ED no(a) REl - 0600402-79.2024.6.21.0072 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2025 às 16:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Os embargos são tempestivos, vistos que opostos dentro do tríduo recursal após publicação do acórdão de ID 46143493 no Diário de Justiça Eletrônico.

Ressalto que os embargos foram opostos na data de 12.12.2025, sendo esta a primeira sessão de julgamento subsequente à sua apresentação, cabendo, ao caso, a disciplina do art. 45, parágrafo único, inciso VI, do Regimento Interno do TRE-RS:

Art. 45. Os julgamentos das ações originárias e dos recursos, inclusive os agravos e embargos de declaração na hipótese do art. 1.024, § 1º, do Código de Processo Civil, somente poderão ser realizados: 24 (vinte e quatro) horas após a publicação da pauta nas sessões realizadas nas modalidades presencial e por videoconferência; e 5 (cinco) dias úteis após a publicação da pauta nas sessões realizadas na modalidade virtual.   (Redação dada pelo Ato Regimental TRE-RS 17/2025)

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:

[...]

VI – aos embargos de declaração, e ao agravo interno, quando julgados na sessão subsequente à respectiva oposição ou, se for o caso, à apresentação da manifestação do embargado ou do agravado;

[...]

Presentes os demais pressupostos intrínsecos e extrínsecos à espécie, conheço dos aclaratórios.

Passa-se à análise das razões expostas.

 

MÉRITO

Os embargos de declaração têm fundamentação vinculada, cabíveis exclusivamente para suprir omissão, afastar obscuridade, eliminar contradição interna ou corrigir erro material (1.022 do Código de Processo Civil; art. 275 do Código Eleitoral), não se prestando à rediscussão do mérito ou à revaloração do conjunto probatório.

Inicialmente, destaco que, no caso, embora os embargantes rotulem suas irresignações como vícios integrativos, as razões deduzidas revelam inconformismo com as conclusões alcançadas no julgamento, buscando, em verdade, reabrir o debate sobre (i) premissas fáticas (cronologia e presença no local), (ii) qualificação jurídica do evento, (iii) aplicação (ou não) de proporcionalidade e (iv) extensão dos fundamentos. O acórdão embargado, contudo, enfrentou de modo explícito os pontos centrais controvertidos, como se demonstra a seguir.

Nesse sentido, pontuo que deixei de determinar a intimação da parte embargada para manifestação, porquanto inexistente possibilidade de efeitos infringentes no caso concreto, incidindo, portanto, a regra do art. 1.023, § 2º, do CPC, segundo a qual a abertura de vista ao embargado somente se impõe quando o eventual acolhimento puder modificar a decisão embargada.

A suposta omissão apontada — ausência de indicação do elemento probatório que sustentaria a extensão do evento após 15h54 — não se verifica.

O acórdão embargado, ao enfrentar a tese defensiva de que os candidatos estariam em outro local (restaurante), consignou expressamente que tal alegação “não se sustenta para afastar a ilicitude”, apontando, na sequência, o suporte probatório considerado suficiente:

[...]

“No caso dos autos, a presença dos candidatos RAFAEL BORTOLETTI e MARCIEL FAURI BERGMANN é fato incontroverso e, ademais, confirmado pelas provas documentais. As imagens e os vídeos juntados aos autos, cuja licitude já foi reconhecida, demonstram não uma presença discreta ou protocolar, mas uma participação ativa com nítida conotação eleitoral.

Conforme fotos retiradas da própria rede social de RAFAEL BORTOLETTI, o candidato pode ser visto circulando no interior e fora da obra inaugurada, com um adesivo de campanha colado ao peito, saudando eleitores e posando para fotos com apoiadores e com o Deputado Estadual Bonatto. Havia apoiadores com bandeiras na entrada do evento. Tais atos configuram, sem margem para dúvidas, uma posição ostensiva de campanha, utilizando a inauguração da obra pública como palco para promoção eleitoral.

[...]

“As provas fotográficas e de vídeo demonstram inequivocamente a presença deles no Parque Saint Hilaire, no dia do evento, interagindo com o público e associando suas imagens à obra entregue.

Tal associação fica mais evidente quando vemos a postagem constante no ID 45900986, extraída do perfil do Deputado Estadual Professor Bonatto na rede social Instagram, onde consta o comentário de RAFAEL BORTOLETTI e a presença de MARCIEL FAURI BERGMANN:

[...]

Não procede a alegação de omissão quanto ao trecho em que se consignou que, embora o parecer técnico apontasse a permanência no “Zé Restobar” até as 15h54, “o evento se estendeu para além desse horário”. O acórdão embargado não ancorou a conclusão em uma inferência abstrata ou em um dado isolado, mas no conjunto probatório expressamente indicado no próprio voto, razão pela qual a alegação de permanência no restaurante não se sustenta para afastar a ilicitude.

 Nessa moldura, a referência à continuidade do evento para além do marco de 15h54 não constitui premissa autônoma que dependa de “prova singular”, mas simples corolário da narrativa fática já reconhecida no julgado, amparada na documentação audiovisual que, por si, evidencia a realização do ato público e a participação ostensiva dos candidatos, com divulgação anterior e posterior ao evento.

Ademais, a insistência dos embargantes em exigir que o acórdão identifique uma “prova específica” de que o evento perdurou após as 15h54 revela pretensão de revalorar a prova e restringir a fundamentação a um recorte temporal, dissociado do que efetivamente foi decidido. O acórdão foi expresso ao afirmar que a controvérsia residia na qualificação jurídica da natureza do evento e do comparecimento dos candidatos no período crítico proscrito pela legislação.

O que se pretende, portanto, não é suprir omissão, mas rediscutir o juízo de convencimento do colegiado acerca da suficiência do acervo probatório — finalidade incompatível com a via integrativa dos embargos de declaração.

Portanto, não há lacuna decisória a ser integrada: a conclusão do julgado está lastreada na apreciação do conjunto probatório, com indicação explícita das provas (postagens em redes sociais, fotografias e vídeos) e da conclusão extraída (presença no parque com interação e associação à obra), o que afasta a alegada omissão.

Ainda, os embargantes pretendem, em sede aclaratória, impor “retificação” de premissas constantes de voto vencido, para fazer prevalecer leitura diversa sobre horários e deslocamentos.

Tal postulação não se enquadra em nenhuma das hipóteses do art. 275 do Código Eleitoral. Embargos de declaração se dirigem a vícios do acórdão (decisão colegiada), não constituindo via adequada para impor “correções” de fundamentação de voto divergente, tampouco para reexaminar prova técnica a fim de substituir a moldura fática assentada no julgamento.

E a moldura fática relevante foi afirmada com clareza: “a presença dos candidatos eleitos é fato incontroverso e confirmado por provas documentais”, sendo que as imagens e os vídeos demonstraram participação ativa e interação com o público, e não mera presença discreta e silenciosa, como seria exigido em eventual juízo de proporcionalidade para se afastar a gravidade da conduta ilícita.

Também não procede a alegação de que os votos vencedores não teriam enfrentado as teses defensivas (reabertura x inauguração) e que teriam inovado em fundamento quanto à tipicidade do fato, incorrendo em decisão extra petita.

O acórdão delineou precisamente a controvérsia, enfrentando-a com base em elementos extraídos dos autos — abertura ao público do centro de eventos, divulgação prévia/posterior e circulação e interação dos candidatos, afastando a conduta da presença discreta e silenciosa. Veja-se que o enfrentamento das teses acusatória e defensiva encontra-se extensivamente exposta no decisum:

[...]

Em suas razões, a coligação ora recorrente sustenta que a inauguração do Centro de Eventos localizado no Parque Saint Hilaire, por ocasião da comemoração do aniversário do Município de Viamão, se converteu em verdadeiro evento de publicidade eleitoral em favor dos então candidatos vinculados ao grupo político do Prefeito NILTON JOSE SICA MAGALHAES, RAFAEL BORTOLETTI DALLA NORA e MARCIEL FAURI BERGMANN, os quais acabaram por ser eleitos. Reforça tal alegação com o fato de que o “uso de adesivos e bandeiras foi ostensivo, conforme pode ser observado nas imagens e vídeos que instruíram a presente ação”, e de que “muito embora afirmem os investigados e as testemunhas quanto à inexistência de cerimônia oficial, descerramento de placas, referência a autoridades ou candidatos, houve a abertura dos portões do Parque a comunidade, com a realização de show, fala do prefeito e do Deputado Estadual PROFESSOR BONATTO, que já anunciavam, nas redes sociais e no site da Assembleia Legislativa a inauguração da obra”.

[...]

Apresentadas contrarrazões pelos recorridos (ID 45901116), onde argumentam, inicialmente, preliminar de ilicitude dos elementos probatórios apresentados pela parte autora, especialmente capturas de tela e demais provas digitais, ressaltando ausência de cadeia de custódia e insuficiência dos relatórios técnicos, embasando-se em jurisprudência recente do STJ.

Defendem, ainda, que não ocorreu inauguração de obra pública, mas sim uma reabertura do parque com festividades pelo aniversário da cidade, sem a participação ou o discurso público dos candidatos impugnados no evento ou no show. Sustentam que não há provas de conduta vedada, abuso de poder ou favorecimento indevido, já que os candidatos sequer estavam presentes no evento; ou, quando presentes, não tomaram parte de atos oficiais ou fizeram uso da palavra. Amparam-se em testemunhos, documentos, comprovação de geolocalização e laudos técnicos que atestam a presença dos candidatos em local diverso no horário dos fatos. Além disso, citam entendimento da jurisprudência eleitoral, destacando que a simples presença de candidatos em eventos públicos ou a divulgação de ações governamentais em redes sociais, sem participação ativa ou conotação eleitoral, não caracteriza ilícito eleitoral nem desequilibra o pleito, sendo desproporcional a sanção de cassação ou inelegibilidade.

[...]

Quanto à natureza do evento, o voto condutor reconheceu que, embora o parque estivesse em obras, o ato marcou “a entrega e a abertura ao público do ‘Centro de Eventos’, uma obra nova e de grande porte, custeada com recursos públicos”, afastando a narrativa de simples festejo comemorativo.

Além disso, o acórdão explicitou que, mesmo na ausência de solenidade formal clássica, com uso de cerimonial e descerramento de placa alusiva, estava-se diante de inauguração de obra pública destinada à população do município. Aqui, cumpre esclarecer que o acórdão não partiu da premissa de uma “pretensão de simular inauguração” como fato autônomo a ser apurado sob a ótica do abuso de poder, mas, sim, reconheceu que, na substância, a abertura ao público do Centro de Eventos — obra pública de grande porte — foi envolta em roupagem festiva e em narrativa alusiva às comemorações do aniversário do Município de Viamão, como expediente apto a mascarar a natureza real do ato (entrega/abertura de equipamento público com presença de candidato em período vedado), preservando-se, assim, a incidência objetiva da vedação do art. 77 da Lei n. 9.504/97. Nessa linha, o julgado explicitou que a regulamentação aplicável “expressamente alcança eventos assemelhados ou que simulem inauguração”.

A referência, em votos de adesão, a expressões como “evento assemelhado” ou “simulação/mimetização” não traduz alteração do evento, mas qualificação normativa expressamente contemplada na regulamentação aplicável e utilizada pelo acórdão como critério de interpretação para impedir o esvaziamento da vedação por solenidades escamoteadas.

Logo, o que houve foi a reafirmação, por votos de adesão, da mesma ratio decidendi — natureza substancial de inauguração/entrega de obra pública e comparecimento vedado —, não a alteração da natureza do evento ou a substituição do fundamento fático do julgamento.

Não há, portanto, inovação decisória, contradição ou extrapolação dos limites da demanda: os fatos analisados permanecem os mesmos (evento no parque e comparecimento no período vedado), tendo o Tribunal apenas procedido à qualificação jurídica do ocorrido à luz do marco normativo aplicável, com fundamentação expressa.

Seguindo, com relação à alegação de contradição por referência a “participação ostensiva” e de omissão quanto à não adoção de precedente também não prospera.

O acórdão enfrentou de modo direto a questão da ostensividade e do afastamento do juízo de proporcionalidade, assentando que:

“[...]

Nesse sentido, afasta-se a tese arguida pelos recorridos de que não houve ostensividade na presença dos recorridos no evento. Mesmo não havendo prova da existência de fala direcionada aos candidatos ou enaltecimento de suas qualidades pelas autoridades que fizeram uso da palavra, a presença ostensiva dos candidatos e de sua militância, com identificação de suas candidaturas, com bandeiras e bottons e a vinculação das autoridades presentes com os candidatos de sua corrente política no transcorrer do evento afastam a possibilidade de aplicação de qualquer juízo de proporcionalidade para afastamento da tipicidade da conduta.

[...]”

Dessa forma, inexiste contradição interna: o acórdão adotou premissa fática (presença ativa/ostensiva com militância identificada) e, com base nela, afastou a proporcionalidade, o que traduz opção motivada do colegiado, insuscetível de revisão pela via aclaratória.

Com relação ao outro ponto a ser aclarado, a insurgência dos embargantes quanto ao uso de publicações digitais também não evidencia omissão.

O acórdão registrou que a “ampla divulgação do evento – antes e após a sua realização – nas redes sociais dos candidatos e das autoridades presentes” conferiu destaque aos candidatos, com aptidão a desequilibrar a disputa.

Ademais, ao rebater a tese de ausência de ostensividade ao fundamentar a cassação, o julgado explicitou que as provas fotográficas e de vídeo indicaram associação das imagens dos candidatos à obra entregue, com reforço por conteúdos divulgados previamente e posteriormente à realização do evento nas redes sociais dos candidatos e das autoridades públicas apoiadoras das candidaturas.

Em suma: a discussão proposta nos embargos, portanto, não versa sobre obscuridade, omissão ou contradição do acórdão, mas sobre a valoração jurídica conferida aos elementos de prova — providência incompatível com a função integrativa dos declaratórios.

Por fim, quanto ao prequestionamento, considerando a disciplina do art. 1.025 do CPC, os elementos que a parte suscitou nos embargos de declaração serão considerados como prequestionados, mesmo com sua rejeição, desde que tribunal superior considere que houve erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Ante o exposto, VOTO por REJEITAR os embargos de declaração opostos e determinar à Secretaria do Tribunal que adote as providências para o imediato cumprimento do acórdão de ID 46143493.