REl - 0600589-05.2024.6.21.0067 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/02/2025 00:00 a 14/02/2025 23:59

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos processuais, razão pela qual dele conheço.

Como relatado, MARCO AURELIO FRANCO interpôs recurso contra decisão que julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE proposta por JONAS CALVI.

A sentença de origem (ID 45842639) reconheceu a publicação como propaganda irregular, em face do conteúdo manipulado, descontextualizado e difamatório, que ultrapassa os limites da liberdade de expressão e pode afetar a integridade do processo eleitoral, verbis:

Presentes as condições imprescindíveis ao exercício do direito de ação, bem como os pressupostos processuais, e não havendo nulidades ou irregularidades processuais a serem sanadas, possível a análise imediata do mérito. 

Todavia, deixo de analisar o mérito em relação ao titular da conta 51 98019-1823 (“Perin”), cuja identificação não foi fornecida pelo WhatsApp, e nenhuma outra prova foi requerida pelo representante.

Em relação ao representado Marco Aurélio Franco, a publicação do vídeo em questão em sua rede social é fato incontroverso.

Na esteira do que foi adiantado na decisão liminar, o mero olhar sobre o vídeo evidencia a edição, descontextualizando diálogo entre o candidato a Prefeito Jonas Calvi e representante da agremiação partidária, que acaba por desabonar a honra e a imagem não só do representante, mas também da candidata Joanete Cardoso, capazes de criar falso entendimento ao eleitor.

Acerca do tema, a Resolução 23.610/2019 dispõe que:

Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 1º É proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake). (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

Art. 10. A propaganda, qualquer que seja sua forma ou modalidade, mencionará sempre a legenda partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais (Código Eleitoral, art. 242 , e Lei nº 10.436/2002, arts. 1º e 2º) .

§ 1º A restrição ao emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais e passionais não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a publicidade das candidaturas ou embaraçar a crítica de natureza política, devendo-se proteger, no maior grau possível, a liberdade de pensamento e expressão.

§ 1º-A. A vedação prevista no caput deste artigo incide sobre o uso de ferramentas tecnológicas para adulterar ou fabricar áudios, imagens, vídeos, representações ou outras mídias destinadas a difundir fato falso ou gravemente descontextualizado sobre candidatas, candidatos ou sobre o processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 2º Sem prejuízo do processo e das penas cominadas, a Justiça Eleitoral adotará medidas para impedir ou fazer cessar imediatamente a propaganda realizada com infração do disposto neste artigo, nos termos do art. 242, parágrafo único, do Código Eleitoral , observadas as disposições da seção I do capítulo I desta Resolução. (Grifei.)

Ademais, conforme preconiza o artigo 27, § 1º, da mesma Resolução, a livre manifestação de pensamento de pessoa eleitora é limitada quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos (…).

E, conforme bem destacou o Ministério Público, irrelevante que o representado Marco Aurélio não seja o autor da manipulação do vídeo, uma vez que propagou vídeo com informações distorcidas e difamatórias, sem se preocupar com a sua veracidade, conduta que merece ser coibida.

Com efeito, o vídeo divulgado pelo representado, além de ter potencial de levar o eleitor a erro, contém conteúdo manipulado, descontextualizado e difamatório, que ultrapassa os limites da liberdade de expressão e pode afetar a integridade do processo eleitoral, demandando, assim, a interferência judicial, reservada, no processo eleitoral, justamente a estes casos.

A este respeito, colaciono o precedente que segue:

ELEIÇOES 2024. DIREITO ELEITORAL. RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. DIFAMAÇÃO POR MEIO DE VÍDEO MANIPULADO COMPARTILHADO EM GRUPO DE WHATSAPP. OFENSA À HONRA DE CANDIDATO. ABUSO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. ARTE. 57-D DA LEI Nº 9.504/1997. APLICAÇÃO DE MULTA . RECURSO DESPROVIDO

(...)

III. RAZÕES DE DECIDIR

O vídeo compartilhado foi manipulado para inserir áudio de caráter difamatório contra o candidato Edimilson Eliziário, utilizando expressões como "enganar o povo" e comparações ao comportamento de um "rato", com o intuito de ofender sua honra e desqualificar sua candidatura.

Embora a liberdade de expressão seja garantida constitucionalmente, ela não pode ser utilizada como instrumento de difusão, especialmente em contexto eleitoral, onde é necessário equilibrar a livre manifestação com o respeito à honra e à imagem dos candidatos.

A Resolução TSE nº 23.610/2019, art. 9º-C, veda a divulgação de conteúdos manipulados com o potencial de prejudicar a integridade do processo eleitoral. No presente caso, o vídeo compartilhado pela recorrente configura violação dessa norma, justificando a atuação repressiva da Justiça Eleitoral.

A jurisdição do TSE é importação quanto à aplicação de negociação em casos de propaganda eleitoral que contenham informações inverídicas ou difamatórias, como ocorreu no caso em análise (Representação nº 060155613, Acórdão, Min. André Ramos Tavares, DJe de 21/03/2024) .

A manutenção da sentença que determinou a retirada do vídeo e aplicou multa no valor de R$ 5.000,00 está em consonância com o objetivo de garantir o equilíbrio e a lisura do processo eleitoral, protegendo a imagem dos candidatos e o direito dos candidatos à informação verdade. (RElnº060027303 Acordão RIO BANANAL-ES Relator(a): Des. Marcos Antonio Barbosa de Souza Julgamento: 01/10/2024 Publicação: 30/09/2024) – Grifei.

Dessa forma, analisando as circunstâncias do caso concreto, em que a publicação se deu em rede social onde o representado possui mais de mil seguidores, o que é razoável na cidade de Encantado, que conta com cerca de dezesseis mil eleitores, poucos dias antes do pleito eleitoral, e tendo por base o disposto no art. 57-D, §2º, da Lei 9.504/97, entendo razoável a fixação de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), de forma punitiva e dissuasória de novas condutas indevidas.

Isso, posto, JULGO PROCEDENTE a representação eleitoral proposta por JONAS CALVI em face de MARCO AURÉLIO FRANCO, para confirmar a tutela de urgência e condenar o representado ao pagamento de multa, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser corrigida pelo IGP-M a contar da presente decisão, e acrescida de juros legais de mora a contar da citação, nos termos do artigo 240 do CPC c/c artigo 2º, parágrafo único, da Resolução nº 23.478, de 10 de maio de 2016.


 

Irresignado, o recorrente alega que “não consta dos autos qualquer prova de que a suposta edição foi promovida pelo representado Marco Aurélio que, como já foi dito, limitou-se a republicar a mídia”. Sustenta que “o suposto impacto da postagem foi NULO, na medida em que o representante venceu o pleito eleitoral com larga vantagem (mais de três mil votos) e a candidata cuja honra supostamente foi maculada, igualmente alcançou êxito na votação à vereança, sendo a segunda mais votada”. Aduz ainda que o vídeo é composto pelas falas de Jonas Calvi, atual prefeito de Encantado e Beto Turatti, outrora vice-prefeito municipal (1997-2000), e que no contexto do diálogo fazem referência à candidata Joanete Cardoso, ex- Secretária Geral de Governo e, posteriormente, vinculada à Secretária de Obras do Município.

À luz da legislação vigente, não assiste razão ao recorrente.

O conteúdo do vídeo extrapolou os limites da liberdade de expressão, por meio da divulgação de informação sabidamente inverídica e ofensiva. Houve a veiculação de informação sabidamente inverídica, pois o perfil Marco Aurélio Franco fez uso de vídeo claramente editado, manipulado digitalmente, com intenção de ofender a honra dos candidatos (Jonas e Joanete), especialmente, com o uso de linguagem vulgar, em evidente violação ao disposto no art. 57-D da Lei n. 9.504/97.

É nesse sentido o entendimento do TSE, que abaixo colaciono:

 

ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. PROPAGANDA ELEITORAL. FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO. DESCONTEXTUALIZAÇÃO GRAVE. CARACTERIZAÇÃO. LIMINAR. DEFERIMENTO. 1. A liberdade de expressão não permite a propagação de discursos de ódio e ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito (STF, Pleno, AP 1044, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES), inclusive pelos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores antes e durante o período de propaganda eleitoral, uma vez que a liberdade do eleitor depende da tranquilidade e da confiança nas instituições democráticas e no processo eleitoral (TSE – RO–El 0603975–98, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/12/2021). 2. Os excessos que a legislação eleitoral visa a punir, sem qualquer restrição ao lícito exercício da liberdade dos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores, dizem respeito aos seguintes elementos: a vedação ao discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato. 3. No caso, a propaganda impugnada se descola da realidade, por meio de inverdades, fazendo uso de falas gravemente descontextualizadas do candidato Representante, com o intuito de induzir o eleitorado à crença de que ele despreza a vida humana, assim como que seu partido teria votado contra programa de transferência de renda em momento delicado. Trata–se de fato sabidamente inverídico e descontextualizado, que não pode ser tolerada por esta CORTE, notadamente por se tratar de notícia falsa divulgada durante o 2º turno da eleição presidencial. 4. Liminar referendada. (TSE - DR: 06015240820226000000 BRASÍLIA - DF 060152408, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Data de Julgamento: 28/10/2022, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão)

(Grifo nosso)

Alinhado ao posicionamento do TSE, este Tribunal tem decidido da seguinte forma:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. REDE SOCIAL. PROCEDENTE. REJEITADA A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. VÍDEO. MONTAGEM. REPETIÇÃO DE TRECHOS DESCONTEXTUALIZADOS. CARACTERIZADA A PROPAGANDA NEGATIVA. MULTA. DESPROVIMENTO. 1. Representação eleitoral por propaganda negativa extemporânea, em razão de publicações realizadas em redes sociais que supostamente conclamariam eleitores a não votar em pré-candidato ao cargo de prefeito. 2. Rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva. A prova produzida nos autos é suficiente para atribuir a autoria do conteúdo das postagens ao representado, que reconhece ser membro do coletivo demandado, além de aparentemente incentivar o compartilhamento do conteúdo em outras aplicações de internet. Ainda que o recorrente não seja o único administrador da página que teria veiculado a suposta propaganda eleitoral negativa antecipada, seu nome consta nas imagens que foram veiculadas na petição inicial e se relacionam com a postagem impugnada, fazendo crer que possui estreita relação com a página em questão # União dos Praças da Brigada Militar (UPBMRS). 3. O art. 3º da Resolução TSE n. 23.610/19 que regulamenta a propaganda eleitoral para as eleições de 2020, reproduzindo teor do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, possibilita que os pretensos candidatos desenvolvam ações que, embora ocorram antes do prazo legal, não configurem propaganda antecipada. Permitida a menção à pretensa candidatura, a exaltação de qualidades pessoais dos pré-candidatos, o pedido de apoio político, a divulgação das ações políticas desenvolvidas e das que se pretendem desenvolver, desde que não haja pedido explícito de voto. 4. O art. 27, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.610/19, paralelamente, estabeleceu que a livre manifestação do pensamento somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem ou divulgar fatos sabidamente inverídicos sobre candidatos, partidos ou coligações, ainda que antes do início do período da propaganda eleitoral. 5. Na hipótese, o vídeo que acompanhou a inicial representa uma montagem realizada com a fala de pré-candidato, na qual se descontextualiza um trecho de uma entrevista, ressaltando, mediante insistente repetição de trechos com linguajar grosseiro, o descaso com o #voto da brigada#. Embora a manifestação original seja verdadeira, os recortes, a edição e a repetição de pequenos trechos descontextualizados afastam sua veridicidade. 6. Configurada a propaganda extemporânea negativa. Multa já fixada no patamar mínimo previsto no § 3º do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, não restando espaço para readequação de valor. Eventual pleito de parcelamento, tendo por motivo as condições econômicas do representado, deverá ser efetivado na correspondente fase de execução. 7. Provimento negado. (TRE-RS - RE: 060004294 RIO GRANDE - RS, Relator: ROBERTO CARVALHO FRAGA, Data de Julgamento: 15/10/2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 19/10/2020) (Grifo nosso)

No ponto, acompanho o quanto consignado no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45851693):

Da análise do vídeo rechaçado verifica-se a divulgação de fatos sabiamente inverídicos, descontextualizados, além da utilização de expressões de baixo calão que atingem a honra e a imagem dos candidatos Jonas Calvi e Joanete Cardoso. A mídia “apresenta montagem de diálogo entre dirigente partidário de Encantado e o candidato a prefeito Jonas Calvi, criando uma narrativa de desconstrução da candidata a vereadora pelo PSDB de Encantado (sigla partidária de Jonas Calvi), Janete Cardoso. (...) o vídeo possui 15 (quinze) pontos de emendas, demonstrando ser conteúdo manipulado digitalmente. (...) a integralidade do vídeo/áudio restou forjada, com a junção e emenda de diversos diálogos do dirigente partidário e do candidato Jonas Calvi, criando narrativa que inexiste de fato”.

 

Desse modo, a tese do recorrente de que não produziu o vídeo manipulado, mas apenas o republicou, não encontra guarida, na medida em que possui responsabilidade pela divulgação de conteúdo inverídico e difamatório.

Assim, tenho que da análise da publicação resta configurada a divulgação de fatos sabidamente inverídicos e descontextualizados por parte do representado, ora recorrente, que extrapolaram os limites da liberdade de expressão, atingindo diretamente a honra dos candidatos Jonas Calvi e Jeanete Cardoso.

Nesse passo, entendo que a sentença deve ser mantida por seus fundamentos, especialmente quanto ao “[…] potencial de levar o eleitor a erro, contém conteúdo manipulado, descontextualizado e difamatório, que ultrapassa os limites da liberdade de expressão e pode afetar a integridade do processo eleitoral”, inclusive no que se refere à incidência da multa, aplicada dentro dos parâmetros legais.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.