REl - 0600415-67.2024.6.21.0108 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2025 às 16:00

VOTO

Eminentes Colegas. 

1. Admissibilidade.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos, está a merecer conhecimento. 

2. Preliminares do recorrido.

Inicialmente, indico que os recorridos VOLMIR RODRIGUES, JOSE NESTOR DE OLIVEIRA BERNARDES, MIRIAM RAQUEL MORAES DA SILVA e NOELI MACHADO suscitam uma série de preliminares, itens "A" a "F". 

Contudo, nota-se, especialmente no relativo aos tópicos A, B, C e D (este último dividido em quatro subitens), que não se trata propriamente de questões prefaciais, mas sim de um conjunto de considerações diversas, algumas sob a ótica da conveniência processual, outras em relação ao ordenamento jurídico como um todo, lealdade entre as partes, segurança jurídica, estabilidade eleitoral. São invocados postulados de ordem genérica, inerentes não apenas ao caso sob exame, mas sim de observação ao longo de todo e qualquer processo pelas partes e pelos julgadores. 

Dito de outro modo, os temas trazidos no arrazoado prefacial são observados de ofício, e alguns sequer podem ser objeto de decisão: cito "sobrecarga do Poder Judiciário", circunstância que é, infelizmente, uma realidade. O sopesamento de tais fatores é intrínseco, inerente, repito, ao desfecho de toda e qualquer demanda. 

Restam, assim, apenas duas prefaciais: 

2.1. Invalidade da prova. Sem razão, pois as normas invocadas pelos recorridos como aqui exigíveis se relacionam, na realidade, à produção probatória em processos de propaganda eleitoral e de direito de resposta (arts. 17 e 32 da Res. TSE n. 23.608/19) de jaez bem diverso, portanto, da presente AIJE, e o mesmo vale para o também indicado art. 158-A do Código de Processo Penal, assim como de abordagem criminal é a doutrina apontada pelo recorrido.

Mesmo o precedente invocado desta Corte, Recurso Eleitoral n. 0600803-21.2020.6.21.0007, relator Des. El. Caetano Lo Pumo, j. 19.3.2024, não se presta ao caso posto, eis que lá indica ausência de ata notarial, documento presente nestes autos (ID 45932075), de forma que o caso posto merece distinguishing em relação ao alegado precedente.

Afasto.

  2.2. Inépcia da petição inicial. Não há inépcia da inicial quando a peça aborda os fatos sob as óticas do abuso de poder e da conduta vedada. Como adiante será exposto, esta é forma tipificada daquela e, não raro, alguns fatos podem realmente se confundir - aliás, no caso dos autos o recorrente (então demandante) atribuiu, vale dizer, as ilicitudes de forma devida e individualizada.

Afasto.  

3. MÉRITO.

COLIGAÇÃO RECONSTRUIR, MISSÃO DE TODOS e DIRETÓRIO MUNICIPAL PODEMOS – Comissão Provisória de Sapucaia do Sul  recorrem da decisão do juízo de origem que indeferiu a petição inicial, extinguindo a Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE proposta em desfavor de VOLMIR RODRIGUES, JOSE NESTOR DE OLIVEIRA BERNARDES, MIRIAM RAQUEL MORAES DA SILVA e NOELI MACHADO. 

Os fatos apontados pelos recorrentes versam sobre (i) a utilização, pelo recorrido VOLMIR RODRIGUES, com auxílio de RAQUEL DOS POSTO, do poder político e de autoridade para angariar votos mediante asfaltamento de todas as ruas do Loteamento Jardim América; (ii) utilização da assessoria de imprensa municipal em favor do candidato VOLMIR; e (iii) existência de relação direta entre a sindicância realizada na Fundação Hospitalar Getúlio Vargas e o "silenciamento dos indícios criminais" na gestão hospitalar.

Teço breves considerações sobre as figuras jurídicas invocadas. 

3.1. Abuso de poder e conduta vedada. 

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral tem por finalidade apurar o uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político. O sistema legislativo busca a proteção da normalidade e da legitimidade do pleito, bem como o resguardo da vontade do eleitor, para que não sejam elas alcançadas pela nefasta prática do abuso de poder. 

A Constituição Federal, art. 14, § 9º, dispõe: 

Art. 14. (…) § 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. 

 

E, para a configuração do abuso de poder, deve ser considerada a gravidade da conduta, sem a necessidade da demonstração de que o resultado das urnas fora – ou poderia ter sido - influenciado. Para a procedência da AIJE, exige-se a demonstração de gravidade do fato — um desvalor relevante de conduta. O Tribunal Superior Eleitoral exige, para a caracterização do abuso de poder, que a gravidade dos fatos seja comprovada de forma robusta e segura. É o que preconiza o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90: 

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou M Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (...)

Importante salientar que a gravidade das circunstâncias do abuso de poder não se confunde com o critério de alteração do resultado, já que pode ser proposta inclusive contra candidato não eleito, e pouco importa prescrutar aspectos psicológicos dos infratores – dolo ou culpa, por exemplo. Frederico ALVIM explica: 

[…] estamos com Gomes, quando afirma que o que importa é a demonstração objetiva da existência de abuso que comprometa de modo indelével as eleições. Além da especial importância dos bens jurídicos tutelados, nota o autor que tal responsabilização, além da aplicação de sanção, tem o sentido de prevenção geral, objetivando a defesa da ordem jurídico-eleitoral e a intimidação social, para desestimular a realização de condutas ilícitas. Reconhece-se que, como disse José Saramago,“o melhor guarda da vinha é o medo deque o guarda venha”. Nada que Foucault já não houvesse identificado(Frederico Franco Alvim.O abuso de poder político por omissão- Revista Jurídica do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. Nº VI (Maio2010/Maio2011) - Goiânia:TRE/GO,2011 ISSN 2177 – 4110p. 23) 

 

No campo dos precedentes, consigno: o Tribunal Superior Eleitoral indica ocorrência de abuso de poder político quando o agente público, "valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral, em benefício de candidatura própria ou de terceiros" - RO n. 172365-DF, Rel. Min Admar Gonzaga,DJe de 27.02.2018, bem como “a mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento”, conforme decidido no REspEl n. 0601779-05, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 11.3.2021. (grifei) 

Ademais, é certo que esta gravidade deve ser aferida sob uma ótica dúplice: o aspecto qualitativo (alto grau de reprovabilidade da conduta) e o aspecto quantitativo (sua significativa repercussão para influenciar o equilíbrio da disputa). 

Por oportuna, registro a posição de Rodrigo López ZILIO: 

O relevante, in casu, é a demonstração é a demonstração de que o fato teve gravidade suficiente para violar o bem jurídico que é tutelado, qual seja, a legitimidade e a normalidade das eleições. Vale dizer, é bastante claro que a gravidade como critério de aferição do abuso de poder apresenta uma característica de correlação com o pleito, ou seja, tem-se por necessário examinar o fato imputado como abuso de poder e perscrutar a sua relação com a eleição, ainda que essa análise não seja realizada sob um aspecto puramente matemático. (Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: JusPodivm, 10ª ed. 2024, p. 756). 

 

Com tal sistemática - que pode ser denominada "gradiente da gravidade" - a lupa do julgador passou a examinar as circunstâncias do ato tido como abusivo - quem, quando, como, onde, por que - com o fito de avaliar diversos fatores, dentre os quais a existência de repercussão na legitimidade e normalidade das eleições e o grau de reprovabilidade da conduta sob o ponto de vista social, em exame do meio fático e do meio normativo sob aspectos quantitativos e qualitativos (novamente ALVIM, Frederico, in Abuso de Poder nas competições eleitorais. Curitiba, Juruá Editora, 2019). 

Nessa ordem de ideias, a análise da gravidade se trata de uma questão de ser "menos" ou "mais", e não um dilema dual, binário de"ser" ou "não ser".Especificamente no que toca ao abuso de poder político, trago trecho da obra de Luiz Carlos dos Santos GONÇALVES, que em elegante pena bem sintetiza a moderna faceta dessa modalidade de abuso: 

Todo o abuso de poder de autoridade envolve um mau uso de recursos públicos, que por disposição constitucional devem ser utilizados com igualdade, eficiência, economicidade, impessoalidade e transparência. Não é sem razão que esses abusos eleitorais consistem, concomitantemente, em atos de improbidade administrativa”. (Ações Eleitorais, São Paulo: Publique Edições, 2ª ed. 2024, p. 171). 

Por seu turno, e o recorte conceitual é de alta relevância, a legislação de regência concernente às condutas vedadas visa a tutelar o bem jurídico da isonomia entre os concorrentes ao pleito. Já há algum tempo, o Tribunal Superior Eleitoral tem como pacífico que as hipóteses relativas às condutas vedadas são objetivas, taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (REspEle n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira, julgado em 26.10.2004), bem como “nas condutas vedadas previstas nos arts. 73 a 78 da Lei das Eleições imperam os princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei” (Respe n. 626-30/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 04.02.2016, bem como o AgR-REspe n. 1196-53, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 12.9.2016, e o AgR-REspe n. 0600456-50/SE, Rel. Min. Carlos Horbach, DJe de 06.6.2022. 

Na seara do entendimento doutrinário, o abuso de poder político é gênero e as condutas vedadas são espécies. Trago, como lição inicial, a noção de Frederico Franco Alvim: 

Há que se diferenciar, ainda, o abuso de poder político das condutas vedadas aos agentes públicos, como fazem com acuidade Luciano Sato e Sérgio de Souza, a partir da análise dos diferentes bens jurídicos protegidos. Percebem os autores que as condutas constantes dos arts. 73 e ss. da lei 9.504/97 são vedadas aos agentes públicos com o objetivo de tutelar a igualdade de oportunidade entre os candidatos, ao passo que o combate a abuso do poder político, constante do art. 14, §9º, da Constituição Federal, pretende tutelar a normalidade e a legitimidade das eleições (Frederico Franco Alvim. O abuso de poder político por omissão- Revista Jurídica do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. Nº VI (Maio2010/Maio2011) - Goiânia: TRE/GO,2011 ISSN 2177 – 4110, p. 21) 

José Jairo GOMES vaticina, com precisão, que "a conduta vedada traduz a ocorrência de ato ilícito eleitoral. Uma vez caracterizada, com a concretização de seus elementos, impõe-se a responsabilização tanto dos agentes quanto dos beneficiários do evento", pois "tendem a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais", eis que no aspecto subjetivo "a conduta inquinada deve ser realizada por agente público" (Direito Eleitoral, 12ª Ed. Atlas, São Paulo, p.741).  

Aqui, por relevante, repito: há uma tipicidade estrita, fechada, diferentemente dos casos de abuso de poder, em que o gradiente permite a análise das circunstâncias do, assim digamos, "conjunto da obra", de forma que a constatação da prática de conduta vedada exige apenas a consunção do fato na legislação que o tipifica, sem a necessidade de análise de outros elementos, sejam subjetivos ou de efeito no resultado da competição eleitoral. 

Dito de outro modo, a escolha do legislador foi a de entender determinadas práticas como tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos. Por se tratarem de tipos eleitorais fechados, os casos de condutas vedadas não admitem, obviamente, interpretação ampliativa. 

Com tais premissas fáticas, legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, passo ao exame do caso propriamente dito, e indico que os recortes conceituais acima explicitados serão fundamentais para a resolução da demanda. De fato, as condutas vedadas podem ser consideradas espécies de abuso de poder. Mas, como visto, possuem requisitos próprios para a configuração, forma de subsunção diversa, e visam a proteger bens jurídicos distintos das práticas abusivas. 

3.2. Os fatos do caso concreto. 

A sentença exarada pelo Juízo da 108 Zona Eleitoral considerou que “inexistem indícios mínimos da prática de abuso de poder sob os vieses político e econômico, tampouco de uso indevido dos meios de comunicação por parte dos candidatos investigados”, e acrescentou que “inexistem, com efeito, elementos que indiquem minimamente a utilização de recursos públicos para realização das postagens ou que tenha havido publicidade institucional favorecendo candidato em período vedado”, e indeferiu a petição inicial, forma liminar. 

Por seu turno, a COLIGAÇÃO RECONSTRUIR, MISSÃO DE TODOS e o PODEMOS DE SAPUCAIA DO SUL postulam a reforma da sentença, pois entendem que os recorridos praticaram uma série de ilícitos caracterizadores das práticas de abuso de poder e de conduta vedada. Tais fatos seriam, em síntese: 

1.1. Asfaltamento em troca de votos Consoante conhecimento de fatos públicos e notórios, o atual Prefeito Municipal e candidato a reeleição, o Sr. VOLMIR RODRIGUES adotou condutas tipificadas como de abuso do poder político ou do poder de autoridade durante a eleição, tendentes e afetar o equilíbrio da contenda eleitoral em curso. O abuso do poder político ou do poder de autoridade está caracterizado no uso abusivo do poder de utilizar a máquina pública para angariar votos, conforme demonstra em vídeo e Ata Notarial em anexo, o Prefeito, juntamente com a candidata a reeleição Vereadora Raquel do Posto, durante o pleito eleitoral, mais precisamente no dia 28 de agosto, promete asfaltar todas as ruas do Loteamento Jardim América, mais conhecido como o bairro Lomba da Palmeira(...) 

1.2. Da utilização da assessoria de imprensa municipal para o candidato No item anterior descreve que o atual Prefeito utilizou a máquina pública para benefício próprio e de seus candidatos a Vereadores com asfaltamento das ruas em toda a cidade, agora iremos explanar outra utilização da máquina pública em benefício do candidato a Reeleição a Prefeito Volmir Rodrigues –Gordo. A Assessoria de imprensa contratada pelo Município, ao qual estão na folha de pagamento do ente público estão prestando serviços de imprensa e divulgação de conteúdo. 

Nos eventos em que o CANDIDATO esteve presente, os servidores estavam trabalhando como assessores de imprensa do candidato, ainda que seja em turno inverso, não há na prestação de contas do candidato a Prefeito Volmir Rodrigues a assessoria de imprensa, apenas de propaganda, os assessores estavam trabalhando desde o início da candidatura, mas sequer consta em sua prestação de contas parcial, desta forma, é de praxe o CANDIDATO a Prefeito Volmir utilizar a máquina pública para benefício próprio. 

(...) 

1.3. Da sindicância realizada na Fundação Hospitalar Getúlio Vargas A Fundação Hospitalar Getúlio Vargas é fundação pública de direito privado, sendo esta pertencente à administração indireta do Município de Sapucaia do Sul. O Sr. Prefeito é o nomeante da Direção Executiva da FHGV, inclusive, um adendo, nomeou seu advogado de campanha Rafael Teixeira Dutra como Diretor de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas em 01/2021, ao qual é seu advogado de extrema confiança, considerando que o mesmo faz o patrocínio das ações eleitorais e está na sua prestação de contas, ao qual se manteve no cargo até 06/2024. 

(...) 

Após explanado o resumo dos fatos iremos adentrar à irregularidade eleitoral, finda a sindicância não fora dado andamento, ou seja, foi “engavetada” para não haver repercussão política, para preservar a imagem do Prefeito, mas por se tratar de um documento público, sem segredo de justiça, por se tratar de dinheiro público, prevalecendo princípio da transparência , o documento foi denunciado e encaminhado para a candidata a Prefeita que tornou público um documento idôneo. 

Carrearam aos autos vídeos, atas notariais com transcrição de mensagens de WhatsApp, o Relatório Final da Comissão Extraordinária de Sindicância da Fundação Hospitalar Getúlio Vargas e fotografias. 

Com a devida vênia ao posicionamento exarado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, entendo que o recurso não merece provimento. Há razão na sentença, pela inexistência de indícios mínimos: aliás, o efeito devolutivo do recurso interposto pela parte autora permitiu a verificação inconteste do acerto da decisão guerreada.  

Explico.  

Ao contrário do grau de origem, no qual o contraditório não fora instalado – houve o indeferimento liminar da petição inicial – neste grau, com a interposição recursal, fora concedido prazo para a apresentação de contrarrazões, aproveitadas pelos recorridos, com a juntada de documentos.  

À análise pormenorizada.  

3.2.1. Asfaltamento e propagação nas redes sociais.  

Conforme os recorrentes, VOLMIR se utilizou de poder político e de autoridade, "(...) o que obviamente está umbilicalmente ligado ao abuso de poder mediante utilização da máquina pública, para angariar votos mediante asfaltamento de todas as ruas do Loteamento Jardim América, o que fez com auxílio da Recorrida VEREADORA RAQUEL DO POSTO”. 

Contudo, tais afirmações nitidamente não procedem.  

Julgo de alto relevo probatório a demonstração trazida pelos recorridos, no sentido de que os asfaltamentos (tidos pela recorrente como atos eivados de abuso de poder) integraram plano plurianual de incremento estrutural do Município de Sapucaia do Sul, o qual englobou todo o período de 04 (quatro) anos.  

Para o desfecho das obras, houve, inclusive, a promulgação de uma Lei Municipal (n. 4.278, e março de 2023), a qual autorizou  o Município de Sapucaia do Sul a tomada de linha de crédito de R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais). A norma é acessível através do link http://leismunicipa.is/0g1z7 . 

Ora, nitidamente tratou-se de uma política pública, espalhada ao longo da gestão, e que VOLMIR, claro, na condição de candidato à reeleição (bem como seus correligionários e simpatizantes, a exemplo de RAQUEL DO POSTO, candidata à vereadora), haveria de propagar nas redes sociais pessoais, atitude que não incide em qualquer ilícito eleitoral; ao contrário, consubstancia legítimo exercício de seus direitos políticos, pois se busca dividendos eleitorais em decorrência de realizações. A contrapartida de tal comportamento deveria ocorrer no debate eleitoral à coligação recorrente, expondo, por exemplo, outras carências de municipalidade, ou outras localidades não asfaltadas. 

No caso, a Lei Municipal sob exame, a qual “AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A CONTRATAR OPERAÇÃO DE CRÉDITO COM A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL NO ÂMBITO DA LINHA DE FINANCIAMENTO À INFRAESTRUTURA E AO SANEAMENTO (FINISA)” fora aprovada pela Câmara de Vereadores de Sapucaia do Sul e, portanto, integra legitimamente o arcabouço legislativo daquela municipalidade, cabendo ao Poder Executivo o exercício do poder-dever de implementação. 

Como bem observado pelo juízo de origem:  

“o que se verifica são os candidatos divulgando ações em seus perfis pessoais em redes sociais. Inexistem, com efeito, elementos que indiquem minimamente a utilização de recursos públicos para realização das postagens ou que tenha havido publicidade institucional favorecendo candidato em período vedado” 

É natural que o candidato à reeleição visite – desde que sem posição privilegiada – as obras que realizou na primeira gestão, e afirme que, “pra próxima, nós temos muito mais coisas”. O instituto da reeleição - subjetivamente reprovável ou não - está posto no ordenamento jurídico, e seria um contrassenso que os candidatos que desejam ser reconduzidos não possam, de maneira privada e sem utilização de verbas públicas, enaltecer seus próprios feitos.  

Na mesma toada, a realização de reuniões com vereadores – no caso, MACHADO DA VITÓRIA, bem como outras pessoas - para o asfaltamento no Loteamento Jardim América e no Bairro Lomba da Palmeira: a articulação nada tem de ilícita, são conhecidas as necessidades de eleição de prioridades dentro de uma gestão, bem como elas são construídas. Audiências públicas e reuniões com a comunidade não podem ser taxadas como prática de abuso de poder, ou seja, mesmo que a prova testemunhal fosse colhida, o fato que a recorrente pretende provar não constituiria ilícito algum.  

Desse modo, julgo devam ser afastadas as alegações da parte recorrente e negado provimento ao recurso, no que diz respeito à prática de abuso de poder ou de condutas vedadas, nos atos praticados pelos recorridos relativos à propagação da realização de promessa de campanha. 

3.2.2.  Utilização da assessoria de imprensa municipal.  

No presente item, a COLIGAÇÃO RECONSTRUIR, MISSÃO DE TODOS acusa os recorridos da prática de conduta vedada (art. 73, inc. III da Lei n. 9.504/97), pois 

“Em imagens, possível verificar a presença dos assessores Leandro Barbosa Luiz e Leodair Nascente da Silva, no dia 04 de setembro de 2024 no debate dos candidatos (veja-se que ao fundo há a candidata Imilia de Souza, demonstrando a veracidade da denúncia): Novamente, na existência de dúvida do Juízo sobre o uso de dinheiro público para assessoramento e criação de assessoria de imprensa particular custeada pelo erário, somente seria possível com o processamento e a instrução probatória, o que foi incorretamente impedido na sentença de extinção proferida”. 

Convido os colegas a visualizarem a prova do ocorrido: uma foto dos assessores Leandro e Leodair no referido debate.  

Fora do horário de expediente. A própria recorrente admite que o evento ocorrera no que denomina “turno inverso”. 

Ou seja, Leandro e Leodair  não se encontram ali na posição de servidores públicos, mas sim de correligionários - como só ocorre dentre ocupantes de cargo em comissão, por exemplo. Ora, o próprio precedente deste Tribunal, trazido pela recorrente em suas razões - Recurso Eleitoral 766-52.2016.6.21.0017, relator o então. Des. El. Roberto Carvalho Fraga - deixa claro que a prática de conduta vedada é constatável quando o servidor público se encontra “no horário de expediente em benefício de campanha eleitoral”.  Circunstância que não se vislumbra no caso dos autos, sequer em tese.  

Nego provimento ao recurso, também no relativo ao presente tópico. 

3.2.3. Irregularidades na Fundação Hospitalar Getúlio Vargas.  

Em resumo, a recorrente aduz que: 

Todavida, renovando-se as vênias, mas existe relação direta entre a sindicância realizada na Fundação Hospitalar Getúlio Vargas e o silenciamento dos indícios criminais na gestão hospitalar, como explicado na petição inicial. Abusando do seu poder, VOLMIR RODRIGUES engavetou a sindicância, mesmo diante dos documentos que demonstram a ocorrência de diversos saques de contas vinculadas, bem como compras diretas sem licitação, dispensa ou inexigibilidade, deixando de dar continuidade para verificar onde fora aplicado o dinheiro, tendo sido demonstrado déficit da FHGV de R$89.000.000,00 (oitenta e nove milhões de reais), tudo para não afetar a campanha eleitoral dos Candidatos a Prefeito e Vice-Prefeito que realizaram a abertura da sindicância para se eximir das responsabilidades. 

(...) 

Ora, é obrigação do Prefeito Municipal dar continuiedade às conclusões da sindicância, sob pena de ocorrência do crime de prevaricação, estipulado no artigo 319 do Código Penal, assim descrito: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Não o fez exclusivamente por fundamentos escusos e para maquiar a realidade municipal, amplamente divulgando obras de asfaltamento com intuito eleitoreiro, como descrito anteriormente, mas omitindo e buscando retardar qualquer divulgação ou processamento do rombo financeiro verificado no Hospital Municipal.” (sic) 

Sem razão. 

Como bem salientado pelo magistrado da origem, “quanto às irregularidades constatadas na Fundação Hospitalar Getúlio Vargas, o relatório que instruiu o pedido inicial refere-se ao período de 2021 a 2024, não se constatando qualquer relação entre o que foi apurado e as eleições municipais de 2024”.

E, para além da diferenciação temporal, saliento que o hospital em questão é constituído sob a forma de fundação, com estatuto e regulamento próprios, de forma que – e de certo modo a própria parte recorrente indica a solução jurídica - a seara para que sejam dirimidas as questões levantadas é na justiça comum – cível e criminal -, sobretudo, caso seja constatada, ao final de investigações policiais, por exemplo, a prática de irregularidades, pois elas não dizem respeito à eleição.  

Vale dizer, a única acusação trazida, no que diz respeito ao presente item, seria a de ter “engavetado” uma sindicância sobre “rombos financeiros” no hospital que, na verdade, se mostram públicos e notórios já há bastante tempo – repito: mesmo em hipótese, os fatos narrados não caracterizam abuso de poder na seara eleitoral, tem relação com outra esfera de averiguação, sobremodo pela ausência de gravidade do ato alegadamente praticado (uma suposta "operação abafa", que seria de todo inócua, dada a publicidade da situação), para afetar a normalidade ou a legitimidade das Eleições de 2024 em Sapucaia do Sul.  

A título de reforço do quanto aqui fundamentado, notória e antiga situação financeira precária da Fundação Hospitalar Getúlio Vargas de Sapucaia do Sul, saliento que recentemente, fato também notório e amplamente noticiado, o recorrido e atual Prefeito VOLMIR (pois reeleito com 68,09% dos votos válidos) decretou, em 28.10.2025, estado de calamidade financeira na área da saúde pública por 180 dias, o que bem demonstra que a situação está distante de um desfecho conclusivo e se encontra sob escrutínio público.  

Ou seja, igualmente em relação a tais fatos, não há elementos mínimos que indiquem a prática de abuso de poder.  

Conclusão.  

O recurso não merece provimento. O efeito devolutivo do recurso e o estabelecimento do contraditório, com a apresentação de contrarrazões, bem demonstraram o acerto da sentença de indeferimento da petição inicial. Os fatos narrados não podem ser sequer em tese tidos como prática de abuso de poder, pois dizem respeito ao livre exercício da liberdade de expressão dos direitos políticos (manifestação nas redes sociais), presença de servidores públicos em debate fora do horário de expediente, e suposta prática do crime de prevaricação, em fatos não relacionados ao período eleitoral.  

   

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.