REl - 0600635-74.2024.6.21.0008 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/02/2025 00:00 a 28/02/2025 23:59

 VOTO

Cinge-se o presente recurso à verificação de abuso de poder político imputado aos recorridos por meio do uso dos serviços de servidor público, em favor de coligação recorrida e candidatos, na pessoa do Procurador Jurídico municipal, Dr. Sidgrei Antônio Machado Spassini, que teria se afastado apenas formalmente, mas continuaria a responder de fato pela Procuradoria.

O abuso de poder possui estatura constitucional, previsto no § 9º do art. 14 da CF, in verbis:

Art. 14.

[…]

§9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

O caput do art. 22 da LC n. 64/90 dispõe sobre a abertura de investigação judicial para apurar o uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade:
 

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:
 

 

Trata-se de instituto aberto, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta capaz de alterar a simples normalidade das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que, sem a prática abusiva, o resultado das urnas seria diferente.

É o que dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22.

(…)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

 

E nesse sentido bem esclarece a doutrina de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições. Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663)

 

Conforme posição consolidada do TSE, “[…] o reconhecimento do abuso de poder demanda, de modo cumulativo, a prática da conduta desabonadora e a “gravidade das circunstâncias que o caracterizam”, nos termos do art. 22 , XVI , da LC 64/90, a ser aferida a partir de aspectos qualitativos e quantitativos do caso concreto”. (REspEl: 06004194920206060048 NOVA RUSSAS - CE 060041949, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 01.02.2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 23).

Após essa breve consideração doutrinária, passo a analisar o fato descrito na exordial como abuso de poder político.

O texto legal veda o emprego, na campanha, de servidor público, não licenciado, durante o “horário de expediente normal”. A lei não impede que servidores públicos possam prestar auxílio a determinado candidato. Ao contrário, o dispositivo preocupa-se com a moralidade pública, buscando evitar que ocupantes de cargos públicos sejam desviados de suas funções públicas para auxiliar a campanha de candidatos.

No caso em tela, o requisito necessário à caracterização do abuso de poder político suscitado é a prova de que os recorridos tenham feito uso indevido de bens ou pessoas em serviço da Administração Pública direita ou indireta, em benefício próprio e em vantagem sobre os demais candidatos.

Ocorre que foi demonstrada, por meio da Portaria n. 100.938/24, publicada no Diário Oficial (ID 45756833 e ID 45756832), a exoneração do Procurador-Geral em 1º de agosto de 2024, não possuindo mais qualquer vínculo com a Administração Municipal a partir daquela data.

De tal modo, que, formalmente, o afastamento está regularmente comprovado, não havendo nenhum impedimento para que o ex-Procurador municipal exerça advocacia privada.

Quanto à alegação de que o afastamento do Procurador se deu apenas formalmente e que ele continuaria, de fato, à frente da Procuradoria, não vislumbro nos autos prova capaz de comprovar o alegado.

Veja-se que o recorrente traz como única prova uma certidão automática do TJRS, a qual afirma que Sidgrei Antônio Machado Spassini seria representante do município nos processos em tramitação durante o período eleitoral.

No entanto, essa prova demonstra-se extremamente débil, conforme bem apontou a Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer:

Essa informação é sabidamente automatizada a partir dos dados iniciais do processo, somente se alterando por nova procuração nos autos, o que não se faz necessário para a Advocacia Pública que conta com quadro de procuradores que atuam nos processos.

 

Ademais, a própria sentença de primeiro grau já havia tratado dessa questão, em particular análise:

Com relação aos processos, recentemente ajuizados no e-proc, mencionados pelo autor, esta magistrada analisou um a um e verificou que não houve atuação do investigado Sidgrei, sendo que as peças processuais produzidas pelo Município de Bento Gonçalves em tais feitos foram assinadas por outros procuradores. O fato de o cadastro do e-proc e do site do Município não terem sido atualizados, para que fosse excluído o investigado Sidgrei como Procurador-Geral, não invalida sua exoneração, através de Portaria publicada no Diário Oficial. Além disso, como já referido, embora o cadastro no e-proc não esteja atualizado, constando, ainda, o nome do investigado Sidgrei dentre vários outros Procuradores do Município, não restou comprovado, pelo autor, a prática de qualquer ato, sob tal condição, em processos judiciais, desde a data da exoneração do cargo.

 

Por fim, destaco a posição consolidada do TSE no sentido de que: “[…] Ante a previsão das severas sanções decorrentes da procedência dos pedidos das ações eleitorais ajuizadas com base em abuso de poder, conduta vedada a agente público ou captação ilícita de sufrágio, a jurisprudência deste Tribunal tem exigido a produção de conjunto robusto de provas apto a demonstrar, inequivocamente, a prática de tais condutas”(AREspEl: 060035696 CORAÇÃO DE MARIA - BA, Relator: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 30.03.2023, Data de Publicação: 14.04.2023).

Assim, não há reparos a fazer na sentença, pois, igualmente, tenho que “o contexto fático e probatório é insuficiente para demonstrar o cometimento de abuso de poder político, que pudesse ensejar condenação à penalidade de cassação do registro ou diploma, com fundamento no art. 22, caput e incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90.”

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto.