REl - 0600443-30.2024.6.21.0142 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/12/2025 00:00 a 23:59

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo, pois a publicação da intimação da sentença deu-se no DJe de 07.7.2025, sendo que o prazo recursal passou a fluir a partir de 08.7.2025, com dia final em 10.7.2025, data na qual efetivamente ocorreu sua interposição.

Outrossim, encontram-se preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual conheço do recurso.

 

MÉRITO

A controvérsia cinge-se à análise da gravidade das irregularidades apontadas na prestação de contas do candidato, a fim de verificar se é o caso de desaprovação ou de aprovação com ressalvas, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Analiso, individualmente, cada uma das falhas.

 

1. Dos Recursos de Origem Não Identificada (RONI)

A sentença apontou duas fontes de RONI: depósitos sem identificação (no total de R$ 1.350,00) e uma nota fiscal não declarada pelo prestador de contas (no montante de R$ 239,85).

Com relação aos depósitos, o decisum consignou que a irregularidade consistiu na realização de cinco operações efetuadas na data de 27.8.2024, sem identificação de contraparte no extrato apresentado pelo prestador de contas. A Magistrada a quo anexou extratos eletrônicos à decisão, disponíveis no sistema SPCE e enviados à Justiça Eleitoral pelas instituições bancárias, observando que os créditos tiveram por depositante o CNPJ de campanha do próprio candidato.

Quanto aos depósitos, o recorrente alega que foram realizados por ele mesmo. Embora a justificativa seja plausível, a ausência de documentação comprobatória robusta que vincule os depósitos ao seu CPF fragiliza a alegação.

No campo normativo, as operações bancárias a serem utilizadas para realizar doações eleitorais estão explicitadas na Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF da doadora ou do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que a doadora ou o doador é proprietária(o) do bem ou é a(o) responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

IV – Pix. (Incluído pela Resolução nº 23.731/2024)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

Nos termos do art. 32, §1°, VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, a ausência de identificação do doador originário macula o recurso, classificando-o como de origem não identificada:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta da doadora ou do doador;

[...]

A desobediência ao determinado no artigo supratranscrito tem como consequência a caracterização da verba como de origem não identificada.

Ademais, no que tange à nota fiscal emitida e não registrada, a alegação de que foi gerada unilateralmente pelo fornecedor, sem a devida comprovação de cancelamento ou de contestação formal, não é suficiente para afastar a irregularidade.

A jurisprudência deste Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul é pacífica ao afirmar que a emissão de nota fiscal contra o CNPJ da campanha gera a presunção da despesa. Caberia ao candidato comprovar o efetivo cancelamento do documento fiscal ou a não realização do serviço, o que não ocorreu. A omissão do registro contábil e da comprovação do pagamento com recursos da conta oficial configura, portanto, o uso de recursos de origem não identificada.

Em tal sentido, colaciono o seguinte precedente deste TRE, de minha relatoria:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2022. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADA ESTADUAL. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. IRREGULARIDADES NA APLICAÇÃO DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). ALTO PERCENTUAL. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO. CONTAS DESAPROVADAS. I. CASO EM EXAME. Prestação de contas de candidata não eleita ao cargo de deputada estadual, nas Eleições Gerais de 2022, com apontamentos técnicos de irregularidades e recomendações para desaprovação das contas e devolução de valores ao Tesouro Nacional. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.1. Definir se as falhas apontadas comprometem a regularidade das contas. 2.2. Determinar se os valores considerados irregulares devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1. Não constatados erros formais ou materiais capazes de prejudicar o exame de contas, nem recebimento de recurso de fontes vedadas. 3.2. Utilização de recursos de origem não identificada – RONI. Dever de recolhimento ao erário. 3.2.1. Infração ao art. 53, inc. I, al. ‘g’, da Resolução TSE n. 23.607/19. Omissão entre as despesas constantes da prestação de contas e aquelas lançadas na base de dados da Justiça Eleitoral. Não verificado registro dos pagamentos nos extratos bancários, tampouco apresentadas as respectivas notas fiscais. Quitação com valores que não transitaram pelas contas bancárias declaradas. A candidata não realizou a entrega da mídia no tribunal, o que inviabiliza a análise dos documentos e/ou alterações eventualmente realizadas. 3.2.2. Jurisprudência deste Tribunal no sentido de que a simples emissão de nota fiscal contra o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa eleitoral, que somente pode ser afastada caso haja provas de seu efetivo cancelamento, retificação ou estorno, o que não ocorreu na hipótese. 3.3. Irregularidades na comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Dever de recolhimento ao erário. 3.3.1. Falhas na comprovação de despesas. Ausência de notas fiscais ou contrato. Desconformidade com o requisito do art. 53, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19. Locações de imóveis. Ausência de documentos de registro do imóvel e da prova da propriedade dos bens pelos contratados. Contratos apresentados sem assinaturas. Ademais, despesas com locação de imóveis incompatíveis com a realidade mercadológica. 3.3.2. Gastos com combustíveis. Documentos Auxiliares de Nota Fiscal sem identificação do CNPJ da campanha e registrados os pagamentos em espécie, em infringência ao caput do art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19. 3.3.3. Serviços prestados por terceiros sem qualquer documentação apta a comprovar tal dispêndio. Necessária a devolução do valor ao Tesouro Nacional. 3.4. As irregularidades equivalem a 25,72% do total arrecadado, de maneira a inviabilizar a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como meio de atenuar a gravidade das máculas sobre o conjunto das contas, sendo, portanto, mandatória a reprovação contábil. IV. DISPOSITIVO E TESE 4.1. Contas desaprovadas. Determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. Teses de julgamento: “ 1. A omissão de despesas em prestação de contas eleitorais configura irregularidade grave, sendo exigível o recolhimento integral dos valores ao Tesouro Nacional. 2. Gastos realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) devem ser comprovados por documentos fiscais ou contratos idôneos, sob pena de determinação de devolução dos valores ao erário.”

(TRE-RS - PCE: 0602185-02.2022.6.21.0000, Relator: Francisco Thomaz Telles, Data de Julgamento: 28/01/2025, Data de Publicação: DJE-19, data 31/01/2025)

Portanto, as irregularidades que totalizam R$ 1.589,85 devem ser mantidas, assim como a determinação de seu recolhimento ao erário.

 

2. Das Sobras de Campanha (Créditos de Impulsionamento)

Créditos pré-pagos e não utilizados junto a plataformas digitais constituem disponibilidade financeira e, como tal, configuram sobras de campanha que devem ser transferidas ao partido ou ao Tesouro Nacional, a depender da origem do recurso, nos termos do art. 35, § 2º, da mesma Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26) :

[...]

§ 2º Os gastos de impulsionamento a que se refere o inciso XII deste artigo são aqueles efetivamente prestados, devendo eventuais créditos contratados e não utilizados até o final da campanha serem transferidos como sobras de campanha:

I - ao Tesouro Nacional, na hipótese de pagamento com recursos do FEFC;

I - ao partido político, via conta Fundo Partidário ou Outros Recursos, a depender da origem dos recursos.

[...]

Nessa senda, este é o entendimento consolidado pela jurisprudência deste Tribunal, na conformidade do precedente que exemplificativamente trago aos autos:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO NÃO ELEITO. CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. ELEIÇÕES 2022. NÃO COMPROVADOS GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO. FACEBOOK. CRÉDITO CONTRATADO E NÃO UTILIZADO. DEVER DE REGISTRO COMO SOBRA DE CAMPANHA. EMISSÃO DE CHEQUE SEM IDENTIFICAÇÃO DO DESTINATÁRIO. INFRAÇÃO AO ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DESPESAS JUNTO A FORNECEDORES CONSTITUÍDOS NO ANO DAS ELEIÇÕES. NÃO CARACTERIZADO DESVIO DE FINALIDADE DE GASTO ELEITORAL. VALOR MÓDICO DAS IRREGULARIDADES. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

2. Irregularidades no uso de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC referente à não identificação da devolução da diferença de sobra financeira e à utilização de cheque sem determinação do destinatário do valor. 2.1. Em se tratando de despesa paga com verbas do FEFC para serviço de impulsionamento de conteúdos, eventual crédito contratado e não utilizado até o final da campanha deve ser registrado como sobra de campanha e recolhido à conta do Tesouro Nacional, providência não tomada pelo prestador. Inobservância do § 2º do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19. Falha reconhecida. 2.2. Pagamento de despesa relativa a contrato de cessão/locação de veículo. Emissão de cheque sem identificação do destinatário. Os pagamentos por meio de recursos públicos devem ser demonstrados por documentos que permitam a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com o fornecedor declarado. Não observados os requisitos do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Gasto não comprovado. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

3. Doação financeira realizada por pessoa física inscrita no programa social do governo federal. Conforme entendimento deste Tribunal, a simples inscrição de doador de campanha em programas sociais não indica, necessariamente, a ausência de capacidade financeira para efetuar a doação, exigindo que o conjunto probatório ofereça elementos a confirmar tal conclusão e, ainda, que haja prova do conhecimento dos candidatos a respeito da falta de condição do doador. Na hipótese, inexistem elementos nos autos que demonstrem que o candidato tinha ciência de que o doador era beneficiário do referido programa. Ademais, a doação se deu em valor módico. Desconsiderado indicativo de irregularidade.

4. Superado indício de realização de despesas junto a fornecedores constituídos no ano da eleição com sócio de empresa de filiado ao partido do prestador de contas, uma vez que a contratação se reveste de aparente regularidade. Não caracterizado desvio de finalidade de gasto eleitoral.

5. As falhas relativas à comprovação de gastos realizados com recursos do FEFC representam 5,16% do total das receitas declaradas na campanha, sendo adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas com ressalvas, na linha do que vem decidindo este Tribunal Regional e o Tribunal Superior Eleitoral.

6. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 0603625-33.2022.6.21.0000, Relator: Voltaire De Lima Moraes, Data de Julgamento: 25/07/2023, Data de Publicação: DJE-138, data 31/07/2023)

De tal modo, a irregularidade no valor de R$ 1.400,58 apontada na sentença vergastada também resta configurada, sendo correta a determinação de sua transferência ao diretório partidário.

Por fim, tem-se que a receita total declarada pelo candidato foi de R$ 27.055,16, sendo os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC e recursos recebidos de pessoas físicas que doaram para a campanha.

O montante total das falhas é de R$ 2.990,43.

Assim, no que concerne ao pedido formulado pelo recorrente quanto à aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para permitir o juízo de aprovação das contas com ressalvas, impende aduzir que tais princípios são aplicados sempre que possível relevar falhas que, embora existentes, não comprometem a análise geral das contas.

Neste sentido, refiro, à guisa de exemplo, entendimento firmado em decisão deste Tribunal na qual bem se elucida o caráter alternativo da possibilidade de reconhecimento de pouca monta a valores apontados em processos de prestação de contas “em relação à pretensão de aprovação das contas com ressalvas, com base na pequena expressão do valor irregular, a jurisprudência considera inexpressivo o montante que não ultrapassar: (a) em termos absolutos, o valor de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos); ou (b) em termos relativos, o percentual de 10% (dez por cento) do total de recursos arrecadados” (TRE-RS, REl n. 060002152, Relator: Des. Mario Crespo Brum, Publicação: 03.9.2024.

Logo, o sopesamento para aferição desses princípios considera dois critérios principais, que podem ser avaliados de forma isolada ou conjunta: (a) valor percentual que ultrapasse 10% do total de recursos arrecadados ou de despesas realizadas na campanha; ou (b) valor absoluto diminuto, estabelecido pela jurisprudência como o montante de até 1.000 UFIRs (aproximadamente R$ 1.064,10).

No entanto, imperioso registrar que o processo em tela ostenta irregularidades que somam o montante de R$ 2.990,43, correspondendo a 11,05% dos recursos totais arrecadados pela campanha, superando, assim, o percentual de dez por cento e o limite de R$ 1.064,10 em termos absolutos, ultrapassando, desta forma, os parâmetros admitidos para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, com vistas à aprovação com ressalvas de prestações de contas eleitorais.

Por fim, o fato de a unidade técnica ou o Ministério Público em primeira instância terem opinado pela aprovação não vincula o julgador, que, pelo princípio do livre convencimento motivado, deve realizar a sua própria valoração jurídica dos fatos. E, no presente caso, a valoração jurídica aponta para a gravidade das falhas.

Dessa forma, sendo as irregularidades relevantes tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo, resta afastada a possibilidade de aprovação das contas com ressalvas.

Assim, não vislumbro espaço normativo ou jurisprudencial que autorize o acolhimento do recurso em tela, devendo ser mantida íntegra a sentença de primeiro grau, nos termos do que dispõem os arts. 74, III, e 79, § 1º e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em conclusão, em consonância com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, a manutenção integral da sentença - que desaprovou as contas de campanha de FRANCO ALVES, referentes às Eleições de 2024, e determinou o recolhimento do valor de R$ 1.589,85 ao Tesouro Nacional, referente aos recursos de origem não identificada - bem como a transferência da sobra de campanha no valor de R$ 1.400,58 ao Diretório Municipal do Partido Social Democrático (PSD) de Bagé são medidas que se impõem.

Ante o exposto VOTO por NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto por FRANCO ALVES, nos termos da fundamentação.