REl - 0601104-91.2024.6.21.0050 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/12/2025 00:00 a 23:59

VOTO

 

1. Da Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois interposto no tríduo legal.

2. Da Ausência de Representação Processual Válida em face dos Recorridos Elisa Mara Rocke de Souza e Evandro Agiz Heberle

Em contrarrazões, Elisa Mara Rocke e Evando Agiz Heberle alegam que a procuração anexada pela parte recorrente outorga poderes para ingressar com Ação de Investigação Judicial Eleitoral somente contra Júlio César Prates Cunha e Filipe Almeida de Souza, não existindo outorga de poderes para demandar contra Elisa Mara Rocke de Souza e Evandro Agiz Heberle.

Com efeito, a procuração outorgada pelo recorrente ao advogado subscritor do recurso delimita os poderes à “propositura de Ação de Investigação Judicial Eleitoral em face de JÚLIO CESAR PRATES CUNHA e FILIPE ALMEIDA DE SOUZA” (ID 45989314).

Em decisão saneadora (ID 45989420), o Juízo recorrido determinou a regularização da representação processual nos seguintes termos:

No que se refere a preliminar de irregularidade na representação da parte autora, pois a procuração anexada aos autos outorga poderes para ingressar com AIJE somente contra Júlio César Prates Cunha e Filipe Almeida de Souza, em análise do referido documento, verifica-se que é datado de 08/11/2024 e com poderes gerais, e específico apenas para dois representados, e considerando que inúmeras foram as AIJES ajuizadas – o que neste momento não consigo comparar se foi utilizado o mesmo instrumento de mandato para todas as ações - entendo prudente que seja regularizada a representação de forma específica para este feito o que oportunizo que o seja até a data da audiência.

 

A despeito da oportunidade concedida, a providência não foi atendida e a ação tramitou em face dos referidos recorridos sem a outorga de poderes para tanto.

Na linha da jurisprudência, “a ausência de procuração regularmente outorgada implica na ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo (arts. 103 e 104 do CPC), ensejando a extinção sem resolução de mérito (arts. 76, § 1º, inc. I, 485, inc. IV do CPC)” (TJ-RS - Agravo de Instrumento n. 51308111620248217000, Relator: Desembargador Clovis Moacyr Mattana Ramos, Data de Julgamento: 17.7.2024, Décima Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: 24.7.2024).

Diante disso, julgo extinto o processo sem julgamento de mérito em relação a Elisa Mara Rocke de Souza e Evandro Agiz Heberle, nos termos do art. 485, inc. IV, do CPC, por ausência de representação processual válida para o ajuizamento da demanda contra as referidas partes.

Assim, a análise recursal se delimita aos recorridos Júlio César Prates Cunha e Filipe Almeida de Souza, estando prejudicadas as demais preliminares suscitadas por Elisa Mara Rocke de Souza e Evandro Agiz Heberle.

3. Do Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto pelo Diretório Municipal do Partido Liberal (PL) de São Jerônimo/RS contra a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), ajuizada sob alegação de abuso de poder econômico e político, bem como de captação ilícita de sufrágio.

O fundamento fático da ação reside na suposta destinação eleitoreira da realocação do piso do Ginásio Municipal Plácido Cunda dos Santos para as quadras da Escola Manoel José dos Santos e da Escola Romeu de Almeida Ramos, situadas no Distrito da Quitéria, cerca de dois meses antes das Eleições Municipais de 2024.

Segundo a narrativa do recorrente, a medida teria representado uma benesse pública com finalidade eleitoral, voltada a beneficiar reduto específico dos candidatos da situação, especialmente da chapa majoritária. Alega-se, ainda, que o transporte do material foi realizado por veículo pertencente ao cônjuge de uma das candidatas, o que reforçaria a vinculação com a campanha e configuraria uso indevido da máquina pública.

A sentença, com base nas provas constantes dos autos, concluiu que os atos administrativos praticados decorreram de necessidade emergencial em razão das enchentes que afetaram o município, sem demonstração de finalidade eleitoral ou de qualquer desequilíbrio concreto na disputa.

Com efeito, de acordo com o entendimento do TSE, a configuração do abuso exige “que a gravidade dos fatos seja comprovada de forma robusta e segura a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo)” (Agravo em Recurso Especial Eleitoral n. 060098479, Acórdão, Min. Floriano De Azevedo Marques, Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, 31.5.2024).

A compreensão jurisprudencial está positivada no art. 7º, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.735/24, consoante o qual, “na análise da gravidade mencionada no caput deste artigo, serão avaliados os aspectos qualitativos, relacionados à reprovabilidade da conduta, e os quantitativos, referentes à sua repercussão no contexto específico da eleição”.

No caso concreto, a petição inicial está instruída tão somente de um vídeo de 2 segundos de duração, em que se visualiza um piso típico de ginásios poliesportivos (ID 45989315), e de fotografias das peças em processo de lavagem (ID 45989313, fl. 5).

Tais elementos nada informam quanto ao alegado contexto eleitoral do fato.

A prova oral colhida durante a instrução judicial (IDs 45989441 e 45989442) não corrobora minimamente as alegações da parte recorrente, conforme transcrições extraídas do judicioso parecer ministerial de primeiro grau (ID 45989458):

A testemunha Katrine de Souza Marques relatou, em resumo, ser Diretora da Escola Manoel José dos Santos. Disse que, no dia do recebimento do material, não estava na escola, mas foi informada que receberiam um material, tendo se deslocado à escola. Afirmou que os funcionários da escola estavam presentes quando do recebimento e descarregamento do piso, não estando presentes a vereadora Elisa Mara e seu esposo. Asseverou que o material veio em uma caçamba. Lembrou que o piso da escola era de cimento, passando a ser de cobertura sintética. Afirmou que o material chegou final de julho, sendo liberado cerca de quinze dias depois. Afirmou que o piso veio da sede. Negou que a quadra de esportes da cidade tenha sido atingida pela enchente. Disse ter recebido a informação de que o piso havia sido limpo/lavado e, depois de pronto, foi feita uma nova higienização. Aduziu ter realizado demanda verbal de melhora da quadra, vindo a receber posteriormente o material. Entendeu como positivo para os alunos o recebimento da quadra. Negou que tivesse ocorrido inauguração da quadra.

 

A testemunha Monique de Souza Vieira relatou, em resumo, que, quando do recebimento do material (piso) ela estava na escola juntamente com sua colega. Afirmou que a comunidade não foi noticiada sobre a chegada do material. Aduziu que o material foi entregue em um caminhão caçamba preto, acreditando que o material foi descarregado por funcionários da Prefeitura.  Negou que Elisa Mara ou seu marido estivessem no local. Negou que tivesse havido solenidade para inauguração da quadra. Frisou que era recesso escolar, havendo poucos funcionários. Asseverou que o material foi entregue em final de julho. Informou que foram colocadas placas sobre o piso de cimento que já existia na quadra. Disse que a quadra foi liberada para utilização após a limpeza e pintura, não recordando a data.

 

A testemunha Marineide Limberger relatou, em resumo, que era Diretora da Escola no turno da noite, até 31.12.2024. Afirmou que, primeiramente, a quadra possuía um piso de cimento e, posteriormente, recebeu um piso oriundo de São Jerônimo, consistente em placas grandes, as quais ficaram amontoadas em um canto da quadra. Aduziu que, após a melhora do tempo, as placas foram colocadas na quadra. Afirmou que os alunos da noite também utilizam a quadra. Lembrou que o piso foi entregue em outubro, sendo que ela ficou na escola até dezembro. Afirmou que o piso foi entregue em final de agosto e início de setembro, lembrando que em 23 de setembro a diretora enviou mensagem aos alunos para não utilizarem a quadra, pois estaria sendo pintada. Não soube dizer se o piso foi solicitado pela escola. Questionada sobre a origem do material, disse que, pelos comentários, o piso era oriundo do ginásio de São Jerônimo, o qual foi atingido pela enchente, sendo o piso removido. Negou que o piso fosse novo. Afirmou que a quadra foi liberada para os alunos em 07.10.2024, segundo mensagem enviada pela diretora. Asseverou que alguns pais criticaram, outros aceitaram o investimento na quadra. Não soube dizer se ocorreu inauguração da quadra. Confirmou que a escola possui mesa eleitoral. Afirmou que a quadra é comunitária, sendo utilizada aos finais de semana. Disse não ter certeza sobre a data da chegada do piso, sendo final de agosto e início de setembro, confirmando que a pintura da quadra ocorreu a partir de 23.09.2024, sendo liberada para o dia 07.10.2024.

 

A testemunha Lorezia de Souza Vieira relatou, em resumo, que trabalhou na escola até 24.08.2024. Disse que estava na escola quando chegou o material transportado em uma caçamba escura, não observando se havia algum símbolo da Prefeitura. Aduziu que se comentou que um dos entregadores era o Secretário de Esportes, tendo feito almoço para eles. Negou que Elisa Mara ou seu marido estivessem no local e nem foram depois. Disse que o material foi entregue no final de julho. Disse que não houve inauguração da quadra. Alegou que a quadra estava pronta, mas não tinham lavado, sendo que na semana em que saiu os funcionários lavaram a quadra.

 

A testemunha Adelcir da Silva Santos relatou, em resumo, que viu quando estavam descarregando os pisos na escola. Disse que o material estava em um caminhão particular, tendo reconhecido "na cruzada" Elisa Mara e Leomar no local. Aduziu não saber se "era ou não era". Alegou que, como era um material atingido pela enchente, não havia autorizado seu filho a utilizar a quadra. Aduziu que, atualmente, as pessoas estão aceitando a quadra, mas quando chegou havia muita desconfiança do povo. Afirmou que a instalação da quadra teve influência na votação entre os jovens, segundo seu entendimento. Disse que não tem como confirmar com 100% de certeza se viu Elisa Mara e seu marido no local.  

 

É incontroverso que houve a efetiva remoção das placas de piso do ginásio de uma escola municipal, cuja infraestrutura estava comprometida em razão das enchentes de maio de 2024, para as dependências de outras duas escolas municipais que prosseguiam com suas atividades escolares, circunstância ratificada pela própria Prefeitura Municipal (ID 45989313, fl. 6).

Do que consta nos autos, não se tratou de medida tendente a trazer benefício ou vantagem gratuita a um grupo de pessoas, mas de providência que buscou preservar aquele investimento público, em material com características e finalidades especiais, propiciando a sua usabilidade em outras instituições de ensino do Município.

Não há prova de que a ação administrativa incorreu em desvio de finalidade, que foi acompanhada de alguma exploração eleitoreira ou de qualquer outra manifestação tendente à captação de votos, seja direta ou indiretamente.

Sobressai a fragilidade dos relatos em relação à alegação de que o equipamento teria sido transportado em veículo de propriedade do marido da candidata Elisa, uma vez que nenhuma das testemunhas foi capaz de confirmar o fato.

Nesse sentido, adoto as bem-lançadas conclusões da sentença (ID 45989460):

(...) as testemunhas arroladas (diretoras e serventes da escola) confirmaram em juízo que houve a colocação do piso na quadra da escola; que o material chegou no recesso escolar (julho); que não houve solenidade de recebimento, ou de inauguração da quadra para uso (que se deu em setembro/outubro); afirmaram que não se encontravam presentes os Representados; e muito embora a testemunha Aldecir da Silva Santos (pai de um aluno) referir que o marido da candidata tenha caminhão ‘parecido’ com aquele que deixou o material na escola, do seu depoimento afirma que não pode dar certeza se era o caminhão ou se viu o marido da candidata Elisa e esta no local (estava passando pela frente no momento), dizendo num momento que os visualizou, depois que ‘pelas informações’ eram eles, e indagado diretamente não deu certeza, e mesmo que estivessem (o que não foi confirmado pelas demais testemunhas), por si só, não é suficiente a caracterizar a gravidade das circunstâncias, como vantagem a captação do eleitor na localidade do interior e comprometer a legitimidade e normalidade do pleito .

 

Além disso, consta dos depoimentos que não se tratou de uma conduta capaz de gerar dividendos eleitorais certos e inequívocos, mas de uma medida emergencial e paliativa, que despertou dúvidas e questionamentos na comunidade escolar acerca do reaproveitamento do piso, então removido de área afetada pelas enchentes, conforme ponderou a Procuradoria Regional Eleitoral (ID 46107189):

(...) a narrativa de que a obra visava angariar votos é desmentida pela própria prova produzida. Ficou demonstrado que a instalação do piso gerou controvérsia e repercussão negativa na comunidade, com pais de alunos expressando preocupação sobre a possível contaminação do material que veio de uma área de enchente. Uma ação que provoca ‘muita desconfiança do povo’ e repúdio dificilmente pode ser considerada uma benesse com potencial para desequilibrar a disputa eleitoral em favor dos gestores. Pelo contrário, o episódio parece ter se configurado como ‘um tiro no pé’ para a administração, como mencionado em depoimento.

 

O TSE, de seu turno, é firme ao assentar que “a caracterização de ilícito eleitoral exige prova robusta e inequívoca da conduta, não podendo se fundar a condenação em meras presunções acerca do encadeamento dos fatos e de sua repercussão” (REspEl n. 060041949, Nova Russas/CE, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 01.02.2023).

Nesse contexto, à vista da fragilidade do acervo probatório quanto à finalidade eleitoral e à gravidade do ato sobre o pleito, não se configura o alegado abuso de poder político ou econômico.

Do mesmo modo, a ação não se enquadra em qualquer das hipóteses legais de condutas vedadas, previstas nos arts. 73 a 78 da Lei n. 9.504/97, as quais devem observar “os princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei” (TSE - AREspEl n. 0600501-91/RS 060050191, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 09.3.2023).

No aspecto, não se comprova a utilização do bem público em favor de partido ou candidato, bem como não há caracterização de distribuição gratuita de bem ou vantagem aos cidadãos com a mera realocação do equipamento de uma escola pública para outra, preservando a sua finalidade original.

O Partido Liberal de São Jerônimo/RS sustenta, ainda, que a realocação do piso configurou captação de sufrágio por se tratar de “benesse pública” dirigida a reduto eleitoral dos candidatos da situação.

No que atina à captação ilícita de sufrágio, o TSE consolidou posicionamento no sentido de que a configuração da prática demanda atenção a alguns requisitos: "(a) capitulação expressa da conduta no tipo legal descrito no art. 41-A da Lei n. 9.504/97; (b) realização da conduta no período eleitoral; (c) prática da conduta com o especial fim de agir, consubstanciado na vontade de obter o voto do eleitor ou de grupo determinado ou determinável de eleitores; (d) existência de conjunto probatório robusto acerca da demonstração do ilícito, considerada a severa penalidade de cassação do registro ou diploma" ( RO n. 0603024-56.2018.6.07.0000/DF, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Publicação: DJe - Diário da justiça eletrônico, Tomo n. 215, Data 26.10.2020).

Assim, para que seja caracterizada a captação ilícita de sufrágio, é necessária a demonstração do especial fim de agir consistente no condicionamento da entrega da vantagem ao voto de eleitor determinado ou determinável, o que não ocorre nos autos.

Além disso, o próprio recorrente assume que “este piso lá permaneceu até junho de 2024, quando foi deslocado para o interior do Município, Distrito de Quitéria, onde as cheias não chegaram” (ID 45989313, fl. 4). Dessa forma, não está atendido sequer em tese o requisito temporal do ilícito, qual seja, a suposta negociação do voto “no período compreendido entre a data do registro de candidatura e a da eleição” (TRE-RS - REl n. 23-02; Relatora: Desembargadora Marilene Bonzanini, Data de Julgamento: 12.3.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo n. 47, Data 15.3.2019, P. 3).

Desse modo, diante da ausência de provas robustas e contundentes que demonstrem os requisitos objetivos e subjetivos do ilícito, deve ser mantida a sentença de improcedência da demanda em relação à imputação de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97).

4. Da Aplicação de Multa por Litigância de Má-fé

A sentença recorrida impôs multa por litigância de má-fé ao partido autor, sob o fundamento de que a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) foi proposta sem respaldo fático mínimo, com desvio de finalidade e motivada por inconformismo com o resultado das urnas.

Conforme os arts. 80 e 81 do Código de Processo Civil, a configuração da litigância de má-fé exige prova inequívoca de dolo processual, manifestado pela distorção intencional dos fatos, resistência infundada ao andamento do processo ou utilização abusiva da jurisdição para fins escusos.

No caso em análise, ainda que a ação tenha sido julgada improcedente, observa-se que os recorrentes agiram dentro do legítimo exercício de seu direito de ação, fundamentando suas alegações em interpretação razoável do suposto fato, os quais cogitam confirmar por meio da prova oral.

A má-fé, como elemento subjetivo, não pode ser presumida a partir da simples debilidade probatória ou do insucesso da demanda. Trata-se de instituto de aplicação excepcional, condicionado à comprovação de que a parte agiu de forma dolosa, com o objetivo de tumultuar o processo ou obter vantagem indevida, o que não se verifica na presente situação.

Nesse contexto, impõe-se a reforma parcial da sentença para afastar a condenação por litigância de má-fé imposta ao partido autor, mantida, no restante, a improcedência da ação.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela extinção do processo sem julgamento de mérito em relação a Elisa Mara Rocke de Souza e Evandro Agiz Heberle, nos termos do art. 485, inc. IV, do CPC; e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar a condenação por litigância de má-fé aplicada ao recorrente, mantendo-se o julgamento de improcedência da ação.