REl - 0600347-43.2024.6.21.0068 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2025 às 16:00

VOTO

1. Admissibilidade. 

O recurso é tempestivo e preenche todos os requisitos de admissibilidade exigíveis à espécie, de forma que está a merecer conhecimento.  

2. Preliminar. Nulidade da sentença. 

As razões de recurso trazem, em âmbito preambular, pedido de nulidade da sentença por dois argumentos principais, em verdade entrelaçados: (2.1.) indeferimento de produção de provas e (2.2) ausência de contraditório. Afirma, em suma: “Sabe-se que a Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo (AIME) pressupõe a prova acompanhando a inicial. Porém, não há impedimento de que ela seja realizada, também, na instrução processual”.

Aponta o indeferimento das seguintes provas: 

a) a ouvida das testemunhas arroladas:  

1) Willian Spuldaro, com endereço na Rua Heitor Curra, 2542, Centro, Flores da Cunha, RS; 2) Ildo Stangherlin, CPF 290.297.400-00, com endereço no Centro, Nova Pádua, RS; 3) Danrlei Pilatti, CPF nº 023.372.950-01, com endereço no centro de Nova Pádua, RS, mas comparecerá independente de intimação; 4) Mateus Sonda, Contador, com endereço no centro de Nova Pádua, RS, mas comparecerá independente de intimação; 5) Taisy Maria Scremin, CPF 020.611.400-17, com endereço no centro de Nova Pádua, RS ; 6) Mauro Mazzochin, CPG 235.986.700-87, residente e domiciliado no centro de Nova Pádua, RS ;  

b) a ouvida – depoimento pessoal - da candidata fictícia Juliane de Paula, residente e domiciliada no interior de Nova Pádua, RS, em endereço a ser certificado pelo Cartório Eleitoral, em depoimento pessoal;  

c) seja certificado, pelo Cartório Eleitoral, a data em que Juliane de Paula e Joel Laranjeira transferiram seus títulos eleitorais para Nova Pádua, RS, bem como a data das suas respectivas filiações no PDT (nem esta prova conseguimos, apenas pelo requerimento do Ministério Público Eleitoral em outro processo); 

d) as seguintes provas periciais:  

1) Nas contas bancárias dos candidatos Guido Baggio, Evandro Scremin, Juliane de Paula e Joel Laranjeira, no período compreendido entre a apresentação da candidatura para registro e a homologação das contas;  

2) Nas contas, caixa e atividades contratadas, inclusive com ingresso de insumos e saídas, pelos candidatos do PDT na empresa G4 Impressões Digitais, que emitiu diversas notas fiscais;  

3) Nas contas, caixa e atividades contratadas, inclusive com ingresso de insumos e saídas, pelos candidatos do PDT na empresa Auto Posto Nova Pádua Ltda, que emitiu diversas notas fiscais;  

e) A busca e apreensão, na forma liminar, sem ouvida da parte contrária, do computador onde foi realizada a verdadeira prestação de contas e trânsito dos valores e pagamentos, ou seja, no Escritório Contábil de Nivaldo Marin, no centro de Nova Pádua, RS;  

f) A mesma busca e apreensão dos arquivos no escritório de Contabilidade de Patrícia Montanari, nesta cidade de Flores da Cunha, no segundo andar do Clube Independente; 

 

Como se vê, uma série de produção de provas de diversas espécies - testemunhal, pericial, documental, além de pedidos de realização de buscas e apreensões. 

Antecipo que não assiste razão ao recorrente - aliás, como bem identificado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral. Detenho-me, inicialmente, em relação aos pedidos de busca e apreensão de computadores e arquivos, cujo indeferimento vem muito bem fundamentado em decisão do magistrado da origem, ID 45927569, com data de 07.01.2025 (inclusive a comprovar a celeridade da prestação jurisdicional, uma vez que o dia apontado é o primeiro dia útil do calendário Judiciário).  

Transcrevo, no que importa:  

“(...)  

No caso do pedido liminar em análise, não se vislumbra a presença de nenhum dos requisitos, e, logicamente, tampouco se atende o critério da cumulatividade dos dois elementos. O autor aduz no sentido que nos computadores constariam dados de uma “verdadeira prestação de contas”, fazendo supor a existência de outro procedimento em paralelo àquele de apresentação das contas à Justiça Eleitoral. No entanto, além da argumentação narrativa, não traz aos autos indícios ou evidências documentais de que houve pagamento de valores ilícitos em razão da campanha eleitoral. Aliás, cita a juntada de comprovante de existência de débitos de veículo pertencente a determinado candidato, mas não o faz. Logo, a mera suposição de que há tais registros contábeis não é suficiente a justificar a hipótese de que realmente existem ou de que estão arquivados em determinado computador, do que resulta a impossibilidade de conceder medida em tal grau invasiva, como a de busca e apreensão em local privado, de equipamento de trabalho, no qual provavelmente estão inseridas informações sensíveis, precipuamente de ordem financeira e de diversas pessoas físicas e jurídicas de todo o município”. (grifei) 

Impecável.

Naquele momento liminar, as medidas requeridas pelo recorrente se mostravam desproporcionais em relação ao alegado - aliás, a posteriori, tal constatação se estenderia relativamente a todo o universo de provas requeridas, pois na sequência processual houve a apresentação de contestação, na qual se estabelecera a - claramente necessária, no caso - relação triangularidade processual, apta a conferir o devido contraditório. Em síntese, o magistrado conduziu o processo nos termos do art. 23 da Lei Complementar n. 64/90:  

Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral. 

E, nessa toada (a partir dos elementos de defesa apresentados na contestação), restou nítido que algumas das provas, cuja produção fora requerida pelo PROGRESSISTAS DE NOVA PÁDUA eram, além de desproporcionais, (1) inúteis, pois de nada serviriam a “prova pericial” requerida, que redundaria na quebra de sigilo bancário de várias pessoas físicas e jurídicas (inclusive de candidatos e empresas que não são parte deste processo) - até porque é incontroverso que a campanha de JULIANE fora realizada com módicos recursos – a contestação trouxera tal dado, ou (2) redundantes, pois incontroverso, também, que as datas de domicílio e filiação de JULIANE foram próximas ao prazo final determinado pela legislação de regência.  

Ora, se ao PROGRESSISTAS de NOVA PÁDUA importa a comprovação de fraude na candidatura de JULIANE, haveria de se ater aos elementos de prova trazidos pelo polo passivo da demanda após a formação do actum trium personarum, ônus do qual não se desincumbiu, pois insiste em produção de provas que não se relacionam com o combate às razões de defesa expostas já em primeiro grau. 

Dito de outro modo, não fora estabelecida dialética de cunho material com a defesa apresentada. Não há lógica na quebra de sigilos bancários de outros candidatos (Joel, Guido, Evandro) e empresas (gráficas e posto de gasolina), ou buscar e apreender computadores de escritórios contábeis, se juntamente à peça de contestação, ID 45927637, fora apresentada documentação diretamente relacionada aos fatos – a ocorrência, ou inocorrência, de violação às cotas de gênero, mediante a candidatura de JULIANE DE PÁDUA.  

A instrução probatória é também das partes, mas sobretudo do juízo. Os pedidos de produção probatória devem obedecer a parâmetros de razoabilidade - inexistentes no caso posto. Mesmo o depoimento pessoal das partes, nos ritos das AIJE e das AIME (o mesmo), é circunstância absolutamente excepcional, somente viável se as partes se disponham a prestá-lo. Conforme jurisprudência do e. Tribunal Superior Eleitoral, o juiz é o destinatário final da prova, cabendo a ele perquirir, diante dos contornos do caso concreto, sobre os elementos formadores de sua convicção, à luz dos princípios da livre apreciação e do convencimento motivado.  Nessa linha: 

“Eleições 2020. [...] Ato do juízo eleitoral que determinou a coleta de depoimento pessoal de investigante em instrução de AIJE. [...] 7. Embora se reconheça que a LC n. 64/1990 não contempla a realização de depoimento pessoal das partes no rito das AIJEs, a jurisprudência desta Corte Superior viabiliza a realização do ato, caso as partes se disponham a prestá–lo. A disciplina da matéria hoje constante do art. 47–E da Res.–TSE n. 23.608/2019 reitera a inviabilidade de compelir a parte a prestar depoimento pessoal. Entretanto, expressamente contempla ressalva pela possibilidade de que haja requerimento ou intimação para a realização do ato. 8. Assegurando–se a paridade de armas entre as partes, é legítimo compreender–se pela viabilidade de intimação de investigante e/ou investigado para o comparecimento em Juízo a fim de prestar esclarecimento acerca de pontos relevantes. Como o juiz é o destinatário final da prova, cabe a ele perquirir, diante dos contornos dos casos concretos, sobre os elementos formadores da sua convicção (CPC, art. 385, parte final), à luz dos princípios da livre apreciação da prova e do livre convencimento motivado, como reiteradamente assenta a jurisprudência pátria. [...].” (Ac. de 5/8/2024 no AREspE n. 060037939, rel. Min. Raul Araújo.) 

 

E, a título de desfecho, vale também salientar que a irresignação no relativo a uma suposta ausência de contraditório - que de alguma forma se confunde com outra argumentação trazida a título de mérito, qual seja, uma suposta “repetição”, na sentença, do conteúdo da contestação - diz respeito à manifestação do juízo dos pontos que realmente importavam – e importam – para a presente demanda: sinais de realização de campanha eleitoral, de parte de JULIANE, e a análise de ocorrência ou inocorrência de fraude à cota de gênero.  

Em suma não é viável, como pretendido pelo recorrente, seja levada a efeito gigantesca devassa, relativamente à privacidade de um grande número de pessoas, com suporte em ilações, em ausência de indícios mínimos do quanto narrado. 

Afasto a matéria preliminar.   

3. Mérito.

No relativo à questão de fundo de causa, o recurso do PROGRESSISTAS, como relatado, visa a reformar sentença do Juízo da 068ª ZE, decisão esta que julgou improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME por prática de fraude à cota de gênero de parte de uma das recorridas, JULIANE DE PAULA. 

Os fatos alegados para a caracterização da fraude são, em suma, os seguintes: (a) votação inexpressiva (2 votos); (b) despesas módicas na movimentação financeira, espelhadas na prestação de contas; e (3) ausência de atos efetivos de campanha. 

A Resolução TSE n. 23.735/24, normativo que dispõe sobre os ilícitos eleitorais, fixa, no art. 8º, 5º, as consequências geradas pela fraude à cota de gênero, com a seguinte redação: 

“(...) § 5º A fraude à cota de gênero acarreta a cassação do diploma de todas as candidatas eleitas e de todos os candidatos eleitos, a invalidação da lista de candidaturas do partido ou da federação que dela tenha se valido e a anulação dos votos nominais e de legenda, com as consequências previstas no caput do art. 224 do Código Eleitoral".  

Ou seja, a constatação de fraude é condição inafastável para as repercussões perseguidas pelo recorrente. Nesse sentido, precedente do e. Tribunal Superior Eleitoral que realça a necessidade de prova robusta do lançamento de candidatura fictícia: 

Eleições 2020 [...] 2. A fraude à cota de gênero ocorre quando o partido, no momento do registro da candidatura, lança candidaturas femininas fictícias, ou seja, indica candidatas que não disputarão o pleito, com o intuito de tão somente atingir o mínimo de candidaturas de cada sexo exigido por lei. 3. Os elementos probatórios trazidos ao processo devem ser capazes de, ao serem examinados em conjunto, oferecer ao julgador um juízo de altíssima verossimilhança da ocorrência da alegada fraude, caracterizada, por sua vez, pelo explícito e específico objetivo do partido de burlar o disposto no § 3º do art. 10 da Lei nº 9.504/1997. 4. A obtenção de votação zerada ou pífia das candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação financeira, a realização de campanha em favor de outro candidato e a ausência de atos efetivos de campanha são indícios suficientes para comprovar a fraude à cota de gênero, salvo se houver elementos que indiquem a desistência tácita da candidatura. Precedentes. 5. Na hipótese dos autos, o Tribunal a quo concluiu que o lançamento de candidaturas femininas foi fraudulento com substrato no seguinte conjunto de indícios: (a) não realização de atos de campanha; (b) votação nula, não tendo sequer a própria candidata votado em si mesma; (c) falta de provas da realização de propaganda pela candidata, seja por ela mesma, seja por seus coordenadores de campanha; (d) pedido de votos em favor de outro candidato do sexo masculino; (e) prestação de contas sem movimentação financeira, apenas R$ 150,00 relativos a doação estimável em dinheiro; e (f) não confecção e divulgação de materiais de campanha, pois a ínfima doação do partido, no valor de R$ 67,00, somente foi realizada 2 dias antes do pleito, sem que a candidata tomasse conhecimento do fato, pois o omitiu de sua prestação de contas final. Harmonia com a jurisprudência do TSE. [...]  (Acórdão de 12.8.2022 no AREspEl n. 0601028-71, rel Min. Mauro Campbell Marques). Grifei. 

E as balizas de percepção das candidaturas fraudulentas são encontradas no verbete 73 da Súmula do Tribunal Superior Eleitoral: 

A fraude à cota de gênero, consistente no desrespeito ao percentual mínimo de 30% (trinta por cento) de candidaturas femininas, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, configura-se com a presença de um ou alguns dos seguintes elementos, quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir: (1) votação zerada ou inexpressiva; (2) prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e (3) ausência de atos efetivos de campanhas, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros. O reconhecimento do ilícito acarretará: (a) a cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) da legenda e dos diplomas dos candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de participação, ciência ou anuência deles; (b) a inelegibilidade daqueles que praticaram ou anuíram com a conduta, nas hipóteses de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE); (c) a nulidade dos votos obtidos pelo partido, com a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do Código Eleitoral), inclusive para fins de aplicação do art. 224 do Código Eleitoral. (Grifei.)

À análise dos fatos que podem influenciar no juízo da presente demanda.  

3.1. Votação de JULIANE DE PAULA. 

JULIANE DE PAULA, fato incontroverso, obteve apenas 2 votos, número inexpressivo.  

Contudo, tal dado não caracteriza, por si, candidatura fraudulenta. Há diversos fatores a serem considerados no caso concreto, alguns contextuais - o Município de Nova Pádua possui um eleitorado bastante diminuto (apenas 2.438 eleitores aptos), e o total de votos válidos (2.188) de 2024 fora dissipado entre 5 agremiações políticas e 38 (trinta e oito) candidatas e candidatos à vereança - nessa toada, Vanessa Fantin (PSDB) fez 4 votos, Jaime Bosqueiro (REPUBLICANOS) fez 6 votos e Cleonice Leonir (PSDB) fez 11 votos.  

Houve eleição de vereadora com 64 votos (LUCIANE, do mesmo PDT de JULIANE e também aqui recorrida). 

Aqui, e o tema receberá tratamento minudente ao longo do presente voto, não se pode descurar algumas circunstâncias pessoais de JULIANE. A então candidata possui origem humilde (indígena ou não) e é moradora da zona rural de Nova Pádua; concorrera pela primeira vez com filiação recente a partido político – ainda que em tempo hábil. Ademais, JULIANE é mãe de duas crianças, uma menina que contava, na época da campanha, com 8 (oito) meses de idade – nascimento da bebê aos 27.01.2024 - e, também, de um menino, nascido aos 23.10.2014, com cerca de 10 anos à época dos fatos. 

A propósito, no presente ponto, julgo necessário trazer, de alguma maneira, o feito à ordem. A parte recorrente questiona o cotidiano pessoal de JULIANE, sem qualquer prova. 

Transcrevo: 

A r. Sentença confirma uma circunstância importante, que foi utilizada pela contestação (que a r. Sentença eleva à circunstância de “contraprova”), ou seja, a candidata, na campanha, era mãe de uma criança de 08 (oito) meses de idade. Elogiável. Porém, primeiro, conflita com a lógica, pois uma mãe com criança em terna idade se dispõe a aceitar uma candidatura eleitoral em detrimento à maternidade, ou foi conduzida a tanto?  

Segundo, a testemunha responde para sua empregadora Franciele, atual Secretária do Município representando o PDT na coligação, que não iria pois estava viajando para sua terra natal, mais de 700 quilômetros (ida e volta) de distância, e isso não a impede de viajar?  

A maternidade não a impede de tamanho deslocamento, mas lhe impede de ir no comício partidário na sua localidade? A candidata fictícia declara que não tem valores para a campanha, pois não tem renda, nem ela nem seu esposo também candidato, e como seria pago o leite da criança? Os pais se preocuparam em gastar em uma campanha política, o que declararam que não tinham, em detrimento à alimentação da criança? 

Para além do aguerrimento, não é razoável que se questione, em autos de processo eleitoral, escolhas de cunho pessoal da candidata, como eventual ausência a comício partidário devido a alguma situação ínsita à maternidade. Lembro que, aqui, se está a investigar a ocorrência de fraude em candidatura feminina. Dito de outro modo, a ninguém cabe o papel de fiscal das escolhas de JULIANE como mãe ou como provedora. 

Não caracterizada fraude.  

3.2. Movimentação financeira. 

 A prestação de contas de JULIANE retratou receitas e despesas modestas, da ordem de R$ 400,00 (quatrocentos reais).  

Contudo, estes valores não podem ser considerados zerados ou irrelevantes, mas sim proporcionais à condição econômica da candidata e similares à movimentação de outros candidatos que disputaram o mesmo pleito, inclusive a Vereadora eleita LUCIANE TOSCAN, já citada.  

Ora, em um município pequeno como Nova Pádua, a movimentação financeira das campanhas eleitorais é naturalmente baixa, sem gastos relativos à produção de propaganda para rádio e televisão, ou elaboradas campanhas de marketing. O recorrente insiste no debate de questões relativas à prestação de contas, assunto que deveria ter sido tratado nos autos próprios daquela classe processual, e não em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. É comum, especialmente no interior do estado, a centralização de gastos de campanhas eleitorais no próprio partido, sobretudo aos candidatos com menores chances de eleição (obviamente, os partidos investem maiores recursos naqueles candidatos “puxadores de voto”); assim, as prestações de contas de uma série de candidatas e candidatos restam, de fato, muito semelhantes, com gastos de idêntico valor, porque, por exemplo, para todos fora contratada a confecção de, digamos, o mesmo número de "santinhos".  

Por isso, tenho que o segundo item da Súmula TSE n. 73 resta, igualmente, descaracterizado, pois inexistente prestação “zerada”. 

Novamente, necessária observação no que diz respeito às razões de recurso, que ultrapassam o mérito da causa. Transcrevo: 

“Primeiro, a justificativa da Sentença é que ela gastou quatrocentos reais, e, como comparativo, a candidata eleita do PDT gastou quinhentos reais. Ora, existem várias outras circunstâncias que passam desapercebidas pelo julgador de primeiro grau: a prestação de contas de Juliane de Paula não reflete a realidade, e, mesmo sem permitir provar isso, as provas estão nos autos. Primeiro, porque a prestação de contas foi padronizada e, se o Cartório Eleitoral que as analisou tivesse sido mais diligente do que foi segundo a própria Sentença, “as circunstâncias e fatos do caso concreto” teriam outros elementos esquecidos. 

Ou seja, para o PROGRESSISTAS de NOVA PÁDUA, o Cartório Eleitoral devia ter sido mais "diligente", e o magistrado não permitira provar que “a prestação de contas de Juliane de Paula não reflete a realidade”. 

São acusações graves – e, também aqui, consubstanciam conjecturas, ilações, suposições, de todo inadmissíveis. 

3.3. Ausência de atos de campanha.  

Tópico de facilitada análise. O recorrente sustenta a inexistência de campanha real de parte de JULIANE.

Sem razão. 

Resta amplamente comprovada, nos autos, a realização de atos de campanha de parte de JULIANE. Fora demonstrada sua participação em, ao menos, dois comícios do PDT de NOVA PÁDUA, vídeo no ID 45927643, no ID 45927644 (em fala na qual, ao final, é aplaudida) e no ID 45927645 (outro local, outras vestimentas), bem como a confecção de material de campanha (santinhos), mediante a planilha de publicidade de materiais impressos, ID 45927646, em época hábil de realização de campanha.  

Indico aos colegas, ainda, duas situações comprobatórias - ID 45927663, alegações finais da parte recorrida, em que consta foto de JULIANE em comício eleitoral com a filha no colo (página 15 do documento), bem como o lay-out dos materiais impressos (página 17 do documento). 

Ora, obviamente uma campanha com dificuldades, com as já citadas ausências em alguns eventos, não se confunde com o critério da "ausência de atos efetivos de campanha". 

Entendo inexistente fraude, portanto.  

4. Conclusão.  

A fraude à cota de gênero exige demonstração inequívoca. Não basta, para tanto, a mera existência de baixa votação, a movimentação financeira reduzida ou a participação modesta em eventos de campanha. 

Assim, a sentença não merece reparos. O que a legislação e a jurisprudência pátrias visam a coibir é a prática de fraude na conformação dos percentuais destacado a cada gênero. No caso dos autos, não é possível afirmar tenha ocorrido fraude. 

O modesto montante de gastos é compatível com a realidade de campanhas proporcionais em municípios de pequeno porte, e a análise das prestações de contas revela que os recursos foram aplicados em despesas típicas de campanha, com comprovação documental, da qual se destaca a produção de material gráfico - os "santinhos" são a forma mais tradicional e acessível de propaganda eleitoral, especialmente em campanhas de baixo custo.

Ademais, ainda que as contas das candidatas sejam estruturalmente semelhantes, é certo que a padronização não é suficiente, por si, para comprovar a fraude à cota de gênero, uma vez que a própria redação da Súmula n. 73 exige que os elementos indiciários sejam contextualizados, ou seja, analisados em conjunto com o restante da prova dos autos e, no presente caso, não há elemento a indicar que a padronização decorra de simulação ou ocultação de atos de campanha. Ao contrário, os documentos e depoimentos revelam uma candidatura real de JULIANE, ainda que com dificuldades.

Com efeito, a defesa acostou aos autos vídeos e materiais gráficos que comprovam a realização de atos de campanha pela candidata. Mesmo a diminuta votação obtida não indica que a candidatura fora meramente formal. Embora para aquém de modesta, é (infelizmente) compatível com candidaturas de base, sem capital político prévio e sem inserção comunitária anterior, em município de pequeno porte. A jurisprudência tem considerado que o inexpressivo desempenho eleitoral não representa evidência de fraude à cota de gênero quando é possível constatar um esforço mínimo na realização de propaganda e na participação em atos de campanha, tal como ocorre no caso em tela. 

Não se pode ignorar que a ocupação de espaços de poder por candidatas mulheres ainda enfrenta dificuldades históricas e estruturais diversas, mesmo nas hipóteses em que as agremiações partidárias buscam investir na participação feminina. Assim, a avaliação das razões para uma votação ínfima deve considerar o contexto sociocultural específico da circunscrição, a experiência política e eleitoral da candidata e outros fatores pessoais, tais como a sobreposição de compromissos domésticos, familiares e profissionais.

Nessa linha, esta Corte Regional já decidiu pela inexistência de fraude ou abuso de poder em caso no qual as candidatas demandadas alcançaram seis e zero votos, considerando que “houve a realização de atos de campanha, ainda que de forma incipiente, bem como a demonstração de interesse na disputa por parte das candidatas, consideradas as peculiaridades locais” (REl n. 0600586-79/RS, Rel. Desembargador Voltaire De Lima Moraes).

Em resumo, exatamente a partir da premissa de que o desempenho eleitoral resulta de múltiplos fatores, é que a presunção de fraude a partir de campanhas humildes e sem capital político, na prática, apenas confirmaria um "elitismo eleitoral estrutural", pois excluiria, de antemão, pessoas comuns, novatas, que se lançam no pleito justamente em prol da renovação e do pluralismo político. (REl n. 0600001-42/RS, Rel. Desembargadora Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez). 

A título de desfecho, tenho como fundamental que o julgamento do presente recurso leve em consideração o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ (Res. CNJ 492/2023), pois o objetivo da cota de gênero é o resgate da histórica deficiência de participação feminina nos quadros dos cargos eletivos e, portanto, em viés fundamental da vida política. A interpretação das normas há de favorecer a inclusão das mulheres no processo eleitoral. O caso de JULIANE representa os obstáculos intrínsecos e extrínsecos de dificuldade. No caso concreto, o PDT de Nova Pádua elegeu uma mulher, LUCIANE LORENZET TOSCAN. A cassação da chapa tornar-se-ia, dessarte, um contrassenso à finalidade inclusiva da norma. Os elementos indiciários da Súmula 73 foram justificados pelas circunstâncias do caso, demonstrando-se que não se trata de candidatura fictícia. 

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO para afastar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento ao recurso do PROGRESSISTAS DE NOVA PÁDUA, nos termos da fundamentação.