REl - 0600267-95.2024.6.21.0095 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/02/2025 00:00 a 07/02/2025 23:59

VOTO

O recurso é tempestivo e possui presentes os demais pressupostos relativos à espécie, de modo que merece conhecimento.

No relativo ao mérito, a sentença desaprovou as contas relativas à campanha eleitoral de 2024 de EMERSON ZAMBONI em razão de recebimento de doações em espécie acima de R$ 1.064,10. A decisão determinou o recolhimento, ao Tesouro Nacional, da quantia de R$ 436,00 - valor excedente ao limite.

A irregularidade foi identificada no parecer conclusivo conforme segue:

Com base nos procedimentos técnicos de exame e na análise documental, foi constatado o recebimento e utilização de Recursos de Origem Não Identificada quando da emissão do Relatório Exame de Contas ID 126318858. 3.1. Foram identificadas doações financeiras recebidas de pessoas físicas ou de recursos próprios, inclusive mediante financiamento coletivo, de valor igual ou superior a R$ 1.064,10, realizadas de forma distinta da opção de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal ou PIX, entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, contrariando o disposto no art. 21, §1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, sujeito ao recolhimento previsto no art. 32, caput, dessa resolução:

¹ Obrigatório na hipótese de doações estimáveis em dinheiro ou recebidas pela internet (à exceção do financiamento coletivo). Assim, por não comprovação da origem dos recursos utilizados na campanha, considera-se irregular o montante de R$ 1.500,00, passível de recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme o art. 14 e o art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/2019.

 

Ato contínuo, a decisão hostilizada destacara ciência da jurisprudência dominante no sentido de determinar a exigência do recolhimento total dos depósitos irregulares; contudo, entendeu que "não seria razoável e proporcional tal determinação, uma vez que parte do depósito está sob o manto da legalidade". Determinou, desse modo, o recolhimento apenas do montante que ultrapassara o limite diário permitido pela legislação de regência.

No campo normativo, as operações bancárias a serem utilizadas para realizar doações eleitorais estão explicitadas na Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF da doadora ou do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que a doadora ou o doador é proprietária(o) do bem ou é a(o) responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

IV – Pix. (Incluído pela Resolução nº 23.731/2024)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

(Grifei.)

 

Perante este Tribunal, apresenta-se tese recursal que pretende seja admitido o depósito em espécie (na "boca do caixa"), com base no argumento central de que o limite por pessoa física fora obedecido - apenas um depositante teria se dirigido à agência bancária, informado CPFs diferentes para os valores de R$ 1.064,10 e R$ 436,00 - sempre para atender, forma diligente, a legislação.

Contudo - ainda conforme o eixo argumentativo recursal, a funcionária da ocasião acabou por atribuir ao CPF da pessoa que estava fazendo os depósitos todas as doações.

Inviável. Não assiste razão ao recorrente, sequer em tese - ou seja, mesmo que admitida a sua versão dos fatos.

Isso porque o procedimento em si  mesmo desatendeu o estabelecido no texto legal: as doações realizadas no mesmo dia, acima de R$ 1.064,10, sejam de pessoas físicas ou oriundas de recursos próprios, devem observar o trânsito eletrônico entre as contas bancárias do doador e do recebedor. Ora, realizados os depósitos em espécie, não há comprovação da origem como pretendem os recorrentes.

E não é à toa a determinação legal. A exigência tem motivo: viabilizar de modo seguro a verificação da origem da contribuição, o que somente é possível se atendidas as formas de transferências legais, as quais permitem o cruzamento de informações entre dados da Receita Federal e outros órgãos. A título de exemplo, um candidato poderia receber dinheiro em espécie de uma empresa interessada em sua eleição. Munido do maço de notas, esse hipotético candidato se dirigiria até a agência bancária e depositaria em sua conta de campanha, informando, como doador, CPF de pessoa física. Ou vários números de CPF, na versão do recorrente. É exatamente tal jaez de situação que a legislação intenta coibir primordialmente, muito embora acabe alcançando também candidatos desconhecedores dos regramentos básicos de contabilidade eleitoral, não havendo como garantir qual o caso dos autos.

Observo, no entanto, que o desconhecimento legislativo ou a ausência de má-fé não podem se prestar a um juízo absolutório, pois o interesse nas reais fontes financiadoras de campanha vai além desta Justiça Especializada, alcançando toda a sociedade. Nesse sentido, destaco recente julgado do Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO ESTADUAL. DESAPROVAÇÃO. DEPÓSITO EM ESPÉCIE. DOAÇÃO E APLICAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS ACIMA DE R$ 1.064,10. GASTO COM COMBUSTÍVEL. VEÍCULO SEM REGISTRO DE CESSÃO OU ALUGUEL. CUSTEIO COM RECURSOS DO FEFC. NÃO IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS. REPRODUÇÃO DE TESES RECURSAIS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 26 DO TSE. NÃO CONHECIMENTO. SÍNTESE DO CASO. 1. O Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia, por unanimidade, desaprovou as contas de campanha do agravante, relativas às Eleições de 2022, nas quais concorreu ao cargo de deputado estadual, com determinação de recolhimento da quantia de R$ 53.163,76 ao Tesouro Nacional.ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL2. A negativa de seguimento ao agravo em recurso especial teve como fundamento o seguinte:a) incidência da Súmula 24 do TSE, ante a impossibilidade de alterar a conclusão da Corte de origem quanto à propriedade do veículo sem novo exame das provas dos autos;b) incidência do óbice previsto na Súmula 27 do TSE, porquanto as alegações do agravante para indicar ofensa aos arts. 23, §§ 2º-A e 4º, II, da Lei 9.504/97 e aos arts. 7º, 15, I, e 27, § 1º, da Res.-TSE 23.607 - doação excedente ao limite legal e limite global para doação via autofinanciamento de campanha - estavam dissociadas da fundamentação adotada pelo Tribunal de origem no ponto, alusiva à utilização de recursos próprios aportados na campanha do candidato mediante depósitos fracionados e em recebimento de doações de valor individual acima de R$ 1.064,10, por meio de depósito em espécie, em contrariedade ao art. 21, § 1º, da Res.-TSE 23.607;c) aplicação da Súmula 30 do TSE, porque a orientação do Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior;d) incidência da Súmula 72 do TSE em relação à alegada ofensa ao art. 1.267 do Código Civil, dispositivo que não foi objeto de discussão pelo TRE/RO. Ademais, não foram opostos embargos de declaração para provocar a apreciação da matéria sob essa ótica por aquele Tribunal.3. O agravante se limitou a reproduzir parte dos mesmos argumentos apresentados no agravo em recurso especial e no apelo nobre, sem impugnar, de forma específica e objetiva, os fundamentos da decisão agravada. Não demonstrou, sobretudo, como as premissas fáticas do aresto regional permitiriam a revaloração jurídica a ponto de ensejar o provimento do apelo especial nem indicou que a jurisprudência do TSE poderia dar lastro à sua pretensão recursal. 4. Não impugnados os fundamentos da decisão agravada, é incognoscível o agravo interno, nos termos da Súmula 26 do TSE. 5. Mesmo que o agravo interno pudesse ser conhecido, a reprovação das contas na espécie está alinhada com a jurisprudência do TSE, no sentido de que "a doação de valor acima de R$ 1.064,10, em espécie, por meio de depósito bancário, não constitui mera irregularidade formal, mas irregularidade grave, que enseja a desaprovação das contas, uma vez que compromete sobremaneira a transparência do ajuste contábil" (AREspE 0600481-94, rel. Min. Mauro Campbel Marques, DJE de 23.8.2022). CONCLUSÃOAgravo regimental não conhecido. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060161841, Acórdão, Min. Floriano De Azevedo Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 09/08/2024.

(Grifei.)

O Juízo sentenciante, repito, entendeu por determinar o recolhimento apenas do montante que ultrapassou o limite diário, no que aliás beneficiou o recorrente, pois esclareço que este Tribunal, em linha com o TSE, posiciona-se no sentido do recolhimento integral da doação irregular, pois da integralidade do crédito auferido em mesma data decorre o excesso no limite diário de doações, comprometendo a confiabilidade e a transparência das contas. No entanto, não há que se alterar a sentença no ponto, para que não se incorra em reformatio in pejus.

Configurada a doação irregular, julgo inviável acolher o pedido recursal de aplicação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. Deve ser mantida a desaprovação  de contas indicada na sentença, bem como a ordem de recolhimento de valores.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.