RecCrimEleit - 0600003-21.2025.6.21.0038 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2025 às 16:00

VOTO

Controverte-se nos autos a ocorrência da decadência.

Inicialmente, consigno que o feito foi recebido na Justiça Eleitoral após o declínio da competência pela 2ª Vara Judicial da Comarca de Rio Pardo.

No Boletim de Ocorrência (ID 46087291 – 11-13), e reafirmado na Queixa-Crime oferecida (ID 46087291 – 23-29), o fato criminoso teria ocorrido durante a propaganda eleitoral, no dia 10.9.2024,  foi assim descrito:

Lincon alerta a Querelante, pois afirma que o Querelado, entrou no bairro onde este mora para fazer campanha política (eleições 2024) – local conhecido como Parque São Jorge, no Município de Rio Pardo, acompanhado de outros companheiros de campanha e, estava mostrando o teor da mídia (vídeo) para as pessoas na rua e, em todas as casas que passou a visitar, acompanhado do seguinte discurso: - Vocês vão votar nessas 280 páginas? Ouçam o vídeo, elas roubaram dinheiro do munícipio de Rio Pardo. Vocês querem essas ladras pra nossa cidade? [...]

 

Segundo a queixa-crime, os documentos enviados, acompanhados com o aúdio:  - Vocês vão votar nessas 280 páginas? Ouçam o vídeo, elas roubaram dinheiro do munícipio de Rio Pardo. Vocês querem essas ladras pra nossa cidade? eram os seguintes: “primeiro documento se refere a um parecer emitido pelo Promotor de Justiça Mauro Lucio da Cunha Rockenbach, em 21 de maio de 2024, no período da enchente que assolou o Estado do Rio Grande do Sul, o qual foi extraído de dentro do Processo n. 5005930-74.2023.8.21.0024, que corre em Segredo de Justiça (nível 1), perante o Juízo da 2ª Vara Judicial da Comarca de Rio Pardo, corresponde a Ação Penal – Crime Geral. E o segundo arquivo, tem a ver com o Mandado de Intimação, n. 10061629781 (sigiloso), referente  ao processo supramencionado, ambos em nome da mãe da Querelante, JANE MARIA DA  CONCEIÇÃO FRANCO (mídia anexada aos autos, degravada pelo telefone celular da Querelante).”

Na queixa-crime a recorrente esclarece que sua mãe foi Secretária da Assistência Social, Trabalho e Cidadania no Município de Rio Pardo de 2017 a fevereiro de 2020. Após este período, foi eleita vereadora no Município de Rio Pardo, onde assumiu em 2021 até a presente data, concorrendo  nas Eleições de 2024 a uma cadeira na Câmara de Vereadores.

Conforme promoção ministerial de ID 46087291(36-38),  a descrição do fato delituoso permeia os tipos penais previstos nos arts. 324 e 325:

 

 

Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa.

Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa. (grifos acrescidos)

 

Pois bem.

No âmbito eleitoral, a persecução penal é, como regra, de ação pública, conforme preceitua o art. 355 do Código Eleitoral.

Nos delitos contra a honra previstos no Código Eleitoral, ou seja,  quando praticados “na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda” (tipos dos arts. 324 a 326 do CE), admite-se, por exceção, a ação penal privada subsidiária da pessoa ofendida:

 

[...] Crime eleitoral. Ação penal privada subsidiária. Garantia constitucional. Art. 5º, LIX, da Constituição Federal. Cabimento no âmbito da Justiça Eleitoral. Arts. 29 do Código de Processo Penal e 364 do Código Eleitoral. Ofensa. 1. A ação penal privada subsidiária à ação penal pública foi elevada à condição de garantia constitucional, prevista no art. 5º, LIX, da Constituição Federal, constituindo cláusula pétrea. 2. Na medida em que a própria Carta Magna não estabeleceu nenhuma restrição quanto à aplicação da ação penal privada subsidiária, nos processos relativos aos delitos previstos na legislação especial, deve ser ela admitida nas ações em que se apuram crimes eleitorais. 3. A queixa-crime em ação penal privada subsidiária somente pode ser aceita caso o representante do Ministério Público não tenha oferecido denúncia, requerido diligências ou solicitado o arquivamento de inquérito policial, no prazo legal. 4. Tem-se incabível a ação supletiva na hipótese em que o representante do Ministério Público postulou providência ao juiz, razão pela qual não se pode concluir pela sua inércia. [...]”

 

(TSE, Ac. de 14.8.2003 no REspe nº 21295, rel. Min. Fernando Neves.)

 

 

Ação penal privada subsidiária. Apuração. Crime eleitoral. 1. Conforme decidido pelo Tribunal no julgamento do Recurso Especial nº 21.295, a queixa-crime em ação penal privada subsidiária somente pode ser aceita caso o representante do Ministério Público não tenha oferecido denúncia, requerido diligências ou solicitado o arquivamento de inquérito policial, no prazo legal. 2. Dada a notícia de eventual delito, o Ministério Público requereu diligências objetivando a colheita de mais elementos necessários à elucidação dos fatos, não se evidenciando, portanto, inércia apta a ensejar a possibilidade de propositura de ação privada supletiva. [...]

 

(TSE, Ac. de 24.2.2011 nos ED-AI nº 181917, rel. Min. Arnaldo Versiani.)

 

Também essa a posição doutrinária de Rodrigo López Zilio (Manual de Direito Eleitoral, 2025, p. 983: “Em caso de inércia do Ministério Público Eleitoral, é admitida a ação penal privada subsidiária (art. 5º, inc. LIX, da CF). Por se tratar de previsão de cunho constitucional, não há como afastar a possibilidade de ação penal subsidiária da pública. Contudo, somente admite-se a ação privada em caso de desinteresse ou desídia do titular da ação penal, o que não se caracteriza quando houver diligências em andamento no expediente investigatório ou, ainda, pedido de arquivamento do feito. Daí que o mero decurso de prazo para o oferecimento da denúncia, por si só, não é causa suficiente para se admitir a ação penal privada subsidiária da pública. O TSE já assentou a ação penal privada subsidiária constitui cláusula pétrea e é aplicável “nas ações em que se apuram crimes eleitorais”, ressalvando que “a queixa-crime em ação penal privada subsidiária somente pode ser aceita caso o representante do Ministério Público não tenha oferecido denúncia, requerido diligências ou solicitado o arquivamento de inquérito policial, no prazo legal”, sendo “incabível a ação supletiva na hipótese em que o representante do Ministério Público postulou providência ao juiz, razão pela qual não se pode concluir pela sua inércia” (REspe n. 21.295/SP – j. 14.8.2003 – DJ 17.10.2003). Certo, porém, que o cabimento da ação penal subsidiária da pública, em determinado crimes eleitorais, encontra dificuldade prática, eis que, adverte Luiz Carlos dos Santos Gonçalves (2012, p. 161), como regra, “o ofendido é a própria sociedade, por se tratarem de crimes vagos, protetores da lisura e legitimidade do pleito.”

Na espécie, tenho que de fato o Ministério Público Eleitoral manteve-se efetivamente inerte diante do fato narrado, inclusive manifestando-se pelo indeferimento de pedido de quebra de sigilo telemático buscado pela ofendida (ID 46087309), sendo plenamente cabível o exercício da ação penal privada subsidiária pela ora Recorrente.

Contudo, por dicção expressa do art. 364 do Código Eleitoral, incidente a regra de que a procuração deve conter poderes especiais e menção ao fato criminoso (art. 44 do CPP), insanável quando o mandato hábil é apresentado após o prazo decadencial de seis meses (art. 38 do CPP).

Na espécie, a juíza de origem registrou que “o prazo de 6 meses para apresentação da procuração hábil não foi observado”, citando precedentes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e desta Corte, que peço vênia para transcrever:

APELAÇÃO CRIMINAL CONHECIDA COMO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. AÇÃO PENAL PRIVADA. DECADÊNCIA.PROCURAÇÃO COM PODERES ESPECIAIS.ART.44 DO CPP. REGULARIZAÇÃO ANTES DO PRAZO DECADENCIAL. INOCORRÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. I. CASO EM EXAME: 1. Recurso interposto contra sentença que rejeitou queixa-crime ajuizada pela parte autora em desfavor da parte ré, por suposta prática dos crimes de calúnia e difamação (arts. 138 e 139 do CP). A rejeição da inicial deu-se pela ausência de poderes especiais na procuração outorgada à procuradora signatária, o que resultou no reconhecimento da decadência do direito de ação e, por conseguinte, na extinção da punibilidade da parte ré. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: 2. A questão em discussão consiste em saber se a procuração apresentada com a queixa-crime atendia aos requisitos legais do art.44 do CPP e se seria possível sanar o vício após o decurso do prazo decadencial previsto no art.38 do CPP. III. RAZÕES DE DECIDIR: 3. O recurso, interposto sob a forma de apelação, foi conhecido como recurso em sentido estrito, com base no princípio da fungibilidade e em razão da divergência jurisprudencial sobre a adequação da via recursal em casos de rejeição da queixa. Cabível recurso em sentido estrito tanto contra a decisão que rejeita, quanto contra aquele que não recebe a denúncia ou a queixa. 4. No mérito, reconheceu-se que a procuração juntada não conferia poderes específicos para a propositura da ação penal privada, pois continha apenas cláusulas genéricas, o que viola o disposto no art.44 do CPP. Tal vício somente poderia ser sanado dentro do prazo decadencial de seis meses, tendo em vista que a procuração com poderes especiais é requisito legal e essencial para ajuizamento da queixa. 5. Tendo em vista que o prazo decadencial transcorreu antes de ser o vício sanado, correta a extinção da punibilidade. IV. DISPOSITIVO E TESE: IRRESIGNAÇÃO CONHECIDA COMO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RECURSO IMPROVIDO. Tese de julgamento: "1. A procuração com poderes especiais para ajuizamento de queixa-crime deve ser apresentada dentro do prazo decadencial, sob pena de extinção da punibilidade por decadência". V. JURISPRUDÊNCIA E LEIS RELEVANTES CITADAS: Dispositivos legais relevantes:CP, arts.107,IV, e 138 e 139; CPP, arts. 38, 44, 395, II, e 581, I. Jurisprudência relevante: TJRS, Recurso em Sentido Estrito, nº 50087263720208210026, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Andréia Nebenzahl de Oliveira, Julgado em: 28-03-2024. TJRS, Apelação-Crime, Nº 70076742139, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em: 28-03-2018(Apelação Criminal, Nº 50026309620238210156, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: David Medina da Silva, Julgado em: 22-05-2025). (grifo nosso)

 

Recurso criminoso. Procedência de denúncia por alegada prática de difamação eleitoral, caracterizando o ilícito previsto no art. 325 do Código Eleitoral. Referências ofensivas a candidatos durante diálogo no programa de mensagens instantâneas do MSN. Não evidenciada a especificamente eleitoral na conduta impugnada, restrita à argumentação política com um único interlocutor. Fatos narrados configurados, em tese, do delito analógico do direito comum, devem ser processados mediante ação penal privada. Extinção da punibilidade por decadência do direito de reclamação ou representação, nos termos do art.107, IV, do Código Penal. Provimento.” (RC n.º 55. Acórdão CRISSIUMAL/RS. Relatora: Des. DRA. LÚCIA LIEBLING KOPITTKE. J. 18/05/2010.

 

A própria recorrente admite que o vício foi apontado na Justiça Eleitoral e sanado apenas em 24.4.2025 (ID 46087304), ou seja, após o decurso do prazo contado do conhecimento da autoria (10 de setembro de 2024), circunstância que manteve hígida a conclusão pela decadência na origem .

Rejeito, pois, a tese de que a remessa entre as jurisdições comum e especial  impediria a incidência da decadência. A movimentação por declínio não suspende nem interrompe prazo decadencial de direito material e, tampouco, “convalida” a ausência de mandato idôneo.

A solução da origem também se harmoniza igualmente com decisão do Supremo Tribunal Federal nos seguintes termos:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL PRIVADA. AUSÊNCIA DE MENÇÃO AO FATO CRIMINOSO NA PROCURAÇÃO. DECADÊNCIA . FALTA DE ANIMUS INJURIANDI. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA. 1. O instrumento de mandato que se refere somente a “crime de injúria”, sem especificar minimamente as circunstâncias do fato criminoso, não preenche os requisitos do art . 44 do CPP. 2. Diante da ausência de regularização do defeito do mandato dentro do prazo de seis meses, ocorreu a consumação do prazo decadencial, nos termos do art. 38 do CPP . 3. De todo modo, no caso concreto, em que as declarações foram proferidas por membro do Ministério Público como resposta a críticas institucionais feitas pelo querelante, não restou caracterizado o animus injuriandi. 4. Declarada a extinção da punibilidade pela decadência ( CP, art . 107, IV). Alternativamente, rejeitada a queixa-crime por ausência de justa causa ( CPP, art. 395, III).

 

(STF - AO: 2483 PA 0034679-73 .2019.1.00.0000, Relator.: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 22/03/2021, Primeira Turma, Data de Publicação: 30/03/2021) (grifo nosso)

 

Desse modo, mantém-se a extinção da punibilidade pela decadência, nos termos do art. 107, inc. IV, Código Penal, arts. 38 e 44 do Código de Processo Penal e art. 364 do Código Eleitoral)

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, ao efeito de  manter a sentença que declarou extinta a punibilidade do recorrido pela decadência (art. 107, inc. IV, Código Penal).