REl - 0600345-21.2024.6.21.0150 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/02/2025 às 14:00

VOTO

Inicialmente, cumpre estabelecer os limites do recurso interposto.

O único pedido constante no recurso é para que “seja provido o presente recurso, com a consequente reforma da presente sentença a quo, com a fixação de multa”. Do que se depreende, a irresignação está adstrita à caracterização da conduta vedada a agente público, não contemplando, assim, qualquer aspecto relativo a AIJE.

Foram imputadas aos recorridos, na inicial, as seguintes condutas:

Fato 1 - ceder a Câmara de Vereadores, para realização de ato de filiação dos partidos PDT e PL, que ocorreram nos dias 28 de março de 2024 às 20 horas e no dia 04 de abril de 2024, contrariando o disposto no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97.

Fato 2 - fazer uso do aparato de gravação e transmissão da Câmara de Vereadores do Município de Xangri-lá, custeado pela Casa Legislativa, para promoção da campanha eleitoral para prefeito de Cleomar, violando o art. 73, inc. II, da Lei n. 9.504/97.

Fato 3 - CLEOMAR “utiliza-se das sessões ordinárias como comício de forma gratuita”.

O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Editora Verbo Jurídico, 5ª edição, pág. 585-586) traz lição sobre as condutas vedadas:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC n. 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu).

(…)

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, desnecessário qualquer cotejo com eventual malferimento à lisura, normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Após essa breve consideração doutrinária, passo a analisar os fatos descritos como condutas vedadas.

Fato 1 - Cessão da Câmara de Vereadores, para realização de ato de filiação dos partidos.

A primeira conduta descrita envolve o art. 73, inc. I, da Lei das Eleições, que assim dispõe:

art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

 

Conforme entendimento sedimentado pelo TSE, é necessário que cessão de bem público seja feita em benefício de candidato, partido político ou coligação, de modo a desequilibrar o pleito:

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. GOVERNADOR. VICE-GOVERNADOR. CONDUTA VEDADA. ART. 73, INCISOS I E III, DA LEI Nº 9.504/1997. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O art. 73 da Lei nº 9.504/1997 tutela a igualdade na disputa entre os candidatos participantes do pleito, no intuito de manter a higidez do processo eleitoral. Contudo, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral verificar a existência de provas seguras de que o uso da máquina pública foi capaz de atingir o bem protegido pela referida norma. Na linha da jurisprudência do TSE, "para configuração da conduta vedada descrita no art. 73, I, da Lei nº 9.504/97, é necessário que a cessão ou utilização de bem público seja feita em benefício de candidato, violando-se a isonomia do pleito", pois "o que a lei veda é o uso efetivo, real, do aparato estatal em prol de campanha, e não a simples captação de imagens de bem público" (Rp nº 3267-25/DF, rel. Min. Marcelo Ribeiro, julgada em 29.3.2012). 2. Configura a conduta vedada pelo art. 73, incisos I e III, da Lei nº 9.504/1997 a efetiva utilização de bens públicos - viatura da Brigada Militar e farda policial - e de servidores públicos - depoimentos de policiais militares fardados gravados no contexto da rotina de trabalho e divulgados para promoção de candidatura política. 3. Na fixação de penalidade em razão da prática de conduta vedada, "cabe ao Judiciário dosar a multa prevista no § 4º do mencionado art. 73, de acordo com a capacidade econômica do infrator, a gravidade da conduta e a repercussão que o fato atingiu" (Rp nº 2959-86/DF, rel. Min. Henrique Neves, julgada em 21.10.2010). 4. Observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na fixação da multa pelo Regional, tendo em vista os parâmetros legais. 5. A multa imposta pela prática de conduta vedada deve ser aplicada individualmente a partidos, coligações e candidatos responsáveis, nos termos do art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei das Eleicoes. Precedentes. 6. Agravo regimental desprovido.

(TSE - RO: 137994 PORTO ALEGRE - RS, Relator: GILMAR FERREIRA MENDES, Data de Julgamento: 28/11/2016, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 56, Data 22/03/2017, Página 99-100)

 

O texto legal veda a cessão ou o uso, na campanha, de bens móveis e imóveis da administração pública, em benefício de candidato, partido político ou coligação.

Compulsando os autos, verifico que a cessão do prédio da Câmara de Vereadores de Xangri-lá, para ações de filiação de partidos políticos, não possui o condão de desequilibrar o pleito, tampouco favorece sob o aspecto eleitoral nenhum candidato, agremiação partidária ou coligação, na medida em que foi franqueado a todos os partidos políticos, sem nenhuma distinção, a utilização das dependências para Casa Legislativa para tal fim. Ademais, tal cessão consistia em prática usual, adotada pelas diversas agremiações partidárias.

Nesse sentido, trago à colação julgado deste Tribunal, exatamente sobre o tema:

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Conduta vedada. Art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97. Abuso de poder. Art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Chapa majoritária. Improcedência. Eleições 2016. Controvérsia acerca de afronta à legislação eleitoral em virtude da realização de reunião político-partidária em sala pertencente à Câmara de Vereadores, em período prévio às eleições de 2016, com a participação do então presidente daquela Casa e candidato ao cargo de prefeito. Fato reproduzido em rede social. 1. Acervo probatório alicerçado em fotos e cópia de ata da sessão realizada no Poder Legislativo local, comprovando o exercício da presidência pelo candidato. Elementos insuficientes a demonstrar a conduta vedada e o abuso de poder. Ademais, o uso do espaço impugnado não ofende a legislação de regência, haja vista a expressa ressalva prevista no inciso I do art. 73 da Lei das Eleicoes, que permite a cessão ou uso de bens pertencentes à administração pública para a realização de convenção eleitoral, bem como para eventos semelhantes, como reuniões partidárias. Evento restrito à participação de poucos políticos vinculados aos partidos que compõe a coligação investigada, sem demonstração de que o acesso era franqueado ao público em geral ou que tenha havido ampla divulgação do encontro, com pedido de apoio político. Ademais, demonstrada a ocorrência de reuniões realizadas por outros partidos, circunstância que afasta eventual desequilíbrio entre os candidatos. 2. Não conhecimento da alegação recursal de eventual ofensa ao art. 36-A da Lei n. 9.504/97, uma vez que não constituiu o pedido inicial e não foi submetido à análise do julgador de primeira instância. Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 16370 BUTIÁ - RS, Relator: DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Data de Julgamento: 28/11/2016, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 216, Data 29/11/2016, Página 6) (Grifo nosso)

 

Assim, diferentemente do asseverado na inicial, não houve a caracterização da prática prevista no art. 73, I, da Lei 9504/97.

 

Fato 2 – Usar materiais ou serviços, custeados pelos governos ou casas legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram

A conduta descrita envolve o art. 73, inc. II, da Lei das Eleições, que assim dispõe:

art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

 

O recorrente aduz que o candidato, ora recorrido, cometeu abuso de poder, “ao fazer uso de todo aparato para gravação e transmissão no perfil da Câmara de Vereadores do Município de Ibirubá, via Facebook e Youtube, custeado por aquela Casa Legislativa, para promoção de sua campanha eleitoral”.

Primeiramente, verifico equívoco por parte do recorrente quanto à cidade ao referir Câmara de Vereadores de “Ibirubá” quando o processo em tela trata do Município de Xangri-lá.

Pois bem.

Cuida-se da reprodução das falas do vereador Cleomar, então candidato a prefeito, proferidas na tribuna, as quais foram transmitidas pela Câmara de Vereadores e reproduzidas nos perfis do Facebook e Youtube.

Destaco que as falas de todos os parlamentares realizadas na tribuna da Câmara de Vereadores são transmitidas no perfil do Facebook e Youtube, e, custeadas pela Casa Legislativa, de modo que não vislumbro favorecimento de qualquer candidato.

Ademais, não verifico nos autos demonstração da utilização de aparato da Casa Legislativa com a finalidade de confecção e transmissão de propaganda eleitoral do candidato. Isto é, não houve a utilização de bens ou serviços públicos, custeados pala Câmara de Vereadores, especificamente para a produção de material de campanha do recorrido.

O fato de o candidato reproduzir em sua propaganda política trechos de suas falas realizadas em tribuna não significa que sua propaganda tenha sido custeada com verba da Casa Legislativa. Pois, da mesma forma, ele poderia ter utilizado em sua propaganda eleitoral trechos de entrevistas suas concedidas a uma emissora de TV, o que não faz da emissora custeadora da propaganda política do candidato.

Os julgados da Corte Superior tratam o inc. II do art. 73 da Lei Eleitoral como uma cláusula aberta que visa sancionar condutas que impliquem desvio de finalidade no emprego de recursos públicos para fins eleitoreiros, em especial daqueles que estão na gestão da máquina pública, que possam causar desequilíbrio das eleições pelo uso irregular dos bens públicos.

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AIJE. ABUSO DO PODER POLÍTICO E CONDUTA VEDADA. ART. 73, II, DA LEI Nº 9.504/1997. IMPROCEDÊNCIA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AUSÊNCIA DE LIAME COM A CANDIDATURA. SEM FINALIDADE ELEITOREIRA. PRETENSÃO DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. ENUNCIADO Nº 24 DA SÚMULA DO TSE. PEDIDO DE APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.024, § 4º, DO CPC. NEGADO. AUSÊNCIA DE CONDUTA ABUSIVA OU PROTELATÓRIA. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. 1. Nas instâncias ordinárias, foi julgada improcedente a AIJE ajuizada para apurar suposto abuso do poder político e conduta vedada decorrentes do uso de operação policial realizada em período eleitoral com a finalidade eleitoreira. 2. Conforme a conclusão da Corte regional, soberana na análise de fatos e provas, não houve liame entre a conduta imputada aos agravados e a campanha eleitoral, bem com não houve desvio de finalidade na operação policial realizada, não havendo falar, portanto, em abuso de poder nem na conduta vedada pelo art. 73, II, da Lei nº 9.504/1997. 3. Segundo a jurisprudência do TSE, a vedação do art. 73, II, da Lei das Eleicoes consiste em "[...] cláusula aberta que visa sancionar condutas que impliquem desvio de finalidade no emprego de recursos públicos para fins eleitoreiros (doutrina)" (AgR–REspEl nº 0600101–83/RJ, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 31.3.2022, DJe de 25.4.2022); e: "A ratio normativa visa impedir o desequilíbrio das eleições pelo uso irregular dos bens públicos, em especial daqueles que estão na gestão da máquina pública, com maiores prerrogativas do que os demais candidatos. [...]" (AgR–AREspE nº 0600243–93/PR, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 5.5.2022, DJe de 23.5.2022). 4. Alterar a conclusão do Tribunal a quo sobre a não configuração do abuso de poder e da conduta vedada demandaria, necessariamente, o reexame de fatos e provas, o que é vedado nesta oportunidade, nos termos do Enunciado nº 24 da Súmula do TSE. 5. Indefere–se o pedido de aplicação de multa suscitado pelos agravados nas contrarrazões, uma vez que, ao contrário do que sustentam, não se vislumbra conduta abusiva nem protelatória por parte dos agravantes, que somente se utilizaram de ferramenta processual prevista em lei com o fim de buscar novo enfoque sobre seu direito. 6. Conforme a jurisprudência do STJ, a condenação ao pagamento da multa do art. 1.021, § 4º, do CPC "[...] pressupõe que o agravo interno mostre–se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória". (STJ: AgInt nos EDcl no REsp nº 1.632.482/DF, de minha relatoria, Quarta Turma, julgado em 26.9.2022, DJe de 13.10.2022). 7. Negado provimento ao agravo interno.

(TSE - REspEl: 060059134 MAR VERMELHO - AL, Relator: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 16/03/2023, Data de Publicação: 31/03/2023) (Grifo nosso)

De modo que não verifico o uso de bens públicos, subsidiados com dinheiro público, em benefício do candidato, ora recorrido. O que se verifica é a usual transmissão das sessões legislativas nas redes sociais, as quais foram meramente reproduzidas pelo candidato em seu próprio perfil nas redes sociais.

Fato 3 - CLEOMAR “utiliza-se das sessões ordinárias como comício de forma gratuita”.

Irresigna-se o recorrente contra a atitude do candidato por considerar “inequívoca a extrapolação dos limites da atuação parlamentar, por meio de pronunciamento que desbordou para discurso de alusão à sua candidatura e aos seus futuros atos, eleito fosse”.

Contudo, ao contrário do asseverado pelo recorrente, não vislumbro a utilização da tribuna pelo então candidato como “palanque eleitoral”, pois o conteúdo das falas reproduzidas sequer podem configurar propaganda eleitoral, na medida em que não se verifica pedido de voto de forma direta, nem de forma implícita.

Explico.

A Lei das Eleições, de acordo com a redação dada pela Lei n. 13.165/15, de 2015, assim disciplina:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;

III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;

IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias.

VII - campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei.

(...)

 § 2o Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver.

 § 3o O disposto no § 2o não se aplica aos profissionais de comunicação social no exercício da profissão.

 

Dispõe a legislação vigente no art. 36, caput e §3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição.

(...)

§ 3º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior.

 

Sobre o tema, a Resolução TSE n. 23.610/19 dispõe em seu art. 3º-A:

Art. 3º-A. Considera-se propaganda antecipada passível de multa aquela divulgada extemporaneamente cuja mensagem contenha pedido explícito de voto, ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

Parágrafo único. O pedido explícito de voto não se limita ao uso da locução “vote em”, podendo ser inferido de termos e expressões que transmitam o mesmo conteúdo. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

 

Antes de adentrar no caso concreto, peço vênia para colacionar breve histórico sobre o regime jurídico da propaganda eleitoral e o faço com a transcrição de trecho do voto do Min. Edson Fachin, proferido no REspe n. 0600227-31.2018.6.17.0000 (DJE -Diário de justiça eletrônico, Número123, Data 01/07/2019, Página214):

A interpretação do art. 36-A da Lei nº 9.504/97 exige uma compreensão do regime jurídico da propaganda eleitoral sem as alterações promovidas pela Lei nº 12.034/2009, especialmente no período anterior à campanha.

Nas eleições anteriores a 2010, havia total proibição de propaganda eleitoral antes do dia 5 de julho (posteriormente modificado para o dia 15 de agosto), de modo que nenhuma referência à pretensão a um cargo eletivo poderia ser manifestada, à exceção da propaganda intrapartidária, com vistas à escolha em convenção.

A jurisprudência do TSE alcançava, também, a divulgação de fatos que levassem o eleitor a não votar em determinada pessoa, provável candidato, caracterizando-se o ato como propaganda eleitoral antecipada, negativa. Da mesma forma, era coibida a mensagem propagandística subliminar ou implícita que veiculasse eventual pré-candidatura, como a referência de que determinada pessoa fosse a mais bem preparada para o exercício de mandato eletiv

o.A partir das eleições de 2010, porém, criou-se a figura do pré-candidato, sendo lícita a sua participação em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, desde que não houvesse pedido de votos, exigindo-se das emissoras de rádio e de televisão apenas o dever de conferir tratamento isonômico.

Nas eleições de 2014, a Lei nº 12.891/2013 ampliou a possibilidade do debate político-eleitoral, permitindo a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar de planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições. Além disso, tornou lícita a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, retirou a proibição de menção a possível candidatura, vedando apenas o pedido de votos.N

as eleições de 2016, a pré-campanha foi consideravelmente ampliada, pois a Lei nº 13.165 /2015 permitiu a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, além de diversos atos que podem ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet, com a única restrição de não haver pedido explícito de voto. Ou seja, à exceção dessa proibição, não há, atualmente, uma diferença substancial para os atos de propaganda antes e depois do chamado “período eleitoral” que se inicia com as convenções dos partidos políticos.

Essa mudança legislativa gerou muito debate na doutrina, relativamente ao seu alcance e limites, projetando-se sobre a compreensão interpretativa conferida pela jurisprudência.

Aliás, minha posição inicial, manifestada no julgamento do AgR-AI nº 9-24/SP, se orientava pela imposição de limites mais estreitos, de modo que o contexto em que são veiculadas as mensagens da propaganda seria relevante para caracterizar o pedido explícito de voto que não estaria circunscrito às expressões clássicas, tangenciando o “vote em mim”. Naquele julgado, porém, o TSE decidiu, em sentido contrário e por maioria apertada, que o pedido explícito de votos somente restaria caracterizado quando houvesse o emprego, na expressão do Ministro relator Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, tomada de empréstimo de Aline Osório (Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017) de “palavras mágicas” como “vote em”, “vote contra”, “eleja” etc., restando descartada a utilização do “contexto conceitual explícito”, como pretendia o Ministro Admar Gonzaga.

A principal razão do dissenso doutrinário e jurisprudencial tem origem no efeito derrogatório operado pela Lei nº 13.165/2015 sobre a consolidada jurisprudência que se formou no passado que vedava a propaganda extemporânea subliminar, aliado à própria falta de tecnicismo do art. 36-A.

Com efeito, apesar de a lei permitir a realização de propaganda antes do período eleitoral, com a vedação apenas do pedido explícito de voto, o caput do artigo inicia sua dicção com a cláusula de que esses atos típicos de campanha “não configuram propaganda eleitoral antecipada”.

Revela-se, aqui, de forma evidente, que a destacada expressão tem apenas a pretensão de afastar a ilicitude reconhecida no passado que sancionava a “propaganda eleitoral antecipada”. Antes da modificação legislativa, era comum a identificação do ilícito de “propaganda eleitoral antecipada”, havendo

grande debate sobre sua caracterização, nas hipóteses de “propaganda negativa”. Havia, portanto, uma compreensão de que todo ato de divulgação de candidatura, anterior ao período crítico, era ilícito, daí a manifesta intenção do legislador em deixar evidente sua ampla permissão, a partir da reforma eleitoral de 2015.

O art. 36-A, portanto, não objetiva modificar o conceito de “propaganda”, já amplamente aceito pelo TSE, como o ato que “leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício de função pública” (Recurso Especial Eleitoral nº 161-83, Relator Ministro Eduardo Alckmin, DJ de 31.3.2000, p. 126).

Sua intenção é alterar o modal deôntico de proibido para permitido, por meio do afastamento da ilicitude verificada anteriormente.

Assim, aquele que, a título de exemplo, no período de pré-campanha, exalta suas qualidades pessoais, sem pedido explícito de voto, está realizando atos de propaganda eleitoral. No entanto, por força do novo art. 36-A da Lei das Eleições, não está mais sujeito a qualquer tipo de sanção, haja vista a superveniência do permissivo legal. Ainda que se possa admitir tratar-se de ato “pré-eleitoral”, não há como negar que seja um ato típico de propaganda.

Portanto, na quadra atual, há ampla permissão à realização de atos de propaganda, com indicação da intenção de concorrer a algum cargo eletivo e exaltação das qualidades do respectivo candidato. É patente que o legislador não teve a intenção de mudar o conceito de propaganda, por meio de uma ficção jurídica, negando este caráter àquele que, prematuramente, indica sua intenção de disputar um cargo eletivo. O objetivo foi apenas retirar a sanção que alcançava aqueles que levavam ao conhecimento geral a intenção de concorrer.Em resumo, os atos de pré-campanha constituem propaganda eleitoral antecipada, agora, porém, sem sancionamento, desde que não sejam acompanhados de pedido explícito de votos.

Porém, a ampliação do período de discussão das alternativas para o eleitor não esgota os problemas de ordem jurídica, pois o Direito Eleitoral é informado por outros princípios e limites que também devem ser observados no período de pré-campanha. Aliás, como tenho afirmado, a inexistência de limites importa na supressão da própria liberdade e na consagração do abuso. (Grifo nosso)

 

Dessa forma, tenho que nos moldes do que foi permitido no art. 36-A da Lei n. 9.504/97, com a Lei n. 13.165/15 – a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, as condutas dos incisos I a VI e ainda a expressa permissão do pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver – todos esses atos de pré-campanha são na verdade propaganda eleitoral antecipada, porém, o legislador optou por excluir o sancionamento. Nas palavras do Min. Edson Fachin, o que houve foi a alteração do modal deôntico de proibido ou permitido, ou seja, aquilo que outrora o TSE concebeu como propaganda subliminar e vedada, o legislador estabeleceu que é permitido, embora seja efetivamente uma propaganda eleitoral subliminar. Não houve modificação do conceito do que é ou não propaganda, mas sim houve a permissão legislativa para o pré-candidato realizar os atos até então proibidos, com exceção do pedido explícito de voto.

Consigno, também, trecho do voto divergente do Min. Carlos Horbach (vencido, bem verdade) no Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060006381, Acórdão, Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 01.9.2021:
 

Com efeito, após a reforma eleitoral de 2015, realizada por meio da Lei nº 13.165, houve uma expansão considerável das balizas dentro das quais é lícito aos cidadãos, na qualidade de pré-candidatos, expressar suas aspirações políticas, inserindo-se de modo mais amplo no debate público de ideias.

A atual redação do art. 36-A da Lei das Eleições, de modo expresso, assevera que “não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos”, bem como uma série de atos que são – de modo exemplificativo – mencionados nos incisos de seu caput, sendo relevante para o deslinde da controvérsia dos autos o disposto no inciso V, que se refere à “divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais”.

O preceito constante do caput é complementado pelo § 2º do dispositivo em questão, que tem a seguinte redação:

§ 2o Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da précandidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver.

Do padrão normativo acima explicitado, exsurge uma linha clara de compreensão do que se revela lícito no contexto da chamada pré-campanha: o cidadão pode expressar nas redes sociais sua pretensa candidatura, pode explicitar as qualidades que o habilitam para o exercício do cargo futuro, pode enfatizar sua experiência prévia na política, pode fazer promessas políticas e – mais importante para o exame da presente demanda – pode ainda pedir apoio político.

Tais possibilidades de ação se revelam na conduta imputada aos recorrentes, que divulgaram em suas redes sociais – Facebook e Instagram – vídeo com conteúdo assim sintetizado pelo aresto do Tribunal a quo, in verbis:

Sabe-se que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral admite a divulgação de pré-candidatura, contendo número e sigla dos partidos políticos por meio dos quais os pré-candidatos pretendem concorrer ao pleito.

No entanto, os recorrentes, durante o vídeo, ao informar sua pré-candidata, mencionam frases como “conto com o seu apoio, e conte comigo”, “conto com seu apoio, quero lutar por uma Dom Cavati ainda melhor e acredito nessa possibilidade, muito obrigado”, “contando com o apoio de todos vocês”, “quero pedir o apoio de todos vocês”, “estou pleiteando mais uma vez uma vaga a vereador, e creio que com o apoio de todos vocês e de seus familiares, conseguirei atingir esse objetivo”, “conto com seu apoio nessa próxima eleição”, “conto com o apoio de todos vocês para darmos sequência aos nossos projetos sociais e de crescimento para Dom Cavati.”

[...]

Diversamente do que sustentam os recorrentes, não se pode extrair que o vídeo apresentado contenha apenas menção à pré-candidatura, com manifestação espontânea de apoio ao pré-candidato a Prefeito, sem qualquer pedido explícito de voto, mas, como sustentou a sentença a quo, “as propagandas apresentadas com a inicial contêm não apenas a menção à pré-candidatura, como autoriza a lei, mas uma verdadeira campanha, com os representados se identificando como pré-candidatos.” (sem destaque no original)

Do que se tem no acórdão recorrido, observa-se (i) menção à pretensa candidatura – “estou pleiteando mais uma vez a vaga de vereador” –, (ii) divulgação das ações políticas desenvolvidas – “darmos sequência aos nossos projetos sociais e de crescimento para Dom Cavati” –, (iii) enunciação das ações políticas que pretende desenvolver – “lutar por uma Dom Cavati ainda melhor” – e (iv) pedido de apoio político – “conto com seu apoio”, “creio que com o apoio de todos vocês”, “conto com o apoio de todos vocês”.

Destarte, nada do discurso em questão, tal como divulgado nas redes sociais, discrepa da moldura normativa dentro da qual é lícita a pré-campanha, sem caracterização de propaganda eleitoral antecipada e sem que se tenha possibilidade de aplicação da multa prevista no § 3º do art. 36 da Lei nº 9.504/97.

Não se pode enxergar na mensagem veiculada no vídeo postado pelos agravantes no Facebook e no Instagram, ao contrário do asseverado pela Corte de origem e pelo eminente Relator em seu voto, a utilização das chamadas “palavras mágicas”, configuradoras do pedido explícito de voto vedado pelo art. 36-A da Lei das Eleições. Até mesmo porque o vocábulo mais utilizado no mencionado vídeo, qual seja, a palavra “apoio”, consta expressamente dos comandos permissivos do § 2º acima transcrito, o qual autoriza, antes do período oficial de campanha, o “pedido de apoio político”. Concluir, no caso dos autos, pela ocorrência de propaganda eleitoral antecipada seria negar vigência aos expressos termos do art. 36-A e desprezar a teleologia da reforma realizada em 2015, voltada à ampliação do debate político na fase de pré-campanha, diminuindo assim o impacto da considerável redução do período de campanha, operada pela alteração introduzida no caput do art. 36 da Lei das Eleições pela referida Lei nº 13.165/2015.

 

Assim, para configuração de propaganda eleitoral tem de existir “pedido explícito de voto”. Portanto, a conduta do candidato está expressamente permitida, o que é vedado é o pedido explícito de voto e algumas expressões equivalentes, que inexistem no caso concreto.

Ainda, a identificação do candidato em suas falas na tribuna por seu nome completo, partido e número de urna não caracteriza propaganda política, na medida em que não há irregularidade alguma na identificação do parlamentar pelo seu nome e sigla do partido, acompanhado do número da agremiação. Ademais, o número do partido coincide com o número de urna para os casos de eleições majoritárias. Assim, o alegado número da urna em verdade é o número do partido pelo qual concorre ao cargo majoritário.

Outrossim, ressalto que o recurso interposto traz à discussão unicamente pedido de aplicação de multa, deduzindo-se que a insurgência se volta apenas à improcedência da representação por conduta vedada a agentes públicos, não contrapondo-se, assim, a improcedência da AIJE.

Assim, não merece reparos a sentença de improcedência com relação à utilização pelo candidato, em sua campanha, de falas proferidas na tribuna, diante da ausência de desvio de finalidade, inexistência de uso de recursos públicos ou excessos capazes de desequilibrar o pleito.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto.