REl - 0600001-07.2025.6.21.0085 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2025 às 16:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, o Partido Social Democrático – PSD de Arroio do Sal recorre contra a sentença que extinguiu, sem resolução do mérito, a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) ajuizada em desfavor dos candidatos eleitos ao cargo de Prefeito e Vice-Prefeito do Município de Arroio do Sal/RS, sob o fundamento de litispendência com a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) n. 0600978-33.2024.6.21.0085, ainda em tramitação.

Assim, a controvérsia posta à apreciação deste Tribunal cinge-se à verificação da ocorrência de litispendência entre a AIME ora recorrida e a AIJE n. 0600978-33.2024.6.21.0085, que atualmente se encontra em fase recursal.

A jurisprudência superou o antigo entendimento de que não existe litispendência ou coisa julgada entre AIJE e AIME, “o entendimento tradicional na jurisprudência é no sentido de que não existe litispendência ou coisa julgada entre AIJE e AIME, “por se tratarem de demandas com causas de pedir e objetos distintos” (TSE, REspe n. 2-54/SC, Relator: Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 11.11.2014).

Atualmente, prevalece no TSE a possibilidade de reconhecimento de litispendência e coisa julgada entre AIJE e AIME quando há identidade entre a relação jurídica-base das demandas, o que deve ser apurado a partir do contexto fático–jurídico do caso concreto, ainda que não haja perfeita coincidência entre os polos ativos. Nesse sentido:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO . VICE–PREFEITO. VEREADOR. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE) . IDENTIDADE. FATOS. PROVAS. PARTES . LITISPENDÊNCIA. RECONHECIMENTO. PROVIMENTO.

1 . No decisum monocrático, anulou–se aresto do TRE/PI, por meio do qual se reconhecera a litispendência entre a AIME 1–43 (objeto dos presentes autos) e a AIJE 554–27, determinando–se o retorno do feito à origem para regular processamento.

2. A litispendência caracteriza–se quanto há duas ou mais ações em curso com as mesmas partes, causa de pedir e pedido, hipótese que gera a extinção do segundo processo sem exame de mérito (arts. 337, §§ 1º e 2º e 485, V, do CPC/2015) . Trata–se de instrumento que prestigia a segurança jurídica, bem como a economia, a celeridade, a racionalidade e a organicidade da sistemática processual, evitando o manejo de inúmeras demandas que conduziriam ao mesmo resultado.

3. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, "[a] litispendência entre feitos eleitorais pode ser reconhecida quando há identidade entre a relação jurídica–base das demandas, o que deve ser apurado a partir do contexto fático–jurídico do caso concreto" (RO–El 0601403–89/AC, Rel. Min . Edson Fachin, DJE de 4/12/2020).

4. Na espécie, verifica–se inequívoca identidade entre a AIME 1–43 e a AIJE 554–27, circunstância que leva ao reconhecimento da litispendência da primeira em relação à segunda, pois se extrai da moldura do aresto regional que: a) ambas possuem a mesma base fática e probatória; b) há coincidência do polo ativo e, no tocante ao polo passivo, o da AIJE é mais extenso; c) a procedência dos pedidos na AIJE poderá acarretar, além da perda dos diplomas, a sanção de inelegibilidade, inexistindo nenhum efeito prático no prosseguimento da AIME.

 5 . Agravo interno provido para, sucessivamente, negar provimento ao recurso especial e manter, por conseguinte, a extinção da AIME 1–43 sem exame de mérito (art. 485, V, do CPC/2015) diante da litispendência.

(TSE - REspEl: 06005333620196180000 SÃO RAIMUNDO NONATO - PI 060053336, Relator.: Min. Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 15/04/2021, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 78) (Grifei.)

 

O posicionamento foi recentemente acolhido nesta Corte Regional, nos termos da seguinte ementa:

DIREITO ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. EXISTÊNCIA DE AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE) ANTERIOR. LITISPENDÊNCIA CONFIGURADA. RECURSO DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME

1.1. Recurso interposto contra sentença que extinguiu, sem resolução do mérito, Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME, ajuizada para apuração de fraude à cota de gênero, diante da não substituição de candidata falecida.

1.2. A extinção foi fundamentada na existência de Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE anterior, com mesmas partes, causa de pedir e provas.

1.3. A recorrente sustenta que AIJE e AIME possuem natureza jurídica e finalidade distintas e, por isso, não configurariam litispendência.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

2.1. A questão em discussão consiste em saber se há litispendência entre AIJE e AIME, quando ambas se fundamentam nos mesmos fatos, causas de pedir e provas.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. O CPC cuida da continência: "Art. 56. Dá-se a continência entre 2 (duas) ou mais ações quando houver identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser mais amplo, abrange o das demais. Art. 57. Quando houver continência e a ação continente tiver sido proposta anteriormente, no processo relativo à ação contida será proferida sentença sem resolução de mérito, caso contrário, as ações serão necessariamente reunidas".

3.2. No caso dos autos, a litispendência é parcial, configurando, tecnicamente, continência, pois há identidade de partes e de causa de pedir e o pedido de uma das ações (AIJE: cassação do registro e do diploma e inelegibilidade) abarca o pedido da outra (AIME: cassação).

3.3. O reconhecimento da continência leva à extinção do processo sem julgamento de mérito, nos termos dos arts. 57 e 485, inc. V, do CPC, razão pela qual deve ser mantida a sentença prolatada.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: "Há continência entre Ação de Investigação Judicial Eleitoral e a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo quando as partes e a causa de pedir são as mesmas e o pedido da AIJE abrange o da AIME."

Dispositivos relevantes citados: CF/88, art. 14, § 10; Lei Complementar n. 64/90, art. 22; 96-B na Lei n. 9.504/97; CPC, arts. 56, 57 e 485, inc. V e art. 337, § 3º.

Jurisprudência relevante citada: TSE, REspe n. 3-48/MS, Rel. Min. Henrique Neves, j. 12.11.2015; TSE, REspEl n. 060053336/PI, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 15.4.2021; TRE-PI, RE n. 060176520/PI, Rel. Des. Erivan José Da Silva Lopes, j. 21.7.2020.

RECURSO ELEITORAL nº060000151, Acórdão, Relator Des. Leandro Paulsen, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 29/09/2025. (Grifei.)

 

A análise dos elementos constantes dos autos revela, com clareza, a existência de identidade substancial entre a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) anteriormente ajuizada. Ambas as demandas versam sobre os mesmos fatos, quais sejam, a alegada prática de abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio por parte dos candidatos eleitos ao cargo de prefeito e vice-prefeito do Município de Arroio do Sal, mediante a compra de votos por meio de transferências bancárias (PIX), entrega de cestas básicas e dinheiro em espécie.

Além da coincidência fática, observa-se que as provas indicadas na AIME são, em sua maioria, aquelas já produzidas ou requeridas na AIJE, inclusive com pedido expresso de utilização de prova emprestada.

O pedido formulado na AIME consiste na cassação dos diplomas e dos mandatos eletivos dos recorridos, enquanto na AIJE se pleiteia, além da cassação do registro e do diploma, a declaração de inelegibilidade dos investigados.

Nesse contexto, embora a sentença tenha reconhecido a litispendência, é tecnicamente mais adequado afirmar que se trata de hipótese de continência, nos termos do art. 56 do Código de Processo Civil, uma vez que há identidade de partes e de causa de pedir, sendo que o pedido formulado na AIJE abrange integralmente o objeto da AIME.

A AIJE, portanto, possui maior amplitude, pois contempla não apenas a cassação dos mandatos, mas também a imposição da sanção de inelegibilidade a todos que concorreram para o ilícito, ainda que não sejam candidatos, enquanto a AIME se limita à cassação dos diplomas e mandatos.

No que tange à composição das partes, verifica-se que o polo passivo é substancialmente o mesmo, sendo que a única diferença reside na exclusão de um terceiro (Marcos Vinícius de Souza Viana), considerado parte ilegítima na AIME não ostentar a qualidade de candidato diplomado.

Quanto ao polo ativo, embora haja uma divergência formal, uma vez que o PSD figura como autor na AIME e a Federação PSDB-Cidadania é a parte investigante na AIJE, tal distinção não se mostra suficiente para afastar a configuração da litispendência, uma vez que ambos os partidos integraram a mesma coligação eleitoral (“Arroio do Sal para Todos”) e, portanto, compartilham o mesmo interesse jurídico na impugnação dos mandatos ora questionados.

Conforme exposto, a jurisprudência do TSE evoluiu no sentido de reconhecer que, para fins de litispendência ou continência entre ações eleitorais, especialmente entre AIJE e AIME, deve-se considerar a identidade da relação jurídica-base das demandas, compreendida como a comunhão de fundamentos fáticos e jurídicos que sustentam os pedidos formulados.

Assim, a mera diferença formal entre os autores ou a extensão dos pedidos não afasta a incidência das regras processuais que visam evitar a duplicidade de ações sobre o mesmo objeto.

Dessa forma, a duplicidade de ações com idêntico objeto e fundamentos não apenas se revela juridicamente inadequada, como também contraria os princípios da celeridade processual, da economia e da segurança jurídica, que orientam a atuação da Justiça Eleitoral, especialmente em demandas que visam à cassação de mandatos eletivos.

Por fim, o recorrente sustenta que a AIME foi proposta como medida preventiva, diante do risco de extinção da AIJE por força de Mandado de Segurança impetrado pelos recorridos (Mandado de Segurança n. 0600552-82.2024.6.21.0000). Contudo, constata-se que o referido mandado de segurança foi denegado por este Tribunal e a AIJE n. 0600978-33.2024.6.21.0085 encontra-se em fase recursal após prolação de sentença de improcedência, não havendo qualquer indicativo de eventual extinção.

Portanto, não subsiste o argumento de risco de perecimento do direito, tampouco se justifica a duplicidade de ações com base em mera conjectura.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que extinguiu a ação sem julgamento de mérito com base no art. 485, inc. V, do Código de Processo Civil.