REl - 0600811-16.2024.6.21.0085 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/12/2025 00:00 a 23:59

VOTO

A sentença de desaprovação fundamentou-se na realização de despesas com contratação de militância e mobilização de rua no valor de R$ 4.700,00, as quais representam 100% do total arrecadado pela candidata, sem observância dos requisitos exigidos pelo art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, por falta de individualização dos contratos, indicação dos locais de trabalho, indicação das atividades exercidas e justificativa do preço contratado.

Também foram considerados irregulares os pagamentos de despesas com combustível realizados por meio da conta bancária de Outros Recursos, no valor de R$ 400,00, sem prova de gastos efetivos de campanha; e a ausência de declaração, na prestação de contas, de doação estimável em dinheiro oriunda do Diretório Estadual do Podemos, no valor de R$ 822,60.

Relativamente aos gastos com FEFC, todos os 3 contratos são para a mesma função de assistente de campanha em atividades de rua no Município de Torres, com carga horária de 8h de segunda a sábado e têm valores e períodos de trabalho diferentes: de R$ 2.500,00 (Roberti – 15.08 a 06.10), R$ 2.000,00 (João – 15.08 a 06.10) e R$ 200,00 (Thayna - 23.09 a 06.10).

Com base na contagem de dias úteis de segunda a sábado, Roberti e João trabalharam de 15/08 a 06/10 (45 dias úteis cada), ao passo que Thayna laborou de 23.09 a 06.10 (12 dias úteis), o que resulta, para efeito comparativo, em remunerações aproximadas de R$ 55,56/dia (Roberti), R$ 44,44/dia (João) e R$ 16,67/dia (Thayna). Nota-se, assim, que Roberti recebeu cerca de 25% a mais por dia de trabalho que João, enquanto Thayna recebeu valor diário aproximadamente 62,5% inferior ao de João e 70% inferior ao de Roberti, sem que haja, nos autos, justificativa técnica de preço ou especificação dos locais de execução que expliquem tais variações.

Essas omissões são relevantes, e não se trata de análise de  boa ou má-fé, e sim de aferição objetiva da correta aplicação de recursos públicos.

As razões recursais não suprem o apontamento, pois a falta de elementos que corroborem a despesa impede a fiscalização e compromete a verificação da destinação dos recursos. A mera referência de que os locais de trabalho, as atividades realizadas e a justificativa para os valores pagos variaram entre os contratados, ainda que para funções semelhantes, demonstra a ausência de fidedignidade da documentação.

Minha conclusão é de que não há reparos a serem realizados na sentença e de que deveria ser mantido o dever de recolhimento ao erário, por descumprimento do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, na forma do art. 79, § 1º, da mesma resolução.

Convém, então, explicitar o encadeamento normativo que orienta meus votos.

O art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19 não estava previsto nas resoluções anteriores sobre contas de campanha e descreve o padrão mínimo documental para contratações de pessoal: contrato com identificação das pessoas prestadoras, locais de trabalho, horas trabalhadas, prova das atividades executadas e, sobretudo, justificativa do preço (TSE, Instrução n. 0600749-95.2019.6.00.0000).

Essa disciplina foi reforçada após a criação do FEFC (Lei n. 13.487/17), e o Fundo Eleitoral foi instituído no contexto da vedação ao financiamento empresarial e do redirecionamento da política pública de financiamento eleitoral, inclusive com reservas obrigatórias de FEFC e Fundo Partidário às políticas de cotas (gênero e, posteriormente, raça) - ADI n. 5795.

Essa documentação exigida não é mero formalismo, pois traduz moralidade, economicidade e rastreabilidade do gasto com recursos públicos, princípios que regem o emprego de verbas orçamentárias (CF, art. 37, caput). Quando o contrato é genérico ou a prova de execução de seu objeto é insuficiente e não contemporânea ao período da contratação, incide o art. 60, caput e § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que autoriza a diligência e a exigência de documentação complementar.

Conforme a resolução em questão, persistindo a insuficiência probatória, a consequência jurídica não decorre do art. 35, mas sim do art. 79, caput, e § 1º: somente quando a despesa é paga com fundos públicos (Eleitoral ou Partidário) é que está prevista a devolução do valor correspondente ao erário. Se a despesa foi custeada com recursos privados, a irregularidade impacta o juízo global (ressalvas/desaprovação), mas não gera, por si, dever de recolhimento ao erário por ausência de comprovação, ressalvados, evidentemente, os casos de fonte vedada e origem não identificada (arts. 31 e 32 da resolução), hipóteses em que a transferência ao Tesouro é devida independentemente da natureza pública ou privada da receita.

O filtro documental do art. 35, § 12, harmonizado com o art. 60, é justamente o mecanismo de prestação de contas e de responsabilidade pela movimentação financeira (accountability) com foco na justificativa do preço e na prova de execução da atividade contratada e das horas declaradas.

Todavia, ainda que ressalve minha posição pessoal, acompanharei a orientação majoritária extraída dos recentes precedentes deste Tribunal, entendendo que se trata de falha formal  indicadora tão somente de ressalva nas contas, de modo a prestigiar a uniformidade decisória.

Quando do julgamento do REl n. 0601082-33.2024.6.21.0050, de minha relatoria, redator para o acórdão o ilustre Des. Fed. Leandro Paulsen (DJe 29.9.2025), e do REl n. 0600274-33.2024.6.21.0016, da relatoria do ilustre Des. El. Volnei dos Santos Coelho (DJe 25.9.2025), concluiu-se que é possível relevar módicas diferenças de pagamento de valores sem justificativa de preços.

Também consolidou-se o entendimento pela desnecessidade de indicação de locais de atividade (REl n. 0600609-37.2024.6.21.0021, Rel. Des. Maria de Lourdes Galvao Braccini de Gonzalez, DJe 20.10.2025; REl n. 0600587-76.2024.6.21.0021, Rel. Des. Nilton Tavares da Silva, DJe 02.10.2025).

Tais balizas, derivadas da colegialidade, servem como referências operativas para uniformização.

Assim, afasto a determinação de recolhimento ao erário da quantia de R$ 4.700,00.

Relativamente à demais irregularidades, no total de R$ 1.222,60, a despesa com combustível, no valor de R$ 400,00, foi realizada sem comprovação do uso para a campanha, e não restou esclarecido o motivo de o Podemos ter declarado uma doação estimável de R$ 822,60 à candidata, que a recorrente alega desconhecer.

A soma das irregularidades é de R$ 1.222,60, que representa 20,78% do total de recursos recebidos (R$ 5.882,17), extrapolando os parâmetros da jurisprudência das Cortes Eleitorais para aplicação dos princípios de proporcionalidade e de razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, tendo em vista que o montante da irregularidade está acima de 10% do total de recursos arrecadados e é superior ao valor nominal de R$ 1.064,10:  “Em prestação de contas cuja irregularidade envolver valores reduzidos, inferiores a R$ 1.064,10 ou a 10% da arrecadação, é admitida a aprovação com ressalvas, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” (TRE-RS, REl 0600724-60.2024.6.21.0085, Relator Desembargador Eleitoral Nilton Tavares da Silva, DJe, 13.02.2025).

Portanto, o recurso merece ser provido em parte tão somente para reduzir de R$ 4.700,00 para R$ 1.222,60 o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, mantida a desaprovação das contas.

Em face do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso tão somente para reduzir de R$ 4.700,00 para R$ 1.222,60 o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, mantida a desaprovação das contas.