REl - 0600283-58.2024.6.21.0092 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2025 às 16:00

VOTO

 

1. Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

2. Das Preliminares

2.1. Da Ilegitimidade Passiva de Valdemar de Almeida

O juízo de origem extinguiu o feito, sem julgamento do mérito, quanto ao representado Valdemar de Almeida, por entender que apenas candidatos possuem legitimidade para responder à representação eleitoral fundada no art. 41-A da Lei das Eleições.

De seu turno, os recorrentes invocam a doutrina de José Jairo Gome e Rodrigo López Zilio para defender que terceiros não candidatos são parte legítima para responder à representação por captação ilícita de sufrágio.

Embora o tema seja controvertido na doutrina, no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral prevalece o entendimento de que a sanção prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 não pode atingir quem não concorreu ao pleito, por expressa previsão legal:

ELEIÇÕES 2022. RECURSOS ORDINÁRIOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DO PODER ECONÔMICO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. JULGAMENTO CONJUNTO. RECURSOS DO CANDIDATO INVESTIGADO (AIJE e RP) E DOS DEMAIS ENVOLVIDOS (AIJE). PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS NA ORIGEM. GRAVIDADE DA CONDUTA. ANUÊNCIA EVIDENCIADA. ELEMENTOS DE PROVA UNÍSSONOS NO SENTIDO DA PRÁTICA DO ILÍCITO ELEITORAL. TRANSPORTE IRREGULAR DE ELEITORES. NEGATIVA DE PROVIMENTO. RECURSO DOS NÃO CANDIDATOS (RP). NÃO ADMISSÃO. ILEGITIMIDADE DO TERCEIRO NÃO CANDIDATO PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO DA REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. NÃO CONHECIMENTO. [...]. O TRE/AP reconheceu, de ofício, a ilegitimidade passiva dos recorrentes Eduardo Renary Silva Ferreira e Julison Pinho Pereira, para figurarem no polo passivo da representação especial, já que, na linha de entendimento desta Corte Superior "Somente o candidato possui legitimidade para figurar no polo passivo de representação fundada no art. 41-A da Lei n° 9.504/97 [...]" (RO n° 1334-25, Rei. Min. Luciana Lóssio, DJE 6.3.2017). Ilegitimidade recursal. Recurso não conhecido. [...].

Recurso Ordinário Eleitoral nº060165766, Acórdão, Relator(a) Min. André Mendonça, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 04/02/2025. (Grifei.)

 

Na mesma linha, este Tribunal Regional recentemente reafirmou o posicionamento de que “somente candidatos podem responder por captação ilícita de sufrágio, não havendo legitimidade passiva de terceiros não candidatos” (Recurso Eleitoral n. 0600352-05, Acórdão, Relatora: Dr. Caroline Agostini Veiga, Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, 24.10.2025).

Logo, está correta a extinção do feito em relação a Valdemar de Almeida, terceiro não candidato, razão pela qual rejeito a preliminar.

2.2. Da Preliminar de Cerceamento de Defesa

Os recorrentes defendem que “as gravações das audiências estão comprometidas de modo que não se compreende a integralidade do depoimento prestado pelas testemunhas Alessandra, Cleiton e Deomar”. Alegam que nos vídeos dos depoimentos citados existem interrupções e trechos inaudíveis, requerendo a renovação da oitiva das testemunhas em que se encontram falhas nas gravações.

Embora se constate que, de fato, as gravações apresentam áudio de baixa qualidade, com interrupções e curtos trechos de difícil entendimento, julgo que não há comprometimento absoluto da prova.

Na sentença, o Magistrado que presidiu a solenidade anotou que, “no que se refere às ‘interrupções no vídeo’ mencionadas, percebe-se que foram momentos em que este magistrado notou a instabilidade da conexão e aguardou a normalização para autorizar o reinício da inquirição”. Logo, as supressões decorreram de instabilidade momentânea na conexão, tendo sido retomada a inquirição após normalização, sem comprometimento substancial do ato.

De seu turno, a alegação recursal está deduzida de forma genérica, porque, embora os recorrentes tenham apontado trechos inaudíveis e interrupções, não lograram correlacioná-los a pontos relevantes para a tese autoral, tampouco explicitaram quais informações essenciais deixaram de ser captadas e que poderiam alterar o convencimento do juízo.

Assim, não há indicação de prejuízo efetivo ao exercício do contraditório, pois as partes produziram as transcrições dos pontos de interesse e as utilizaram em suas manifestações, assim como o Ministério Público Eleitoral e a sentença.

Dessa forma, a insurgência não individualiza o dano processual nem demonstra a imprescindibilidade da renovação das oitivas, restringindo-se a alegações abstratas sobre falhas técnicas, o que não basta para caracterizar cerceamento de defesa.

Com essas considerações, rejeito a prefacial.

2.3. Da Preliminar de Ilicitude das Provas

Na sentença, o Juízo a quo considerou ilícitos os vídeos acostados com a petição inicial, contendo a exposição de conversas no aplicativo whatsapp, sob o fundamento de que tais dados “somente são admitidos como prova lícita quando há autorização voluntária de interlocutor da conversa (AgRg no HC 705.349 e HC 646.771), além da necessária autenticação dos arquivos utilizados”.

A decisão também teve por base o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 1.040.515 (Tema 979), em 26.4.2024, em que assentada a tese de que “são ilícitas as gravações ambientais clandestinas no âmbito do direito eleitoral, salvo se autorizadas judicialmente, ou realizadas em local aberto, desde que não haja qualquer controle de acesso”.

Os elementos de prova em questão consistem, essencialmente, na exposição de supostas mensagens que teriam sido trocadas entre os recorridos e eleitores.

Por sua vez, os recorrentes afirmam a validade das provas, em síntese, porque a eleitora Alessandra estava ciente da gravação e teria fornecido os diálogos de forma espontânea:

Quanto ao ID 126580226, não prospera a alegação de que a testemunha Alessandra não sabia que estava sendo gravada, tanto é que mostra à câmera que está gravando comprovante de pix informando ao demais interlocutores a ESCANCARADA compra de votos. No mesmo vídeo demonstra consentimento com a gravação e informa que irá enviar as conversas de whatsapp. Tal fato, afasta inclusive a ilicitude da prova sobre o vídeo de ID 126579947, porquanto Alessandra informa que enviará as conversas via whatsapp, tal como fez.

 

Com efeito, em recentes julgados, o TSE tem acolhido o entendimento de que “o compartilhamento voluntário de áudios por uma das interlocutoras retira a expectativa de privacidade, tornando a prova lícita” (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060094308/SE, Relator: Min. Antônio Carlos Ferreira, Acórdão de 27.6.2025, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico 121, data 06.8.2025) e, também que, “ao compartilhar mensagens, os interlocutores assumem o risco de sua posterior divulgação, afastando expectativa de confidencialidade. Ademais, o compartilhamento voluntário implica renúncia ao sigilo da comunicação, afastando a necessidade de autorização judicial para o uso como prova” (Recurso Especial Eleitoral 060094138/SE, Relatora designada: Min. Isabel Gallotti, Relator: Min. Raul Araújo Filho, Acórdão de 21.11.2024, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico 15, data 11.02.2025).

Nada obstante, no caso dos autos, com base nas mesmas razões expostas na sentença, tais gravações são imprestáveis como prova acusatória, uma vez que a própria eleitora Alessandra, quando ouvida em juízo (IDs 45962701 a 45962708), negou os fatos, disse que não consentiu com a produção da prova e infirmou a autenticidade das mensagens, consoante declarações bem sintetizadas no parecer ministerial em primeira instância (ID 45962760, fl. 12):

A testemunha ALESSANDRA RAMOS ORRIGO declarou que no período da campanha eleitoral esteve alguns dias na residência de sua avó, no Basílio, que não tinha conhecimento das estatísticas da eleição, que não participava de comícios, que não recebeu proposta financeira para votar em nenhum candidato, que foi procurada por Celemar Rodrigues, que lhe convidou para o comício do pila, mas que ela não foi por isso não sabe dizer qual o tema do comício, que assinou uma declaração sem ter ciência do conteúdo, alegou não ter entendido do que se tratava, sobre o vídeo em que mencionava o pix para seu esposo declarou ser resultado de uma montagem, que o marido é mecânico e realiza serviços para o Valdemar, e que na montagem saiu como compra de votos. Sobre um vídeo que lhe foi mostrado, negou ser de compra de votos, falou que foi a algumas jantas realizadas pelo Valdemar, que não tinha conhecimento de venda de votos, que ia só para jantar e participava apenas para saber das propostas, que veio de carona para audiência com Sr. Celemar, declarou que não vendeu voto e não recebeu proposta para compra de votos, alegou que assinou sem ler a declaração que estava com Jackson, pois estava sendo divulgado um vídeo modificado que ela aparecia e achou que isso lhe prejudicaria, que por essa razão assinou a declaração, não tinha conhecimento de quem fez a modificação no vídeo, sabe que no vídeo estava ela e o Jackson conversando, não sabe quem fez a declaração, que chegou pronta e ela assinou, sem conhecimento do teor da declaração, que realizou um boletim de ocorrência quando tomou conhecimento do vídeo no qual aparecia inclusive a imagem de seu filho de 3 anos de idade, que foi gravado sem o consentimento dela e do companheiro Cleiton, que os inúmeros valores de pix recebidos pelo esposo, foram para pagamentos de serviços de consertos em automóvel, que a primeira declaração ela realizou com intenção de ter uma proteção, porém após resolveu realizar o BO, após tomar consciência do ocorrido, ficando  bem incomodada com o fato da imagem do filho, aparecer  nítida no vídeo.

 

A corroborar a oitiva judicial, consta nos autos o Boletim de Ocorrência Policial comunicado por Alessandra e seu marido, no qual narram que (ID 45962674):

(...) assinaram uma declaração confirmando os fatos, cujo teor não lhes foi dado conhecimento, a pedido de Jackson Luis Campelo Xavier. Que foram filmados dando tais declarações sem conhecimento por Jackson Luis Campelo Xavier, candidato a prefeito. Que o filho de 03 anos dos comunicantes aparecem nas filmagens, sem autorização. Que não venderam votos e que receberam pix apenas por vendas de peças e serviços de mecânica prestados ao Sr. Valdemar. Que acreditam terem sido vítima de uma armação para prejudicar os candidatos eleitos.

 

Além disso, as mensagens em questão não tiveram a sua autenticidade confirmada por ata notarial, perícia ou por quaisquer outros meios capazes de atestar sua origem, tempo de produção ou a veracidade de seus conteúdos.

Assim, diante da ausência de demonstração inequívoca de consentimento para a produção da prova, da inexistência de autenticação dos arquivos e da fragilidade probatória evidenciada pelas contradições entre as mensagens e as declarações da testemunha Alessandra, rejeito da preliminar e mantenho o reconhecimento da ilicitude das gravações e mensagens anexadas à inicial.

3. Do Mérito

No mérito, os recorrentes alegam que houve um esquema estruturado de compra de votos, envolvendo candidatos da chapa majoritária eleita, Celso Vieira Silveira (prefeito) e Rodrigo Cáceres Dutra (vice-prefeito), bem como os candidatos a vereador Valter Rudi Lima e Davi Ricardo Nobre dos Santos, com participação ativa de Valdemar de Almeida, então subprefeito da localidade Basílio.

Segundo a narrativa, Valter teria atuado na arregimentação de pessoas para intermediar a compra de votos, enquanto Valdemar seria responsável pela distribuição de valores, inclusive por meio de transferências via PIX. Defendem que as declarações cartorárias e depoimentos mencionam pagamentos em espécie e por transferência bancária, com valores que variam entre R$ 100,00 e R$ 800,00, supostamente destinados a assegurar votos para a chapa majoritária e para candidatos proporcionais.

Em relação a Ladi Schumatz e Marlene dos Santos Rodrigues, marido e esposa, os recorrentes relatam que tais eleitores teriam votado nos candidatos Davi e Celso em cumprimento a acordo assumido com Valdemar de Almeida, em troca do pagamento do valor de R$ 500,00, consoante declarações unilaterais anexadas com a petição inicial (IDs 45962616 e 45962624).

Ouvidos em juízo, os eleitores confirmaram do conteúdo das declarações firmadas em tabelionato e esclareceram detalhes sobre a dinâmica dos fatos, consoante constou transcrito na sentença:

A testemunha LADI SCHUMATZ, arrolada pelos representantes, ouvida como informante em virtude de manter relação próxima de amizade com estes, relatou que recebeu proposta financeira de compra de votos feitas por Valdemar, que foi até a sua residência, momento que estava presente também a sua esposa, sendo ofertados para ela quinhentos reais para o beneficiamento do prefeito Celso e do vereador Davi. A entrega do dinheiro foi feita em espécie por Celemar, mandado por Valdemar, um dia antes da eleição. Tem conhecimento de que essa proposta foi oferecida para outras pessoas. Narra que o Valdemar informava que o prefeito Celso possuía vantagem nas pesquisas da eleição, o que não entende o motivo de na última semana ofertar verba para o público a troco de votos. Reconhece uma declaração assinada no cartório de Arroio Grande, não sabe quem fez o documento. Ao ser questionado sobre o motivo de ter assinado em Arroio Grande e não em Herval, esclareceu que quis assinar nesse cartório. Relata que realizou a assinatura da declaração para reparar o erro que fez ao aceitar o dinheiro.

 

A testemunha MARLENE DOS SANTOS RODRIGUES, arrolada pelos representantes, relatou que foi oferecida uma proposta financeira, feita por Valdemar na presença de Davi. Informa que foram até a sua casa oferecer dinheiro, sendo um montante de quatrocentos reais, para votar no Celso e no Davi, e que estava presente seu marido no momento da oferta. Expõe que pediu quinhentos reais e eles aceitaram a proposta. O pagamento foi feito com dinheiro em espécie, realizado três dias depois da oferta, sendo essa data um dia antes da eleição, entregue pelo seu irmão, Celemar, que informou que Valdemar havia lhe mandado. Sabe por comentários que é uma prática comum nessa região do Basílio. Afirma ter feito uma declaração em cartório, a reconhece e diz possui ciência do teor que esta nela. Comunica que nenhum outro candidato ofereceu dinheiro. Diz não ter participado de nenhum evento político. Sobre a declaração feita em cartório, em Arroio Grande, sabe que seu marido assinou uma semelhante, que foi feita no mesmo momento, redigida por Jackson. Narra que possuía algumas situações para realizar nessa cidade, por isso assinou no Cartório de Arroio Grande. Quando questionada, esclarece que Celso e Rodrigo não estiveram em sua casa. Possui pouca relação de vizinhança com Valdemar e Davi, e que foram a primeira vez em sua residência para oferecer dinheiro. Afirma ter errado em aceitar o dinheiro em troca do voto.

 

Ocorre que, sobre a existência de ato ilícito, tem-se tão somente as declarações dos eleitores Ladi e Marlene. 

Ressalta-se que Ladi foi ouvido como informante por haver confirmado, mais de uma vez, manter uma relação de amizade próxima e antiga com os representantes, “com todos eles”, “desde a primeira eleição”, “faz 16 anos” (ID 45962727), o que, por si, já fragiliza o valor probatório das declarações.

Além disso, o Magistrado da origem pontuou relevantes inconsistências e contradições nos relatos dos eleitores:

Inicialmente, Ladi afirmou que a oferta foi direcionada unicamente a sua esposa, contudo, Marlene afirma que Ladi estava ao seu lado quando da conversa havida. Marlene ainda afirma que Davi também estava presente na referida conversa, entretanto, a presença de Davi foi negada por Ladi. Ainda, os depoentes não souberam precisar ao certo a data do suposto pagamento, apresentando declarações inseguras quanto ao teor da prova, por vários momentos fazendo referência unicamente ao que já estava escrito, e por tantas outras buscando nos olhares dos representantes alguma resposta aos questionamentos realizados.

 

Destaca-se que, embora ambos os eleitores tenham dito que Celemar Rodrigues, irmão de Marlene, intermediou a entrega de valores, quando ouvido em juízo, Celemar negou o fato, disse que não entregou dinheiro em troca de votos para a sua irmã e que não foi à casa dela, pois eles não mantêm uma relação próxima em razão de problemas familiares de muitos anos, afirmando que se respeitam, mas não têm um vínculo (ID 45962710).

Nesse cenário, ausentes provas robustas e consistentes sobre os fatos imputados, não merece reparos a sentença recorrida quanto ao ponto. 

Relativamente a Alessandra Ramos Orrigo e Cleiton Alves Soares, conviventes, com a petição inicial, os representantes acostaram declarações firmadas pelos eleitores, nas quais afirmam que foram procurados por Valdemar de Almeida, que lhes ofereceu pagamentos em dinheiro em troca de votos em Celso Silveira, Rodrigo Dutra e Davi (IDs 45962619 e 45962620). Os pagamentos teriam sido realizados mediante transações bancárias diretamente da conta de Valdemar para a conta de Cleiton, no total de R$ 900,00 (R$ 500,00 + R$ 400,00), conforme comprovantes bancários anexados aos autos (IDs 45962617, 45962618 e 45962623), dos quais R$ 200,00 deveriam ser repassados à irmã de Cleiton para a mesma finalidade.

Ocorre que, em audiência judicial, Alessandra e Cleiton negaram a negociação de seus votos e afirmaram que os termos de declarações foram produzidos por Jackson Luiz Campelo Xavier e que assinaram os documentos sem plena compreensão do seu conteúdo, conforme reproduzo da sentença:

A testemunha ALESSANDRA RAMOS ORRIGO, arrolada pelos representantes, declarou que no período da campanha eleitoral esteve alguns dias na residência de sua avó, no Basílio, que não tinha conhecimento das estatísticas da eleição, que não participava de comícios, que não recebeu proposta financeira para votar em nenhum candidato, que foi procurada por Celemar Rodrigues, que lhe convidou para o comício do pila, mas que ela não foi, por isso não sabe dizer qual o tema do comício, que assinou uma declaração sem ter ciência do conteúdo, alegou não ter entendido do que se tratava, sobre o vídeo em que mencionava o pix para seu esposo, declarou ser resultado de uma montagem, que o marido é mecânico e realiza serviços para o Valdemar, e que na montagem saiu como compra de votos. Sobre um vídeo que lhe foi mostrado, negou ser de compra de votos, falou que foi a algumas jantas realizadas pelo Valdemar, que não tinha conhecimento de venda de votos, que ia só para jantar e participava apenas para saber das propostas, que veio de carona para audiência com Sr. Celemar, declarou que não vendeu voto e não recebeu proposta para compra de votos, alegou que assinou sem ler a declaração que estava com Jackson, pois estava sendo divulgado um vídeo modificado que ela aparecia e achou que isso lhe prejudicaria, que por essa razão assinou a declaração, não tinha conhecimento de quem fez a modificação no vídeo, sabe que no vídeo estava ela e o Jackson conversando, não sabe quem fez a declaração, que chegou pronta e ela assinou, sem conhecimento do teor da declaração, que realizou um boletim de ocorrência quando tomou conhecimento do vídeo no qual aparecia inclusive a imagem de seu filho de 3 anos de idade, que foi gravado sem o consentimento dela e do companheiro Cleiton, que os inúmeros valores de pix recebidos pelo esposo foram para pagamentos de serviços de consertos em automóvel, que a primeira declaração ela realizou com intenção de ter uma proteção, porém, após, resolveu realizar o BO, após tomar consciência do ocorrido, ficando bem incomodada com o fato da imagem do filho aparecer nítida no vídeo.

 

A testemunha CLEITON ALVES SOARES, arrolado pelos representantes e pelos representados, declarou que não recebeu nenhuma proposta financeira para votar em qualquer candidato, confirmou que assinou uma declaração, que não participou de nenhum ato de campanha política, nem mesmo carreata, confirmou que assinou uma declaração em cartório, porém afirmou não ter conhecimento do conteúdo da declaração, que não chegou a ler o documento e não lhe deram nenhuma cópia, que havia um advogado presente que lhe orientou a assinar o documento, que não sabe informar o nome do advogado, que foram juntos ao cartório porque foi gravado um vídeo sem sua autorização e, por essa razão, ele precisaria realizar a declaração para não ter problemas futuros, pois tinha medo de ser coagido ou receber ameaças, que conviveu vários anos com Valdemar, pois residia no mesmo assentamento, que recebeu pix como pagamento de alguns serviços que realizou para ele, que não possui nota fiscal, trabalha de forma informal, quando questionado sobre um valor de pix, relatou que reside em Pedro Osório, que seu carro estragou e pediu pagamento adiantado para comprar uma peça para seu carro para retornar e concluir o serviço, e que pessoalmente pediu apoio para ele e a esposa votar nele, mas que não recebeu para isso, que o pagamento que recebeu foi para pagamento de serviços realizados, que pagou um pouco em dinheiro, totalizando o valor em torno de R$ 400,00. Quando questionado sobre o áudio em que ele pede a Valdemar que, se puder ajudar a esposa também, alegou que a conversa não ocorreu tal qual está no áudio, que foi adulterada, que não compareceu no churrasco mencionado do vídeo, que o carro dele estava estragado, que no dia da eleição foi votar após o meio dia, que não tinha conhecimento de nenhuma especulação sobre o resultado das eleições no Basílio, que veio dar o depoimento de carona, com um amigo de apelido Deco. Reafirmou que não participou de compra e venda de votos, alegou ainda que o Jackson e o advogado desconhecido estavam juntos em Pedro Osório, quando ele e a esposa assinaram as declarações. Alegou que o Valdemar chegou a pedir apoio político nas eleições, mas não houve compra de votos, alegou que assinou a declaração porque o advogado mandou, que o Jackson estava junto, mas que ele não chegou a ler o documento, que não sabe o que houve e como o vídeo vazou, quando tomou conhecimento foi à delegacia de Herval e deu parte de que não tinha ciência da gravação e não autorizou a gravação da imagem do filho que aparecia no vídeo, Que conhece o Roberto Pavão de vista, mas não sabe dizer se ele assinou alguma declaração, declarou não conhecer o Sr. Valter, que o conheceu hoje, que o Davi é da comunidade do Basílio e foi candidato e Sr. Valdemar é conhecido porque é do assentamento, afirmou que nenhum deles fez proposta de compra de votos, que vota em Herval e atualmente reside em Pedro Osório, que trabalha de forma informal, por isso não tem como comprovar a relação dos pix recebidos na conta, confirmou que a esposa é parente do pessoal do PT, que pediram para a esposa mostrar o celular e ela mostrou o celular dele, embora a família fosse do PT eles estavam em conversa para votar e ajudar na votação, alegou que não é venda de voto. Quando inquirido, alegou que reconhecia a declaração como verdadeira, que é sua assinatura, mas alegou não reconhecer o que estava escrito, que pediu para ser ouvido sem a presença das partes por medo de ameaças a ele e a esposa, declarou não ter sido coagido no primeiro momento quando fez a declaração, assim como não foi coagido após, a fazer a denúncia contestando sua própria declaração.

 

Na oitiva judicial, Cleiton também asseverou que recebeu os pagamentos de Valdemar por serviços prestados, uma vez que trabalha como mecânico, mas não emitiu nota fiscal (ID 45962715).

Portanto, não havendo outras provas idôneas que corroborem a narrativa dos recorrentes, as diferentes versões dos fatos apresentadas por Cleiton e Alessandra tornam a prova bastante frágil e duvidosa, não sendo suficiente para embasar a condenação por captação ilícita de sufrágio.

No que concerne a Roberto Carlos Pavão Vieira, consta nos autos uma declaração com assinatura reconhecida em tabelionato, anexada à petição inicial, na qual a testemunha asseverou (ID 45962631):

(...) no dia 30/09/2024, fui procurado pelo Vereador VALTER RUDI LIMA, representando sua candidatura e a candidatura de Celso e Rodrigo oferecendo dinheiro pela compra de meu voto nas eleições do dia 06/10/2024 e para que eu comprasse outros votos para eles na minha região. Recebi um total de 1.800,00, entre dinheiro e pix, inclusive mandados por meu enteado Hiago da Rocha Morales.

 

Por outro lado, em seu depoimento judicial, Roberto disse não ser eleitor do Município de Herval, o que, de imediato, inviabiliza eventual caracterização de captação ilícita do seu voto. No entanto, confirmou ter sido procurado por Valter para intermediar a compra de votos, mas não soube explicar os motivos pelos quais fora escolhido para a tarefa, conforme declarações assim resumidas na sentença:

A testemunha ROBERTO CARLOS PAVÃO VIEIRA, arrolada pelos representantes, informou que se recordava de haver firmado uma declaração no Tabelionato de Herval, na qual declarava haver recebido dinheiro para trabalhar na compra de votos e que sabia de outras pessoas que também receberam, confirmando que participou na compra de votos do Município a mando do Valter e do Rodrigo. Que sua função era pegar o dinheiro para dar às pessoas em troca do voto, que deu o dinheiro para o enteado, Hiago da Rocha Morales, e sua esposa, Joseane Franciele Santos da Rocha. Alegou que Isabel Soares Vieira é vizinha, que mora próxima a sua residência. Afirma que recebeu R$ 1.800,00 para trabalhar na compra de votos, recebidos de Valter, entregue em mãos e através de pix, que com ele isso não ocorreu em outras eleições. Declarou que Isabel recebeu em mãos para compra de votos R$ 300,00, pago pelo Valter, na garagem de sua casa, que o restante o Celso e o Rodrigo levariam para a mãe dela, informou que reside no Basílio, que a estimativa prevista para aquela urna é que Jackson ganharia, que participou da compra de votos de duas pessoas e tem conhecimento de mais uma pessoa, Celemar Rodriguês, também recebeu pela compra de voto. Alegou que procurou o Sr. Jackson para redigir a declaração que ele assinou e reconheceu firma no cartório, declarou ainda, que o Sr. Valter não tinha conhecimento de que ele não votava em Herval, que o procurou para comprar o seu voto e encontrar mais pessoas para também realizar compra de votos. Quando inquirido sobre o fato de todas as pessoas supracitadas negarem ter recebido dinheiro pela venda de votos perante o MP, informando ter mensagens que comprovam sua afirmação, não sabe o porquê negaram, mas afirma que um dos pagamentos foi realizado na sua residência e que apenas presenciou a entrega do dinheiro para a Isabel, que tudo isso ocorreu antes de informar que ele não votava em Herval, tendo ocorrido no mesmo dia em que o Sr. Valter o procurou, afirmou que nunca havia trabalhado antes em eleição e jamais foi cabo eleitoral de ninguém, não sabendo dizer o porquê de haverem lhe procurado, afirmou ter participado de carreatas e comparecido a comícios, que a venda de votos ocorreu após o último comício, dia antes das eleições, que recebeu do Sr. Valter R$ 1.000,00 em mãos e uma familiar do Sr. Valter lhe enviou pix de R$ 800,00, que ele repassou para sua esposa e seu enteado, confirmou que mesmo não sendo eleitor de Herval concordou em fazer parte deste crime eleitoral, que estava ciente de que compra e venda de votos é crime, confessando ser autor de um delito criminal.

 

Novamente, o Magistrado da origem indicou diversas contradições e inconsistência nas diferentes manifestações prestadas por Roberto, conforme judiciosa análise que adoto como razões de decidir:

De imediato, necessário apontar que o depoente alterou a versão trazida na declaração escrita, onde dizia, inicialmente, que havia vendido o seu voto, além de ter sido aliciado para comprar outros votos na região. Ocorre que, após oitiva perante o Ministério Público e a confissão de que não era eleitor do Município de Herval, judicialmente trouxe a versão de que apenas trabalhou na compra dos votos da sua esposa e do seu enteado. Ainda, houve modificação na forma do recebimento dos valores, já que em juízo afirmou que recebeu R$ 1.000,00 em mãos e R$ 800,00 em pix, de modo diverso ao declarado por escrito. Salienta-se que o comprovante da transferência via pix, prova extremamente fácil de ser obtida, não foi juntado aos autos. Na mesma linha, aduz que comprou o voto da sua esposa Joseane e do seu enteado Hiago, pra este último fazendo o pagamento parcela em dinheiro e parcela em pix. Hiago ainda teria declarado que Maicon Almeida teria presenciado o recebimento de valores. Ocorre que as pessoas por ele mencionadas, que de fato são eleitores de Herval, não foram arroladas como testemunha pelos representantes. Estranha-se, também, o fato dos comprovantes de pagamento para Hiago não terem sido juntados aos autos, o que vem a corroborar com a conclusão adotada pelo órgão ministerial quando da oitiva destes naquela promotoria, quando afirmou que Hiago teria apresentado um comprovante de pix a Promotora Eleitoral no valor de R$ 50,00 (cinquenta reais), olvidando-se do fato de que a transferência era datada de 03/08/2024, período anterior ao registro de candidaturas.

 

Por fim, os demais eleitores mencionados por Roberto em suas declarações desmentiram integralmente o teor do seu conteúdo, tanto em sede ministerial quanto em sede judicial. Isabel não foi arrolada como testemunha. Já Celemar e Manoel, em depoimento judicial, negaram terem recebido qualquer valor ou vantagem em troca do voto, afirmando que pouco conhecem sobre Roberto Pavão, não sabendo o motivo pelo qual aquele os mencionou. Por fim, a testemunha Deomar afirmou que Hiago trabalhou para o Partido dos Trabalhadores nas Eleições Municipais de 2024, ora representantes, o que aduz interesse no resultado da presente demanda.

 

Assim, tem-se que as inúmeras contradições apontadas afetam sobremaneira a credibilidade do depoimento prestado, pouco sobrando - senão quase nada - de prova robusta apta a amparar a pretensão condenatória da Representação.

 

Dessa forma, a prova em relação ao tópico abarca apenas declarações de uma única testemunha, dotadas de importantes inconsistências e contestadas por outras declarações contidas nos autos, inviabilizando o provimento do recurso.

No tocante, a Hiago Rocha Morales, enteado de Roberto Carlos Pavão Vieira, a prova acostada resume-se a uma declaração extrajudicial, sem autenticação de assinatura, em que afirma ter recebido um fardo de cerveja e R$ 100,00 em troca do voto e diz “ter informações” a respeito de outros eleitores que teriam recebido valores “para compra de votos na região de Basílio” (ID 45962625).

Contudo, o eleitor não foi ouvido em juízo, inexistindo qualquer elemento de prova que corrobore a declaração unilateralmente apresentada pelos recorrentes.

Outrossim, de todo o acervo probatório, sobressai a ausência de provas hábeis e robustas quanto à ciência ou participação dos candidatos ora recorridos nos supostos fatos, indispensáveis para a incidência das sanções previstas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, que não podem ser presumidas apenas com base em eventual benefício eleitoral alcançado, uma vez que “mera afinidade política não implica automática ciência ou participação de candidato na prática do ilícito, sob pena de se transmudar a responsabilidade subjetiva em objetiva” (REspEl n. 11015, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 61, Data 07.4.2021).

Ladi Schumatz e Marlene dos Santos Rodrigues afirmam que Valdemar teria oferecido valores para votos em Celso e Davi, mas reconhecem que Celso e Rodrigo não estiveram em sua residência. Há, ainda, divergência sobre a presença ou não do candidato Davi na conversa, além de inconsistências quanto à data do pagamento.

Alessandra Ramos Orrigo e Cleiton Alves Soares, mesmo nas declarações extrajudicias, relatam tão somente a suposta atuação de Valdemar e Celemar, sem mencionar o envolvimento direto dos candidatos.

Roberto Carlos Pavão Vieira afirmou ter recebido R$ 1.800,00 para intermediar compra de votos “a mando de Valter e Rodrigo”, mencionando também Celso. Em juízo, porém, confessa não ser eleitor de Herval, altera a versão inicial e admite que não possui comprovantes das transferências. As pessoas citadas como beneficiárias negaram integralmente os fatos. Assim, a narrativa isolada, sem confirmação por outros meios, não atende ao padrão probatório exigido para a condenação.

Quanto a Hiago Rocha Morales, há a declaração extrajudicial, sem autenticação, em que afirma ter recebido valores de Celso e Rodrigo. Contudo, o único elemento material referido nos autos, que teria sido apresentado à Promotoria de Justiça Eleitora, consiste em uma transferência de R$ 50,00, de 3.8.2024, recebida de “Pecão” (ID 45962622), ou seja, em data anterior ao registro de candidaturas. Dessa forma, não está atendido sequer em tese o requisito temporal do ilícito, qual seja, a suposta negociação do voto “no período compreendido entre a data do registro de candidatura e a da eleição” (TRE-RS - REl n. 23-02; Relatora: Desembargadora Marilene Bonzanini, Data de Julgamento: 12.03.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 47, Data 15.03.2019, Página 3).

Portanto, em todos os depoimentos, a menção aos candidatos é indireta, contraditória ou desprovida de corroboração material. Não há prova documental idônea, perícia, ata notarial ou testemunho independente que confirme a participação ou anuência dos recorridos. A narrativa baseia-se em declarações isoladas, algumas retratadas em juízo, outras desacompanhadas de elementos mínimos de verificação.

Desse modo, diante da ausência de provas robustas e contundentes que demonstrem os requisitos objetivos e subjetivos do ilícito, deve ser mantida a sentença de improcedência da demanda em relação à imputação de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97).

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, mantendo-se o julgamento de improcedência da representação.