REl - 0600450-83.2024.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/02/2025 00:00 a 14/02/2025 23:59

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Do Mérito

No mérito, trata-se de analisar se as promoções de rifas e sorteios em perfis das redes sociais da candidata Anne Mombaque Silveira Guimarães configuraram a prática de abuso de poder econômico e de captação ilícita de sufrágio.

O abuso de poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, caracteriza-se pelo uso desproporcional de recursos patrimoniais, públicos ou privados, que comprometa a igualdade entre os concorrentes e a legitimidade do pleito. Para sua caracterização, exige-se a comprovação de que a conduta tenha gravidade suficiente para influenciar de maneira significativa o pleito, conforme o princípio da proporcionalidade.

Por sua vez, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, a captação ilícita de sufrágio caracteriza-se pela comprovação clara e objetiva de que benesses foram oferecidas ou concedidas aos eleitores com a finalidade direta e específica de obter votos. Diferentemente do abuso de poder econômico, este ilícito exige a demonstração de um vínculo inequívoco entre a conduta praticada e o intento de angariar votos de forma irregular.

Sobre o tema, o Tribunal Superior Eleitoral possui entendimento consolidado no sentido de que “a captação ilícita de sufrágio exige prova robusta da finalidade de se obter votos” (AgR-REspe n. 461-69, Rel. Min. Edson Fachin, DJE de 16/4/2019).

Na hipótese concreta, a recorrida teria utilizado seus perfis na rede social Instagram (@doce_anne e @mombaqueanne) para a realização de uma rifa, ao custo de R$ 0,99 o bilhete, sendo que o primeiro lugar ganharia um Iphone 15 ou R$ 8.000,00, à sua escolha, dentre outros prêmios de menor valor distribuídos a outros participantes.

No caso em análise, os prêmios divulgados apresentam, de fato, elevado valor econômico, o que poderia suscitar preocupações em relação à cooptação de público e à igualdade da disputa.

O acervo probatório apresentado consiste em vídeos de publicações temporárias no Instagram e capturas de telas da mesma rede social (ID 45762908, 45762909, 45762910 e 45762911).

Tais provas digitais estão apresentadas sem referência à URL específica e sem mecanismo de certificação de autenticidade, de modo que, tendo sido impugnadas pela parte adversa em contestação (ID 45762925), possuem valor probatório relativizado, de sorte que precisam ser examinados com cautela.

De todo modo, ainda que admitidos sem quaisquer reservas, os elementos de prova dos autos não indicam qualquer vinculação inequívoca entre as rifas e a campanha eleitoral.

Em realidade, a consulta às redes sociais da recorrida revela a sua atuação profissional como empresária dos ramos de ensino de confeitaria e de marketing digital, de modo que a rifa ocorreu como continuidade de uma atividade comercial preexistente.

Além disso, não há elementos que denotem a exploração eleitoreira da rifa, porquanto não existem indícios mínimos de propaganda eleitoral ou de alguma relação do fato com a campanha.

Os prêmios prometidos não eram uma dádiva advinda da recorrida, pois os números eram adquiridos de forma onerosa pelos participantes, os quais, ainda dependiam do fator aleatório do sorteio para que fossem eventualmente contemplados, descaracterizando a figura da “contraprestação” ou da “dívida de gratidão” com a candidata, apta a corromper a consciência do eleitor.

Além disso, o acervo probatório mostra-se bastante frágil e lacunoso em indicar o potencial de difusão e tempo em que realizada a referida promoção, obstando que se depreenda, com a mínima segurança, as dimensões do fato e, consequentemente, a sua suposta gravidade.

Também sob a perspectiva da captação ilícita de sufrágio, as publicações analisadas não contêm menção explícita ou implícita a pedidos de votos, tampouco condicionam a participação na rifa ou a conquista dos prêmios ao apoio à candidatura, a qual não é mencionada sequer de forma indireta.

Assim, a ausência de qualquer conotação eleitoral impede o enquadramento da conduta como captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei das Eleições) e, da mesma forma, descaracteriza o abuso de poder sobre o pleito, conforme bem sintetizou o Magistrado da origem:

Para além disso, os fatos por si só rechaçam a alegação de abuso do poder econômico em detrimento da liberdade de voto, visto que a rifa, em que pese estivesse sendo comercializada a preço módico, não fora distribuída de modo gratuito, requisito para a configuração da conduta irregular.

Soma-se a isso a paupérrima comprovação da suposta irregularidade. São apenas capturas de tela e vídeos nos quais, em nenhum momento, há menção à candidatura ou pedido (implícito ou explícito) de voto.

São apenas registros da atividade empresarial da candidata. Não se pode exigir, sem previsão legal, que as atividades econômicas dos candidatos cessem durante o processo eleitoral, devendo, contudo, ser exercidas dentro dos parâmetros legais, como é o caso em tela.

Assim, não se extrai minimante do feito qual seria a gravidade da conduta em termos gerais e qual seria a gravidade para a normalidade e a legitimidade da eleição.

 

Nada obstante, julgo que a sentença merece parcial reforma somente no que concerne à condenação dos representantes por litigância de má-fé.

Conforme os arts. 80 e 81 do Código de Processo Civil, a configuração da litigância de má-fé exige prova inequívoca de dolo processual, manifestado pela distorção intencional dos fatos, resistência infundada ao andamento do processo ou utilização abusiva da jurisdição para fins escusos.

No caso em análise, ainda que a Ação de Investigação Judicial Eleitoral tenha sido julgada improcedente, observa-se que os recorrentes agiram dentro do legítimo exercício de seu direito de ação, fundamentando suas alegações em interpretação razoável dos fatos e das provas colhidas das redes sociais.

A má-fé, como elemento subjetivo, não pode ser presumida a partir da simples debilidade probatória ou do insucesso da demanda. Trata-se de instituto de aplicação excepcional, condicionado à comprovação de que a parte agiu de forma dolosa, com o objetivo de tumultuar o processo ou obter vantagem indevida, o que não se verifica na presente situação.

Nesse contexto, o ajuizamento da presente AIJE não caracteriza abuso do direito de ação ou qualquer conduta desleal que autorize a aplicação de penalidade processual por litigância de má-fé.


 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso somente para afastar a condenação dos recorrentes por litigância de má-fé, mantendo os demais termos da sentença que julgou improcedente a ação.