REl - 0600928-89.2024.6.21.0090 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/02/2025 00:00 a 28/02/2025 23:59

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Ambos os recursos são tempestivos, visto que foram interpostos no prazo de um dia da publicação da sentença no mural eletrônico da Justiça Eleitoral. Como preenchem os demais pressupostos de admissibilidade recursal, deles conheço.

 

PRELIMINAR

Em seu parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral alega, preliminarmente, ofensa ao art. 344 do CPC, argumentando que o recorrente GUSTAVO, após devidamente citado, não apresentou contestação no prazo, o que atrairia a incidência dos efeitos da revelia, presumindo–se verdadeiros os fatos narrados na inicial.

Destaco que não há se falar em negativa de vigência ao art. 344 do CPC, tendo em vista que o reconhecimento da revelia não se confunde, no caso, com a presunção de veracidade dos fatos narrados na inicial, não impedindo a apreciação dos demais elementos de prova constantes dos autos.

Mesmo tendo descumprido ônus de controverter os fatos carreados aos autos com a acusação inicial, tal hipótese não afasta a possibilidade recursal (garantia constitucional) pela parte originariamente sucumbente, como permite implicitamente o art. 349 do CPC. Tal entendimento encontra-se pacificado no Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do que podemos extrair do Recurso Especial n. 204908-RJ, julgado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em dezembro de 2014, em que se firmou que “os efeitos da revelia não abrangem as questões de direito, tampouco implicam renúncia a direito ou a automática procedência do pedido da parte adversa. Acarretam simplesmente a presunção relativa de veracidade dos fatos alegados pelo autor”.

A jurisprudência do colendo Tribunal Superior Eleitoral mostra-se firme no sentido de que, mesmo os fatos narrados se mostrando verossímeis (como na hipótese dos autos), cabe à Justiça Eleitoral avaliar se tal situação configura ou não infração à legislação (TSE, Representação n. 2338–89.2010.6.00.0000, Rel. Min. Henrique Neves, julgado em 19.8.2010). Em igual sentido, tem-se que (...) “a presunção de veracidade advinda da revelia não é absoluta, cabendo ao magistrado sopesar os fatos narrados na inicial em cotejo com as provas produzidas, a fim de formar sua livre convicção sobre o mérito da causa (art. 131 do CPC)” (TSE, Representação n. 4221–71.2010.6.00.0000, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, julgado em 06.10.2011).”

Ademais, entendo que a presente ação recai sobre direito indisponível, não possuindo a revelia aptidão de produzir confissão ficta, conforme reza o art. 345, inc. II, do Código de Processo Civil (CPC) e o entendimento desta Justiça Especializada, conforme a jurisprudência que colaciono:

ELEIÇÕES 2018. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PRELIMINAR. INTEMPESTIVIDADE DA CONTESTAÇÃO. AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. INCABÍVEL A APLICAÇÃO DOS EFEITOS DO ART. 344 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DIREITO INDISPONÍVEL. DESENTRANHAMENTO. MÉRITO. OFENSA AOS ARTIGOS 37, § 1º DA LEI Nº 9 .504/97 E 14, § 7º DA RTSE Nº 23.551/2017. "DERRAME DE SANTINHOS". VIA PÚBLICA. DIA DO PLEITO. FRAGILIDADE DA PROVA. INAPLICABILIDADE DE MULTA DO ART. 37, § 1º DA LEI Nº 9 .504/97. REPRESENTAÇÃO IMPROCEDENTE. 1. Na espécie, requer o representante aplicação da multa do art. 37, § 1º da Lei nº 9.504/97, por entender configurado o derrame de santinhos, conduta coibida e sancionada no § 7º do art. 14 da RTSE nº 23.551/2017, além de ofender o art. 243 do Código Eleitoral. 2. Alega ter ocorrido o ato indigitado na madrugada do dia 7/10/2018, em frente a um local de votação, no Município de Sobral-CE, conduta supostamente praticada pelo representado, então candidato ao cargo de deputado federal. 3. Determinado o desentranhamento da contestação e dos documentos que a acompanhavam, ante a intempestividade do protocolo e a ausência de representação processual. 4. No processo eleitoral, o direito não é prerrogativa das partes, dada a natureza pública/indisponível dos direitos envolvidos. O combate à propaganda eleitoral irregular detém natureza de ordem pública, tratando-se, portanto, de direito indisponível, o que atrai aplicação do art. 320, II, do Código de Processo Civil. Incabível a aplicação dos efeitos da revelia. 5. Ausente a comprovação da prática de ilícito que mereça repreensão por esta Justiça Eleitoral, considerando que: i) não provada a data de produção das filmagens; II) se aponta a existência de santinhos em apenas um local de votação; iii) inexpressiva a quantidade de santinhos identificados como sendo do representado, para caracterizar o "derrame" de que trata a norma eleitoral sancionatória. 6. Consideradas as particularidades fáticas do caso em apreço, não se incumbiu a parte em demonstrar a irregularidade alegada, inexistindo prova segura de que houve a prática da conduta ilícita coibida pelo art. 14, § 7º da Resolução TSE nº 23.551/2017. Inaplicável a multa prevista no art. 37, § 1º da Lei nº 9.504/97. 7. Representação julgada improcedente. (TRE-CE - RP: 060301876 FORTALEZA - CE 0603018-76, Relator.: FRANCISCO EDUARDO TORQUATO SCORSAFAVA, Data de Julgamento: 23/04/2019, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 075, Data 26/04/2019, Página 05/10) Grifei.

Portanto, com tais considerações, tenho por declarar a revelia; contudo, afasto seus efeitos, nos termos do art. 345, inc. II, do Código de Processo Civil,

Passo a analisar a matéria de fundo.

 

MÉRITO

A presente representação foi ajuizada com base na alegação de prática de propaganda irregular relativa ao derramamento de santinhos próximo a local de votação, na municipalidade de Guaíba, na data do pleito.

Conforme diversos processos similares julgados por este Tribunal relativamente ao pleito de 2024 originários da mesma localidade (REl n. 0600914-08.2024.6.21.0090, REl n. 0600951-35.2024.6.21.0090, REl n. 0600920-15.2024.6.21.0090, REl n. 0600942-73.2024.6.21.0090, REl n. 0600927-07.2024.6.21.0090), tenho que, no caso em tela, não há indícios suficientes para caracterizar o ilícito eleitoral alegado.

A sentença de procedência está fundamentada na existência de elementos probatórios suficientes para caracterizar a infração, como se verifica do seguinte trecho da decisão:

(…)

No presente caso, as fotografias anexadas aos autos demonstram uma quantidade suficiente de material gráfico de campanha, havendo indícios probatórios satisfatórios que justifiquem a intervenção dessa Especializada. Ademais, conforme se extrai das informações constantes no relatório anexado pelo Ministério Público Eleitoral no ID 124492703, o representado teve material gráfico encontrado em pelo menos 7 (sete) locais de votação, quais sejam: Escola Santa Rita de Cássia (8 seções), Escola Solon Tavares, anteriormente denominada Carmen Alice Laviaguerre (11 seções); Escola Aglae Kehl (12 seções), Escola Ismael Chaves Barcellos (5 seções), Escola Dr. Ruy Gonçalves Coelho (16 seções), Escola Amadeu Bolognesi (12 seções) e Escola Rio Grande do Sul (15 seções), totalizando 74 das 229 seções eleitorais do Município de Guaíba. Tal material foi encontrado em 32,31% das seções eleitorais do Município de Guaíba, Se considerarmos o total de eleitores votantes nos quais o material foi encontrado e recolhido, chega-se a mais de 26 mil eleitores, mais de 1/3 do eleitorado de Guaíba, que conta com 75.825 eleitores.

(...)

Conforme consignado na sentença e apresentado na exordial e nas razões recursais do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, se afirma ter que o detalhado e amplo relatório conjunto com registros de imagem, mapeamento, coleta, análise e arquivamento de exemplares do material de campanha apreendido, mostra-se em estrita observância a provar o ilícito de derrame de propaganda eleitoral.

No entanto, examinados os autos, considero que as razões de reforma pelo recorrente GUSTAVO LESSA BRANDÃO são suficientes para afastar o juízo de procedência, pois a prova da infração consiste na afirmação de que foi localizado material de campanha em vias públicas próximas à sete locais de votação, sem indicação mínima da quantidade desse material.

A prova fotográfica acostada à inicial, mostrada na primeira imagem (ID 45816834, p. 2), apresenta três santinhos sobre uma mesa, não estando suficientemente demonstrada a sua presença nos locais indicados. As demais quatro fotografias acostadas na exordial mostram, de fato, algumas propagandas do candidato, entre outras não identificas, sem detalhamento dos locais do ocorrido, tampouco da estimativa de quantidade encontrada dessa publicidade.

A prova é frágil e a quantidade de propaganda apresentada nas imagens não caracteriza um "derramamento" de material de campanha apto à conclusão chegada pela sentença, especialmente porque não foi apresentada prova cabal de que houve autoria ou prévia ciência da candidata quanto à alegada infração.

Assim, o provimento do recurso de GUSTAVO LESSA BRANDÃO para julgar improcedente a representação e, por consequência lógica, o desprovimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, que pedia a majoração da multa imposta, é medida que se impõe.

Ante o exposto, VOTO por DAR PROVIMENTO ao recurso de GUSTAVO LESSA BRANDÃO e NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.