REl - 0600592-33.2024.6.21.0075 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/02/2025 00:00 a 21/02/2025 23:59

VOTO

A representação foi ajuizada com fundamento na prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, e na violação ao art. 20 da Resolução TSE n. 23.610/19, embasada no fato de que, no dia 24.9.2024, o candidato a prefeito Umberto, acompanhado da candidata a vereadora Iberê, servidora pública licenciada, lotada no posto de saúde em referência, compareceram ao posto de saúde localizado no Bairro São João Bosco, em Nova Prata/RS, para fins de realização de atos de propaganda eleitoral. Transcrevo os dispositivos legais em questão:

Lei n. 9.504/97

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

(...)

 

Resolução TSE n. 23.610/19

Art. 20. Não é permitida a veiculação de material de propaganda eleitoral em bens públicos ou particulares, exceto de (Lei nº 9.504/1997, art. 37, § 2º) :

(...)

 

Na instituição hospitalar, conforme reconhecido na peça defensiva, os candidatos conversaram com servidores e pacientes, pedindo votos, e distribuíram material impresso de propaganda eleitoral. A prova do fato também foi apresentada em mídia eletrônica enviada pela Prefeitura de Nova Prata, após requisição judicial das gravações realizadas pelas câmeras mantidas no posto de saúde. No ponto, consigno que é irregular o procedimento adotado de manter nos autos link de acesso à prova eletrônica no Google Drive. O procedimento viola a Resolução TRE-RS n. 338/19, que regulamenta a Lei n. 11.419/06, segundo a qual todos os peticionamentos e documentos afetos aos atos processuais devem ser realizados diretamente dentro do sistema PJe, que disponibiliza Acervo Eletrônico para a juntada de arquivos de áudio e vídeo aos processos que tramitam no PJe.

A sentença enquadrou a conduta na infração relativa à realização de propaganda eleitoral em bem público, condenando os participantes do evento, assim como o candidato a vice-prefeito Altir José Ferro, ao pagamento individual de multa no valor de R$ 8.000,00, com fundamento no art. 37, § 1°, da Lei n. 9.504/97:

Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015) (Vide ADPF Nº 548)

§ 1° A veiculação de propaganda em desacordo com o disposto no caput deste artigo sujeita o responsável, após a notificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida no prazo, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais). (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)

(...)

 

Os recorrentes afirmam que o candidato a vice-prefeito Altir foi incluído na petição inicial como litisconsorte passivo necessário devido ao pedido de condenação por prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, em relação ao qual a ação foi julgada improcedente, e que, por não ter participado do evento, o candidato não pode ser penalizado pela infração.

Nesse ponto, assiste razão aos recorrentes, pois o art. 37, § 1°, da Lei n. 9.504/97 prevê a sanção de multa para o responsável. A condenação do beneficiário ao pagamento de multa demanda a comprovação do prévio conhecimento ou a demonstração de que a ciência do fato é inequívoca, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, na forma do art. 40-B da Lei n. 9.504/97.

Após revisar o caderno probatório, resta incontroverso que somente Iberê de Fátima Schitt, candidata a vereadora não eleita, e Umberto Luiz Carnevalli, candidato a prefeito eleito, realizaram atos de campanha no interior de Posto de Saúde do bairro São João Bosco de Nova Prata/RS.

Não foi apresentada qualquer prova de que o candidato Altir tinha prévio conhecimento ou anuía com os fatos, razão pela qual não pode ser penalizado, ainda que tenha se beneficiado da conduta.

Com idêntico entendimento, argumenta a Procuradoria Regional Eleitoral que, “uma vez classificadas as condutas de UMBERTO e IBERÊ como infringência ao art. 37, caput, da Leis das Eleições, inexiste razão para se sancionar ALTIR, que não participou da prática ilegal. Este apenas poderia ser penalizado caso tivesse ocorrido a subsunção do fato ao art. 73 da mencionada lei, o que levaria à cassação de seu registro ou diploma”.

Portanto, afasto as penalidades imposta ao recorrente Altir.

Quanto às demais razões de reforma, os recorrentes Iberê e Umberto reconhecem a prática da infração e postulam a redução da multa, fixada na sentença no valor máximo de R$ 8.000,00. Invocam o art. 65, inc. III, al. “d”, do Código Penal, alegam que confessaram expressamente o fato, que inexiste reincidência, contumácia ou habitualidade da conduta, e que os atos de campanha não desequilibraram o pleito.

A decisão recorrida fixou a condenação no máximo legal por considerar o fato grave, a partir da natureza do serviço hospitalar, da fragilidade das pessoas que ali buscavam refúgio aos seus problemas de saúde, e do embaraço criado ao foco dos profissionais da medicina durante o exercício de seu ofício. Reproduzo as razões de decidir:

(…)

E após analisar os dois dispositivos legais apresentados, entendo que a razão está com os demandados.

Aos demandados não foi cedido o Hospital para que lá fizessem campanha eleitoral. E muito menos eles usaram o Hospital no sentido que a lei utilizou a expressão, como na hipótese de utilização de um veículo da Prefeitura Municipal em prol de determinado candidato (como aliás é corriqueiro em várias campanhas eleitorais). O verbo usar utilizado pela lei quer dizer usufruir do bem por um determinado lapso temporal e exclusivamente.

Mas não foi isso que ocorreu.

Os demandados, "de forma imprudente", como bem confessaram, violaram as regras de propaganda ao realizar atos de campanha em local vedado, mas tecnicamente (a partir da interpretação da lei) não usaram ou lhes foi cedido um bem imóvel público como favorecimento. Como bem apontou o Promotor Eleitoral, a conduta aparentou ser uma visita ao local de trabalho de uma das candidatas, e não propriamente a utilização do Hospital como palanque político ou local de campanha eleitoral arquitetada.

Errado, obviamente; mas nos termos do art. 37, e não 73.

Assim, a consequência direta da ação eleitoral dos demandados é a aplicação de multa, cuja incidência deve se dar no grau máximo (R$ 8.000,00), afinal constitui-se, para os parâmetros referentes à propaganda eleitoral, em modalidade grave de conduta se comparada às demais hipóteses extraídas do dispositivo legal, justamente porque um Hospital não deve ser local de propaganda eleitoral, pela própria natureza do serviço prestado, onde há pessoas buscando refúgio para problemas de saúde, bem como profissionais da medicina focados na prestação de um serviço fundamental à sociedade, não podendo desviar o foco do serviço por conta de propaganda eleitoral. A razão é a mesma daquela extraída da proibição de utilização de alto-falantes a 200 metros de escolas, bibliotecas públicas, teatros, hospitais (art. 39, §3º, LE).

DIANTE DO EXPOSTO, julgo parcialmente procedente a representação, declaro ter ocorrido propaganda eleitoral irregular por parte dos demandados, e por isso os condeno a pagar multa de R$ 8.000,00 cada um, com incidência da Taxa SELIC a contar da presente decisão.

 

Assiste razão ao magistrado sentenciante ao considerar que os fatos são graves e merecem maior reprovação do que as demais infrações relativas à realização de propaganda eleitoral em bem público, pois no caso concreto trata-se de posto de saúde, local em que há pacientes em tratamento ou recuperação. É totalmente irregular a realização de ato de campanha em instituição médica, o benefício eleitoreiro é presumido, assim como a violação ao equilíbrio da disputa em relação aos demais candidatos.

Portanto, não comporta provimento o pedido de redução da multa ao mínimo legal.

Além disso, consigno que se tratando de processo físico, é descabido o pedido recursal de aplicação do Código Penal ou de institutos afetos às leis penais. Observo, igualmente, que os recorrentes não fizeram prova de incapacidade financeira de arcar com o valor da condenação.

No entanto, não verifico nos autos elementos concretos que justifiquem a fixação da multa no máximo legal. Não há indicação do tempo de permanência dos candidatos na instituição, da quantidade de material de campanha distribuído ou de pessoas com que tiveram contato. Não há nenhum elemento seguro e suficiente de prova sobre o número de pessoas atingidas com a prática ilícita.

Penso que realizar atos de campanha dentro de órgão público, tal como posto de saúde municipal, reflete a gravidade inicial da irregularidade, mas que não se mostra razoável e proporcional o apenamento máximo.

Não há indícios de paralisação dos serviços médicos, de prejuízo específico aos munícipes em atendimento ou de acesso dos candidatos a locais de entrada restrita.

Com essas considerações, entendo que o recurso comporta parcial provimento, para que a sanção seja reduzida à metade do quantum fixado na sentença, no valor individual de R$ 4.000,00 para os recorrentes Iberê e Umberto, quantia que supera de forma razoável, adequada e proporcional o mínimo legal, e se mostra condizente com a gravidade da infração praticada.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para afastar a penalidade imposta ao recorrente ALTIR JOSÉ FERRO e reduzir o quantum da multa fixada individualmente aos recorrentes UMBERTO LUIZ CARNEVALLI e IBERÊ DE FÁTIMA SCHIMITT de R$ 8.000,00 para o valor individual de R$ 4.000,00, nos termos da fundamentação.