REl - 0600310-89.2024.6.21.0076 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/12/2025 00:00 a 23:59

VOTO

A sentença de desaprovação fundamentou-se na constatação de irregularidades na aplicação de recursos públicos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do Fundo Partidário (FP), as quais representam 100% do total arrecadado pela candidata.

Apontou-se, em síntese: a) a ausência de comprovação suficiente quanto à remuneração de pessoal de campanha (R$ 1.500,00 com recursos do FEFC e R$ 1.000,00 com recursos do FP), pela inobservância do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, notadamente quanto à descrição das atividades, carga horária, locais de trabalho e objeto contratual; b) a realização de gasto com locação de veículo no valor de R$ 2.000,00, sem comprovação da titularidade do bem pelo locador e em montante superior ao limite de 20% das despesas totais, em afronta ao art. 42 da referida resolução.

Passo ao exame das irregularidades.

a) Ausência de comprovação suficiente quanto à remuneração de pessoal de campanha

De acordo com o parecer técnico conclusivo, foram identificadas falhas relativas à contratação de pessoal para atividades de militância custeadas com recursos públicos oriundos do FEFC e do FP, no total de R$ 2.500,00 (R$ 1.500,00 com recursos do FEFC e R$ 1.000,00 com recursos do FP).

A controvérsia posta em sede recursal restringe-se à extensão dos vícios e à sua gravidade, especialmente quanto à necessidade de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

Com base na análise dos contratos apresentados nos autos, especialmente dos documentos relativos às contratações de Mainara Lutz Bourcheidert e Renato Reis, constata-se que as peças trazem a descrição das atividades a serem desempenhadas, a previsão de atuação por turnos e a qualificação dos contratados, inclusive com a assinatura da contratada no campo apropriado. Ainda que no contrato de Mainara o nome da contratada não esteja repetido no cabeçalho, ele consta de forma inequívoca no corpo e na assinatura.

Os documentos apresentados indicam trabalho em Novo Hamburgo/RS, com possibilidade de remuneração por turnos, sendo um contrato de 1º a 05 de outubro e outro indicando 15 dias de trabalho, sem apontamento do período exato de exercício das atividades, com descrição das funções exercidas e justificativa do preço contratado.

Contudo, os contratos não atenderam integralmente ao disposto no § 12 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, no que tange à carga horária, aos locais e ao período de trabalho, pois não indicam se houve atividade em 1 ou 2 turnos.

Minha conclusão é de que não há reparos a serem realizados na sentença e de que deveria ser mantido o dever de recolhimento ao erário, por descumprimento do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, na forma do art. 79, § 1º, da mesma resolução.

Convém, então, explicitar o encadeamento normativo que orienta meus votos.

O art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19 não estava previsto nas resoluções anteriores relativas a contas de campanha, referido parágrafo descreve o padrão mínimo documental para contratações de pessoal: contrato com identificação das pessoas prestadoras, locais de trabalho, horas trabalhadas, prova das atividades executadas e, ainda, justificativa do preço (TSE, Instrução n. 0600749-95.2019.6.00.0000).

Essa disciplina foi reforçada após a criação do FEFC (Lei n. 13.487/17), e o Fundo Eleitoral foi instituído no contexto da vedação ao financiamento empresarial e do redirecionamento da política pública de financiamento eleitoral, inclusive com reservas obrigatórias de FEFC e Fundo Partidário às políticas de cotas (gênero e, posteriormente, raça) - ADI n. 5795.

Essa documentação exigida não é mero formalismo, pois traduz moralidade, economicidade e rastreabilidade do gasto com recursos públicos, princípios que regem o emprego de verbas orçamentárias (CF, art. 37, caput). Quando o contrato é genérico ou a prova de execução de seu objeto é insuficiente e não contemporânea ao período da contratação, incide o art. 60, caput e § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que autoriza a diligência e a exigência de documentação complementar.

Conforme a resolução em questão, persistindo a insuficiência probatória, a consequência jurídica não decorre do art. 35, mas sim do art. 79, caput e § 1º: somente quando a despesa é paga com fundos públicos (Eleitoral ou Partidário) é que está prevista a devolução do valor correspondente ao erário. Se a despesa foi custeada com recursos privados, a irregularidade impacta o juízo global (ressalvas/desaprovação), mas não gera, por si, dever de recolhimento ao erário, por ausência de comprovação, ressalvados, evidentemente, os casos de fonte vedada e origem não identificada (arts. 31 e 32 da resolução), hipóteses em que a transferência ao Tesouro é devida independentemente da natureza pública ou privada da receita.

O filtro documental do art. 35, § 12, harmonizado ao art. 60, é justamente o mecanismo de prestação de contas e de responsabilidade pela movimentação financeira (accountability), com foco na justificativa do preço e na prova de execução da atividade contratada e das horas declaradas.

Todavia, ainda que ressalve minha posição pessoal, acompanharei a orientação majoritária extraída dos recentes precedentes deste Tribunal, entendendo que se trata de falha formal  indicadora tão somente de ressalva nas contas, de modo a prestigiar a uniformidade decisória.

Quando do julgamento do REl n. 0601082-33.2024.6.21.0050, de minha relatoria, redator para o acórdão o ilustre Des. Fed. Leandro Paulsen (DJe 29.9.2025), e do REl n. 0600274-33.2024.6.21.0016, da relatoria do ilustre Des. El. Volnei dos Santos Coelho (DJe 25.9.2025), conclui-se que é possível relevar módicas diferenças de pagamento de valores sem justificativa de preços.

Também consolidou-se o entendimento pela desnecessidade de indicação de locais de atividade (REl n. 0600609-37.2024.6.21.0021, Rel. Des. Maria de Lourdes Galvao Braccini de Gonzalez, DJe 20.10.2025; REl 0600587-76.2024.6.21.0021, Rel. Des. Nilton Tavares da Silva, DJe 02.10.2025).

Tais balizas, derivadas da colegialidade, servem como referências operativas para uniformização.

Assim, afasto a determinação de recolhimento ao erário, no tocante aos valores de R$ 1.000,00 e R$ 1.500,00 pagos a Mainara e Renato, respectivamente.

 

b) Realização de gasto com locação de veículo sem comprovação da titularidade do bem pelo locador

A irregularidade diz respeito à locação de veículo, que permaneceu sem comprovação da titularidade do bem pelo locador e com despesa correspondente a aproximadamente 44% do total movimentado, o que excede o limite de 20% imposto pelo art. 42 da mesma resolução.

Nesse aspecto, a falha é material e compromete a regularidade da despesa, impondo-se a devolução da quantia de R$ 2.000,00 ao Tesouro Nacional, conforme prevê o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Alega-se que o veículo seria de propriedade de Renato Reis, mas se trata de irregularidade substancial e insanável. Não foi apresentado qualquer documento que comprove a propriedade do bem pelo locador, de modo que não se pode aferir a veracidade e a regularidade do vínculo contratual.

A ausência de comprovação da titularidade do bem objeto de locação com recursos públicos compromete a transparência da despesa, não se tratando de falha meramente formal. Neste aspecto, é aplicável o disposto no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo-se o recolhimento da quantia de R$ 2.000,00 ao Tesouro Nacional, devidamente atualizada.

A irregularidade de R$ 2.000,00 perfaz 44,44% dos recursos arrecadados (R$ 4.500,00), extrapolando os parâmetros da jurisprudência das Cortes Eleitorais para aplicação dos princípios de proporcionalidade e de razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, tendo em vista que o montante da irregularidade está acima de 10% do total de recursos arrecadados e é superior ao valor nominal de R$ 1.064,10.  “Em prestação de contas cuja irregularidade envolver valores reduzidos, inferiores a R$ 1.064,10 ou a 10% da arrecadação, é admitida a aprovação com ressalvas, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.” (TRE-RS, REl n. 0600724-60.2024.6.21.0085, Relator Des. El. Nilton Tavares da Silva, DJe 13.02.2025).

Portanto, o recurso merece ser provido em parte para reduzir de R$ 4.500,00 para R$ 2.000,00 o valor a ser recolhido ao erário.

Em face do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para reduzir de R$ 4.500,00 para R$ 2.000,00 o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional.