REl - 0600617-76.2024.6.21.0162 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/02/2025 às 15:00

VOTO

O recurso interposto é regular, adequado, tempestivo, e comporta conhecimento, tendo em vista atender a todos os pressupostos recursais relativos à espécie.

No mérito, SÔNIA SIMONE RODRIGUES e IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLEIA DE DEUS GIDEÕES MISSIONÁRIOS insurgem-se contra a sentença que julgou procedente a representação por propaganda eleitoral irregular, ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral, por suposta propaganda eleitoral em local de uso comum, qual seja, templo religioso. A decisão aplicou multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais), individualmente, a cada um dos recorrentes.

No campo normativo, a matéria está disciplinada na Lei n. 9.504/97, regulamentada pela Resolução TSE n. 23.610/19, da qual reproduzo as disposições pertinentes:

Resolução TSE n. 23.610/2019

Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)(Vide ADPF Nº 548)

(…)

§ 4o Bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pela Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

(Grifos meus.)

O argumento central encaminhado no recurso é a não configuração de propaganda eleitoral, em razão de ausência de provas aptas a demonstrar ocorrência de pedido de votos durante culto religioso. A irresignação não nega, contudo, que houve o anúncio das candidaturas de membros da congregação, por parte do pastor, e o fato de ter sido dado espaço, no microfone, para a candidata recorrente. Colho trechos das razões recursais:

(...)

As alegações de pedido expresso de voto, durante o culto realizado no templo religioso da IEAD Gideões Missionários, vieram desprovidas de qualquer comprovação, tendo se norteado somente nas declarações do Sr. Nelson Júlio ao Ministério Público.

(…)

Nada obstante, cumpre esclarecer que, de fato, durante um dos cultos da Igreja Representada, foi mencionado para todos que alguns dos fiéis estão concorrendo nestas Eleições Municipais, tendo sido citado, pelo Pastor Maico Rodrigues, os nomes destes, entre os quais o da Candidata Sônia e o do próprio Sr, Nelson Júlio. Mas em nenhum momento o representante da Igreja coagiu qualquer um dos fiéis a votarem neste ou naquele candidato(a).

Do mesmo modo, cabe referir que, ao contrário do Noticiante, que é mero frequentador da Igreja, a Candidata Representada é membro fixo do núcleo da IEAD (líder de uma congregação no departamento feminino), tendo usado da palavra no púlpito apenas para orar em prol de todos os candidatos ao pleito e aos fiéis presentes, mas jamais pediu votos para si, valendo-se de sua posição. Portanto, inexistindo provas sólidas a demonstrar que houve patrocínio à candidatura da Candidata Representada mediante pedidos de votos ou manipulação/influência na vontade dos(as) eleitores(as), apenas tendo a Representação se escorado na palavra do Noticiante e em suas impressões pessoais – as quais são enviesadas, como mencionado, pelo fato de também se tratar de concorrente no pleito eleitoral –, o que não é suficiente para demonstrar a ocorrência de propaganda irregular, não deve ser acolhida a pretensão condenatória formulada nestes autos.

 

De fato, a prova poderia restar frágil se fosse analisada somente pelo prisma do depoimento de Nelson Júlio, candidato que também disputava vaga na Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul -, presente no aludido evento religioso e autor da notícia de fato ao órgão ministerial eleitoral da origem.

Contudo, da análise dos demais elementos dos autos, inclusive da defesa e da peça recursal, mostram-se incontroversos o anúncio da candidatura pelo líder religioso e o uso do púlpito para se dirigir aos fiéis, de parte da candidata recorrente. Houve manifestação de cunho político no interior de um bem de uso comum, em afronta à expressa disposição legal supramencionada, e o argumento de que a ausência de pedido de voto afastaria o caráter de propaganda eleitoral não socorre os recorrentes, uma vez que a legislação de regência veda a veiculação de propaganda de qualquer natureza - dito de outro modo, não exige que a manifestação contenha pedido expresso, ou explícito, de voto. Não se confunda o caso dos autos com a prática de propaganda antecipada, esta sim espécie que exige  pedido de voto explícito (ou "palavras mágicas") para sua caracterização. Aqui, a apresentação de nome vinculado à campanha, anúncio de candidatura e destaque de determinado candidato são condições mais que suficientes para configurar propaganda eleitoral – irregular, eis que realizada em bem de uso comum.

Ademais, não é possível mesclar os elementos, sob pena de confusão (na qual incorreu o recurso) entre (1) prática de irregularidade na propaganda eleitoral e (2) abuso de poder (político, sob viés religioso), ao afirmar que, segundo a jurisprudência, nem toda manifestação em templo religioso configuraria prática abusiva. 

De fato, de forma apriorística, é possível afirmar que nem toda manifestação em templo religioso configura prática abusiva; ocorre, todavia, que os autos não estão a tratar de possível abuso: o objeto da presente demanda é o uso de bem comum. Trata o feito da realização de propaganda irregular em local vedado, como dito. Nesse norte, entendimento de Tribunais Regionais, inclusive desta Casa:

ELEIÇÕES GERAIS 2022. AGRAVO INTERNO. ALEGADO IMPEDIMENTO AO EXERCÍCIO DE PROPAGANDA ELEITORAL. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE RECONHECEU A INÉPCIA DA INICIAL E FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. DECISUM QUE SE MANTÉM PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO. I Representação por impedimento ao exercício de propaganda eleitoral. Agravante alega que foi ameaçada por seguranças, a mando dos representados, com emprego de armas de fogo, para deixar de realizar atos de propaganda eleitoral em culto religioso. II- Decisão monocrática. Extinção do feito sem resolução do mérito. Inépcia da inicial e a falta de interesse processual. III- Representante que pretendia praticar propaganda eleitoral irregular. Meio proscrito em lei. Templo religioso é bem de uso comum e não pode ser utilizado para veiculação de propaganda eleitoral de qualquer natureza, conforme o §4º do art. 37 da Lei das Eleições. IV- Pretensão da ora agravante, a fim de que seja aplicada sanção pecuniária aos representados, por impedirem a realização de propaganda irregular que não pode ser pleiteada junto ao Poder Judiciário. V- O ajuizamento de representação em questões envolvendo propaganda eleitoral pressupõe lastro probatório mínimo quanto à conduta praticada e quanto à autoria dos fatos porventura imputados. Art. 17, I, da Resolução TSE 23608/2019. VI- In casu, a agravante apenas sustenta que pleiteou a produção de prova testemunhal para comprovar o alegado, uma vez que a prova material seria impossível diante da ameaça armada sofrida. Contudo, não indicou as testemunhas, alegando que estas deveriam ser ouvidas em sigilo diante da gravidade dos fatos. VII- Ausência de elemento que demonstre a verossimilhança das alegações da agravante referentes às ameaças sofridas, bem como a quebra de isonomia entre as candidaturas. A inépcia da exordial esgota a atuação desta Justiça Especializada. Eventual conduta criminosa deverá ser averiguada na esfera penal. VIII- Desprovimento do agravo interno.

TRE-RJ. AGRAVO no(a) Rp n. 060605257, Acórdão, Des. Alessandra De Araujo Bilac Moreira Pinto, Publicação: DJE - DJE, 26.04.2023.

 

Recurso contra sentença pela qual procedente representação por infringência ao artigo 37, caput; e parágrafo 4°, da Lei 9.504/1997. Veiculação de propaganda eleitoral em templo religioso. Candidato que, não bastasse ter sido apresentado como futuro governador de São Paulo, fizera menções, ao discursar para o público, à situação atual no país -com enaltecimento ao atual chefe do Executivo federal- e ao momento relacionado às eleições (indicado por expressões como tomar decisões). Mensagens que, dado o conteúdo eleitoral, retratam a prática por ele (Tarcísio de Freitas) de propaganda irregular, pois realizada em local destinado a culto religioso (templo). Precedentes desta Corte (TRE-SP). Sentença mantida. Recurso desprovido, portanto. 

TRE-SP. RECURSO CÍVEL n. 060824380, Acórdão, Des. José Antonio Encinas Manfré, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 19.12.2022.

 

ELEIÇÕES 2022. RECURSO ELEITORAL. DEPUTADO FEDERAL. REALIZAÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL EM BEM DE USO COMUM. ART. 37 DA LEI Nº 9.504/1997. CANDIDATO APRESENTADO AOS FIÉIS DO TEMPLO RELIGIOSO. VÍDEO VEICULADO NO PERFIL PESSOAL DO CANDIDATO NO SITE INSTAGRAM. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE CONHECIMENTO AFASTADA. MULTA MANTIDA NO MÍNIMO LEGAL. ART. 37, §1º E ART. 40-B DA LEI DAS ELEIÇÕES. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A benção à campanha eleitoral, recebida pelo candidato nas dependências de bem de uso comum - um templo religioso - e sua indicação pelo pastor como apto a receber os votos dos fiéis, configura propaganda irregular, com fulcro no art. 37 da Lei nº 9.504/1997. 2. Alegação de ausência de conhecimento da propaganda afastada, vez que o vídeo foi veiculado no perfil pessoal do candidato no site Instagram. Precedentes.3. Multa mantida no mínimo legal, em razão da divulgação única, nos termos do art. 37, § 1º, da Lei nº 9.504/1997.4. Recurso conhecido e desprovido. 

TRE-PR. RECURSO no(a) Rp n.060393310, Acórdão, Des. Roberto Aurichio Junior, Publicação: DJE - DJE, 22.11.2022.

 

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. TEMPLO RELIGIOSO. BEM DE USO COMUM. CANDIDATO A PREFEITO. INTERNET. FACEBOOK. ART. 37, §§ 1º E 4º, DA LEI N. 9.504/97. MULTA. REDUÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. ELEIÇÕES 2016. Realização de propaganda em templo religioso e divulgação do fato em rede social na internet. Reconhecida a dupla irregularidade, diante da ocorrência de propaganda eleitoral em bem de uso comum e pela divulgação do fato no Facebook. Fato ocorrido um mês antes das eleições, de pouca repercussão, autorizando a redução da multa aplicada. Provimento parcial. 

TRE-RS. Recurso Eleitoral n. 3724, Acórdão, Des. DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, 24.01.2018. No referente às multas, entendo apropriadas em razão da gravidade dos fatos e cabível sua aplicação de modo individualizado, conforme operado na sentença.

 

DIANTE O EXPOSTO, VOTO para negar provimento ao recurso.