REl - 0600337-22.2024.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/02/2025 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, uma pessoa não identificada, através de um perfil anônimo denominado "Lagoa em Foco", realizou publicações em uma página do Facebook denominada "O grito da lagoa", com críticas ao candidato da coligação recorrente à prefeitura de Lagoa Vermelha.

A página em questão é administrada pelo recorrido Antônio Diniz da Silva Dutra, que, segundo a petição inicial, "é o responsável por autorizar ou não todas e quaisquer publicações no grupo 'O Grito da Lagoa'".

Em contrarrazões, o recorrido admite que é o idealizador e o responsável pela página "O Grito da Lagoa", mas alega que desconhecia que o perfil "Lagoa em Foco" era anônimo, bem como que "não possui uma obrigação legal de fiscalizar sua página que conta com mais de 16 mil seguidores que nada mais é do que um hobby que tomou uma proporção maior" (ID 45748678).

Por sua vez, a sentença, embora tenha reconhecido que o recorrido seja o administrador da página "O Grito da Lagoa" e tivesse o "dever de se certificar de que as postagens realizadas em sua página são de usuários identificáveis, sob pena de se tornar o responsável", entendeu que não era o caso de aplicar a penalidade prevista por considerar que seria "suficiente a exclusão do conteúdo e do perfil anônimo, não se verificando má-fé".

De seu turno, o recorrente alega que a Lei Eleitoral, seguindo a Constituição Federal, garante a liberdade de manifestação, mas proíbe o anonimato, impondo multa de R$ 5.000,00 a R$ 30.000,00 em caso de violação. Defende que, por ser o recorrido o responsável pelas publicações no grupo "O grito da lagoa", autorizando postagens anônimas, igualmente, se tornou o responsável pela divulgação relativa ao "Lagoa em Foco", motivo pelo qual requer que a sentença seja reformada para condenar Antônio Diniz da Silva Dutra, aplicando-lhe a multa prevista no art. 57-D da Lei das Eleições.

Assim, no mérito, a controvérsia está adstrita à análise da existência da responsabilidade de Antônio Diniz da Silva Dutra pela prática da divulgação de manifestação eleitoral de cunho negativo veiculada por perfil anônimo, tendo em vista que as postagens foram hospedadas em grupo no Facebook sob sua administração e moderação.

Observa-se que a página "O Grito da Lagoa" consiste em um grupo público no Facebook voltado ao compartilhamento de informações sobre reinvindicações para o poder público, situação do trânsito, eventos culturais, ofertas de empregos, animais achados e perdidos e quaisquer outras publicações de interesse da comunidade de Lagoa Vermelha, contando com cerca de 16.331 membros.

É certo que os administradores de grupos em redes sociais possuem poderes para verificar o que é publicado na página respectiva, bem como remover postagens ilícitas ou irregulares, competindo-lhes velar pelo correto cumprimento das normas jurídicas, sejam elas eleitorais ou não, cabendo-lhes inclusive deletar mensagens ou remover participantes.

Nos termos expostos na sentença:

O requerido ANTÔNIO DINIZ DA SILVA DUTRA, por ser o administrador da página "O Grito da Lagoa", tem o dever de se certificar de que as postagens realizadas em sua página são de usuários identificáveis, sob pena de se tornar o responsável, uma vez que tem o poder de autorizar que as postagens sejam lançadas na internet ao público aberto.

 

Nessa linha, o TSE já proclamou que "a sanção prevista no § 2º do art. 57-D da Lei 9.504/97, que prevê o pagamento de multa ao responsável pela divulgação da propaganda anônima, deve ser imposta a todos os usuários que divulgarem conteúdos sem a identificação do autor da mensagem original, interpretação que confere maior eficácia à norma em comento, uma vez que, na descrição legal, não consta a delimitação do conceito de anonimato para fins da sua incidência" (TSE; Recurso Especial Eleitoral n. 0600024-33, Acórdão, Relator: Min. Sérgio Silveira Banhos, Publicação: DJE de 7.3.2022).

Na hipótese, a coligação recorrente logrou produzir provas suficientes de que o administrador do grupo realizava a avaliação prévia das postagens publicadas, na medida em que demonstra que foram conscientemente recusadas três diferentes postagens encaminhadas por Edna Almeida para a página, com críticas à gestão pública então à frente da Prefeitura de Lagoa Vermelha (ID 45748587).

Logo, estando comprovado o controle antecipado dos conteúdos publicados, deve ser aplicado o entendimento jurisprudencial de que "é dever do administrador moderar as discussões, a apresentação de ideias e as publicações em geral. É importante ressaltar que o administrador tem autoridade para remover, deletar e apagar mensagens tanto para si quanto para todos os membros" (TRE-PA; Recurso Eleitoral n. 0600025-65, Relator: Desa. Rosa de Fátima Navegantes de Oliveira, Acórdão de 29.8.2024, Publicado em Sessão 25, data 29.8.2024).

Com esse mesmo norte, este Tribunal já reconheceu a responsabilidade de administradora de grupo no Facebook quando evidenciada "a autorização prévia do seu administrador para a inclusão de novos participantes e a visualização das publicações" e a omissão "em remover os conteúdos ilícitos da página do grupo", consoante ilustra a seguinte ementa:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROCEDÊNCIA. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. REDE SOCIAL. FACEBOOK. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA. INCOMPETÊNCIA. ILEGITIMIDADE. AUSENTE IMPUGNAÇÃO QUANTO AO RECONHECIMENTO DA PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. ACERVO PROBATÓRIO A DEMONSTRAR A CIÊNCIA E OMISSÃO DO RECORRENTE. GRUPO DE GRANDE PORTE, APTO A DESEQUILIBRAR O PLEITO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA COM APLICAÇÃO DE MULTA. DESPROVIMENTO. […]. RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROCEDÊNCIA. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. REDE SOCIAL. FACEBOOK. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA. INCOMPETÊNCIA. ILEGITIMIDADE. AUSENTE IMPUGNAÇÃO QUANTO AO RECONHECIMENTO DA PROPAGANDAELEITORALANTECIPADA NEGATIVA. ACERVO PROBATÓRIO A DEMONSTRAR A CIÊNCIA E OMISSÃO DO RECORRENTE. GRUPO DE GRANDE PORTE, APTO A DESEQUILIBRAR O PLEITO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA COM APLICAÇÃO DE MULTA. DESPROVIMENTO. […]. 4. Superado o debate acerca da configuração da propaganda eleitoral antecipada negativa objeto dos autos, inviável o acolhimento da argumentação recursal para fins de reforma da sentença sob o aspecto estrito da responsabilidade do recorrente por sua divulgação no ambiente de internet. Inequívocos o conhecimento e a omissão em remover os conteúdos ilícitos da página do grupo, resta demonstrada a responsabilidade pela prática de propaganda eleitoral extemporânea negativa, impondoaaplicação da penalidade de multa. 5. Ainda que a veiculação tenha ocorrido em grupo privado na rede social Facebook, que exige autorização prévia do administrador para a inclusão de novos participantes e a visualização das publicações, este possui elevado número de integrantes, que atinge cerca de 22 mil pessoas diante do universo de pouco mais de 153 mil eleitores do município. Circunstância que retira o caráter privado do grupo, em que o fluxo de informações virtuais se restringe a um número pouco expressivo de interlocutores e se encontra albergado pelo direito fundamental de liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal). Compartilhamento de conteúdos e alastramento de informações em grande escala, propício à manipulação do eleitorado, ostentando diferenciada potencialidade para o desequilíbrio da disputa eleitoral. 6. Provimento negado.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 060004379, Acórdão, Des. AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, julgamento em 6.5.2021) (Grifei.)

 

Portanto, a consequência legal da responsabilidade pela publicação de conteúdo eleitoral negativo de origem anônima é a sanção ao administrador da página, nos termos do § 2º do art. 57-D da Lei n. 9.504/97:

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3 o do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.

[…].

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

 

Em relação à dosimetria da sanção a ser aplicada, levando em conta as particularidades do caso em questão e na falta de elementos que indiquem uma maior gravidade ou reprovabilidade da conduta, arbitro a multa em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor mínimo previsto na regra legal.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso ao efeito de condenar ANTÔNIO DINIZ DA SILVA DUTRA ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com fulcro no § 2º do art. 57-D da Lei n. 9.504/97.