REl - 0600755-76.2024.6.21.0054 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/12/2025 00:00 a 23:59

VOTO

1. Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

2. Das Preliminares

2.1. Da Alegada Nulidade do Despacho Saneador

A recorrente afirma que o juízo de origem, ao delimitar os pontos controvertidos em despacho saneador, afastou sumariamente a análise de fatos relacionados à misoginia e ao abuso de poder econômico, proibindo a produção de provas sobre eles, apesar da existência de indícios anexados à inicial. Nesses termos, aduz que:

Na inicial foram anexados vídeos que mostram uma pessoa do sexo masculino, travestido de mulher, representando a candidata Marina, com o adesivo de campanha dos representados no peito.

Isso é claramente um indício de prova, que demonstra não ser a imputação temerária ou totalmente vazia.

Em se tratando de ação de investigação judicial eleitoral, outros elementos poderiam ter sido produzidos no curso da instrução, inclusive a oitiva daquela pessoa, ante os elementos prévios anexados.

 

No caso, o juízo entendeu que narrativa acerca da contratação de pessoas para atacar a candidata, com expedientes ofensivos e misóginos, “é vazia, pois, não há o mínimo de lastro probatório dessa negociação, consubstanciando mera conjectura” (ID 45843111).

Com efeito, a prova acostada com a exordial consiste em meros prints de postagem realizada por uma única pessoa, Leandro Nunes Goés, na rede social Facebook, na qual escreve “Agora que tava Bom Caçaram a tigrinha” (ID 45843087), seguindo comentários de outros usuários sobre a postagem: “Pra q fazer isso com a tigressa” e “O IBAMA tá em cima, vai descobrir quem cassu a tigressa” (ID 45843086).

Tais elementos não demonstram sequer de forma indiciária a contratação ou participação dos recorridos, nem a gravidade exigida para caracterização do abuso de poder.

Assim, não há cerceamento de defesa quando o juiz, fundamentadamente, limita a instrução aos fatos que apresentem indícios mínimos de materialidade e autoria, uma vez que a AIJE não é instrumento para investigações genéricas ou baseadas em conjecturas; exigindo-se demonstração inicial de plausibilidade, sob pena de transformar o processo em verdadeira devassa eleitoral contra adversários políticos.

Além disso, o requerimento de oitiva de Leandro Nunes de Goes somente foi formulado na petição de ID 45843131, após a designação da audiência de instrução (ID  45843122), quando já operada a preclusão.

Do mesmo modo, o alegado vídeo de pessoa supostamente travestida para ofender a candidata foi trazido aos autos após a contestação e o despacho saneador (ID 45843132), sendo desprovido de qualquer identificação de seus participantes.

Com efeito, o rito processual da AIJE, disposto no art. 22, caput e incisos, da LC n. 64/90, disciplina que a parte deverá representar à Justiça Eleitoral, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias. Com isso, a jurisprudência se firmou no sentido de que “o autor deve indicar na peça inicial as provas que pretende produzir, trazendo rol de testemunhas, ou, ainda, apontando outros tipos de provas a serem requisitadas ou produzidas no feito” (TSE, AgR-AI n. 462-62/SP, Relatora: Min. Luciana Lóssio, DJe de 02.4.2014), o que não ocorreu na hipótese.

Tendo em vista que a petição inicial somente trouxe imputações genéricas sobre os supostos ilícitos e a parte não logrou requerer e esclarecer a necessidade das provas que desejava produzir em momento oportuno, não vislumbro irregularidade processual em relação ao ponto.

Assim, rejeito a preliminar.

2.2. Do Indeferimento da Intimação de Testemunha (Transporte Irregular)

A recorrente sustenta cerceamento de defesa pelo indeferimento do pedido de intimação do condutor do veículo supostamente utilizado para transporte irregular de eleitores, alegando que:

Na petição de ID 126307987 o autor indicou quem seria o condutor do veículo que estaria transportando eleitores, cujas fotos do veículo já tinham sido anexadas e pediu ao juízo fosse essa pessoa intimada para comparecer à audiência, visto que não se faria presente de forma voluntária.

 

A decisão de indeferimento da produção de provas está fundamentada nos seguintes termos (ID 45843138):

Para apuração do transporte de eleitor foi facultada a produção de prova, inclusive oral, no número de três para cada fato.

 

Na petição de especificação das provas, a autora indicou cinco testemunhas, não indicou sobre o que cada uma delas tratará. Relata, intempestivamente, que descobriu o nome de novas testemunhas e pede que sejam intimadas.

 

Ocorre que, a inércia na diligência antes da especificação das provas, não lhe aproveita, afinal, a nova testemunha não é "prova nova". Não cabe, neste momento, ampliar o rol de pessoas que serão ouvidas. Possível, em tese, a substituição das testemunhas, na forma do art. 451 do CPC, no entanto, não houve requerimento ou comprovação dos fatos legais na petição.

 

Com efeito, a parte recorrente teve oportunidade de indicar suas testemunhas no momento oportuno, mas formulou pedido extemporâneo, após encerrada a fase de especificação das provas.

Ressalto, mais uma vez, que, conforme pacificado na jurisprudência, “a ausência de apresentação do rol de testemunhas no momento oportuno acarreta preclusão e não configura cerceamento de defesa” (TRE-RS; REl n. 060045743, Acórdão, Relator: Des. Federal Leandro Paulsen, Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, 29.7.2025).

Além disso, sobre o fato foram ouvidas outras testemunhas indicadas pela autora, inclusive três policiais militares que receberam as denúncias envolvendo o veículo em questão, que informaram sobre a sua abordagem em barreira policial, sem a constatação de qualquer ilícito.

Nesses termos, impõe-se a rejeição da preliminar.

2.3. Do Indeferimento de Memoriais Escritos

A recorrente alega que, diante da complexidade da causa, deveria ter sido concedido prazo para apresentação de memoriais escritos, e não apenas alegações finais orais.

Sem razão.

O procedimento da AIJE estabelece que, encerrada a instrução, as partes serão intimadas para apresentar alegações finais no prazo comum de 2 (dois) dias (Lei Complementar n. 64/90, art. 22, inciso X), não havendo previsão quanto à apresentação de alegações finais orais.

Em suas razões, a recorrente alega que, “em um processo de tal complexidade e extensão deveria ter sido aberto prazo para apresentação de memoriais escritos, inclusive para análise dos extensos vídeos provenientes das câmeras de segurança da Brigada Militar”.

Contudo, na manifestação de 14.11.2024 (ID 45843131), a parte autora confirmou o acesso às imagens fornecidas pela Brigada Militar, ou seja, mais de dez dias antes da audiência em que realizados os memoriais orais, datada de 25.11.2024 (ID 45843146). Portanto, não procede a alegação de prejuízo por impossibilidade de análise da prova.

Ademais, ambas as partes puderam expor suas razões oralmente, contemplando toda a prova produzida nos autos, em situação de paridade de armas, afastando qualquer mácula ao contraditório e à ampla defesa.

Dessa forma, a parte não se desincumbiu do ônus de indicar claramente os prejuízos advindos da falta de abertura de prazo para apresentação de memoriais escritos. Limitou-se a alegar genericamente a complexidade da causa, sem demonstrar de que forma concreta a ausência de prazo para memoriais comprometeu sua defesa ou alteraria o resultado do julgamento.

Em nosso ordenamento jurídico, vigora o princípio da pas de nullité sans grief e da instrumentalidade das formas, segundo os quais não há nulidade sem prejuízo efetivo e demonstrado nos autos. A jurisprudência do TSE é firme que “ausente demonstração de prejuízo, não se reconhece nulidade, nos termos do art. 219 do Código Eleitoral” (TSE – REspEl n. 0600838-83/PA, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Data de Julgamento: 19.8.2021, Data de Publicação: 14.9.2021).

Com esses fundamentos, rejeito a preliminar rejeitada.

3. Do Mérito

No mérito, a recorrente alega que ROSEMAR HENTGES e JUBERLAN GIONGO, candidatos eleitos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice-prefeito no Município de Ibirapuitã, no pleito de 2024, praticaram abuso de poder econômico, mediante a contratação de pessoas para ridicularizar a oponente Marina Carolina, com encenações públicas depreciativas e incitação ao preconceito de gênero; abordagem de eleitores na fila de votação pelo candidato Rosemar Hentges e por cabos eleitorais, no dia do pleito, configurando a prática sistemática de boca de urna; e contratação de veículos para conduzir eleitores às seções de votação, com registro fotográfico e possível gravação por câmeras da Brigada Militar.

1. Do Abuso de Poder Econômico e dos Ataques Misóginos à Concorrente

Segundo a narrativa contida na petição inicial, os recorridos “contrataram terceiros para atacar a candidata Marina Carolina Morais Paz, com o objetivo de ridicularizá-la em público, incitando preconceito de gênero e misoginia”. Alega, ainda, que “esses ataques incluíram a contratação de uma pessoa para se vestir de mulher e fazer chacota com a imagem da candidata, com o claro intuito de desmoralizá-la perante o eleitorado”, bem como que, “em diversas postagens de redes sociais é possível ver a alusão misógina e machista, referindo a candidata Marina pelo apelido depreciativo de ‘Tigrinha’, melindrando sua honra subjetiva perante o eleitorado, o que causou irreparáveis máculas à lisura do processo eleitoral”.

A prova acostada com a exordial consiste em prints de postagem realizada por Leandro Nunes Goés, na rede social Facebook, na qual escreve “Agora que tava Bom Caçaram a tigrinha” (ID 45843087), seguindo comentários de outros usuários sobre a postagem: “Pra q fazer isso com a tigressa” e “O IBAMA tá em cima, vai descobrir quem cassu a tigressa” (ID 45843086).

Igualmente, consta nos autos, um curto vídeo de pessoa trajando um vestido com estampa tigrada, na garupa de uma motocicleta, acenando para os pedestres e segurando uma bandeira dos candidatos recorridos (ID 45843132).

Ainda que censuráveis, as circunstâncias indicam que as referências à candidata Marina consistiram em manifestações isoladas e voluntárias de eleitores, não havendo indícios mínimos que os ataques foram orquestrados e financiados pelos seus adversários políticos ou que atingiram uma proporção capaz de afetar a normalidade e legitimidade do pleito.

Consoante bem apontou a Procuradoria Regional Eleitoral: “Embora tenha sido mencionada a existência de vídeos mostrando uma pessoa do sexo masculino travestida, representando supostamente a então candidata Marina, não foi demonstrado, de forma conclusiva, o vínculo entre essa pessoa e a campanha dos Recorridos”.

Assim, a valoração do acervo probatório leva à conclusão de as alusões depreciativas à candidata recorrente não foram sistemáticas e graves o suficiente para ensejar a punição por abuso de poder e que as alegações de que haveria um plano concertado de ataques misóginos à concorrente não passam de meras suposições não comprovadas, o que deixa o acervo probatório da ação frágil e insuficiente para a condenação.

2. Da Prática de Boca de Urna no Dia da Eleição

A recorrente defende que “a oitiva das testemunhas ouvidas em juízo, especialmente a Sra. Deisi Brites e o Senhor Vladimir, deixam claro, estreme de qualquer dúvida razoável, que o candidato a prefeito praticou boca de urna em todas as filas e locais de votação, cumprimentando de forma individual e pormenorizada cada uma das pessoas que aguardavam para votar”.

Com efeito, em sua oitiva judicial, a testemunha Deise da Silva, eleitora, narrou que, quando se dirigia para sua mesa de votação, no dia do pleito, o Rosemar a teria “puxado pelo braço na esquina da praça” a fim de pedir o seu voto para ele para os candidatos dele, ao que ela respondeu que já tinha candidatos. Disse, também, que estava sozinha no momento da sua abordagem e que não presenciou pedido de votos a outros eleitores (ID 45843160).

O relato, embora descreva suposta conduta isolada, não demonstra reiteração ou sistematicidade capaz de caracterizar boca de urna em escala apta a comprometer a normalidade do pleito, requisito indispensável à caracterização do abuso de poder.

Por sua vez, Vladinei de Oliveira Cardoso afirmou que atuou como fiscal do partido no dia do pleito e que viu Rosemar circulando nos locais de votação para cumprimentar e falar com eleitores, bem como que recebeu mensagens em grupo de fiscais do partido de que o candidato estaria fazendo o mesmo em outros locais de votação. Relatou que a situação trouxe dúvida entre os fiscais de mesas, pois não sabiam com certeza se a conduta do candidato era permitida ou proibida. Afirmou que o candidato não portava materiais de campanha e que não escutou pedido de votos (IDs 45843157 e 45843158).

A narrativa, portanto, limita-se a descrever que o candidato transitou entre os locais de votação e efetuou cumprimentos genéricos aos eleitores, conduta que, embora possa ser censurável, não se confunde com a captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, nem com a boca de urna típica do art. 39, §5º, do mesmo diploma e tampouco configura propaganda ostensiva no dia da eleição.

As demais provas produzidas pela recorrente, consistentes em fotografias e vídeos, nada esclarecem sobre os fatos, pois apenas retratam a circulação de pessoas nos locais de votação no dia da eleição, sem indicativas claras de qualquer prática ilícita.

Logo, é irretocável a conclusão exposta pelo Magistrado da origem, cujos fundamentos adoto:

Registro que, a fiscalização, pelo candidato, nos locais de votação, não é vedada, tanto que são designados fiscais e delegados para atuarem no dia da eleição como longa manus do próprio candidato.


Claro que o candidato assume o risco com a exposição, que pode lhe trazer consequências, no caso de comprovado excesso, o que, repita-se, não se verificou nestes autos.


Ademais, o relato da testemunha Deise dando conta que o requerido Rosemar pediu voto expressamente, em que pese possa configurar crime, por si só, não justifica a procedência da AIJE.

 

Diante desse contexto, não se pode afirmar, com segurança, que houve prática reiterada, articulada e dolosa de boca de urna, tampouco que tais condutas tenham atingido gravidade suficiente para desequilibrar o pleito, impondo-se a manutenção da sentença de improcedência.

3. Do Transporte de Eleitores no Dia das Eleições

Em relação à comprovação do alegado transporte ilegal de eleitores no dia do pleito, a prova acostada com a petição inicial limita-se a registros fotográficos de veículos estacionados (ID 45843090 e 45843089), que nada indicam sobre a suposta prática ilícita.

Além disso, consta nos autos que a Brigada Militar disponibilizou as imagens das câmeras de videomonitoramento do centro da cidade às partes do processo (ID 45843128). Porém, nenhuma outra prova ou passagem dessas gravações foi indicada como suporte à pretensão da recorrente.

Em oitiva judicial, o policial militar Marcos Paulo Provence Calegari, durante o plantão no dia da eleição, relatou o recebimento de denúncias envolvendo o transporte de eleitores, realizados por uma Ecosport e um Palio amarelo. Narrou que um Palio amarelo foi abordado pela Brigada Militar à noite, mas que nada de irregular foi constatado. Explicou que as denúncias foram encaminhadas de forma anônima (IDs 45843151 e 45843152).

Também o policial militar Joel Rosa da Silva, ouvido em juízo, contou que estava de plantão durante a eleição e que foram recebidas denúncias de transporte de eleitores via whatsapp da Brigada Militar, porém, ressaltou que nada de concreto foi apurado. Disse que as informações eram vagas e anônimas, sem indicação de veículos. Confirmou a abordagem de um veículo Palio amarelo em uma barreira da Brigada Militar, por se tratar de automóvel mencionado nas denúncias e de cor bastante incomum, mas que nada de ilícito foi observado (ID 45843153).

As demais testemunhas que prestaram depoimentos nada acrescentaram sobre os fatos.

Desse modo, não há comprovação suficiente da prática de transporte de eleitores, mormente em dimensão hábil à caracterização de abuso de poder econômico.

Na linha da jurisprudência do TSE, a caracterização do abuso de poder exige “que a gravidade dos fatos seja comprovada de forma robusta e segura a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo)” (Agravo em Recurso Especial Eleitoral n. 060098479, Acórdão, Min. Floriano De Azevedo Marques, Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, 31.5.2024), situação inocorrente nos autos.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, mantendo-se o julgamento de improcedência da ação.