigência da prova inequívoca para a configuração do ato como abusivo, devendo ser mantida a sentença de improcedência da AIJE nesse particular.

Assim, tenho que os recursos comportam parcial provimento, no ponto relativo ao reconhecimento da conduta vedada e à cassação do diploma, mantendo-se a sentença quanto à rejeição do abuso de poder político.

 

5. Da natureza e extensão das sanções cabíveis

Uma vez reconhecida a prática da conduta vedada do art. 77 da Lei n. 9.504/97, a própria norma define, como sanção, a cassação do registro ou do diploma. No caso, já superada a fase do registro e tendo a recorrida sido eleita e diplomada, a penalidade adequada é a cassação do diploma para o cargo de vereadora.

Dadas as peculiaridades já analisadas – proximidade temporal do pleito, relevância da obra inaugurada, posição institucional da recorrida no evento, participação de militância e intensa carga simbólica da solenidade na área temática central de sua atuação –, entendo que o episódio excede, e muito, os limites fáticos dos precedentes em que se afastou a cassação por mera presença discreta.

Assim, afasto a incidência do princípio da proporcionalidade como fator apto a neutralizar a sanção prevista em lei, concluindo pela necessidade de cassação do diploma da recorrida.

Quanto ao pedido de aplicação de multa, razão assiste, neste ponto, à recorrida: não há, no art. 77 da Lei n. 9.504/97, previsão de sanção pecuniária autônoma, mas apenas de cassação do registro ou diploma.

Logo, o recurso não comporta acolhimento nesse tópico, devendo ser indeferido o pleito de multa.

 

CONCLUSÃO

Concluindo, reconheço que NÁDIA RODRIGUES SILVEIRA GERHARD praticou a conduta vedada prevista no art. 77 da Lei n. 9.504/97 (Lei das Eleições), ao comparecer, de forma ostensiva, na condição de agente pública e candidata à reeleição, desfrutando de posição de destaque e acompanhada de militância política, à inauguração do Centro de Operações da Brigada Militar, realizada em 30.9.2024.

Diante do exposto, VOTO por, preliminarmente, reconhecer a ilegitimidade ad causam do Diretório Municipal do PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE – PSOL de Porto Alegre e, no mérito, DAR PARCIAL PROVIMENTO aos recursos interpostos para RECONHECER A PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA, prevista no art. 77 da Lei n. 9.504/97, por NÁDIA RODRIGUES SILVEIRA GERHARD e:

a) CASSAR o diploma conferido à recorrida para o cargo de vereadora do Município de Porto Alegre/RS nas Eleições de 2024;

b) DETERMINAR que, após o julgamento de eventuais embargos de declaração opostos ao presente acórdão ou esgotada a instância ordinária, comunique-se o Juízo respetivo para que adote as providências necessárias à anulação dos votos atribuídos à recorrida, com o consequente recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.