ED no(a) PC-PP - 0600239-92.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/02/2025 00:00 a 07/02/2025 23:59

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, cumpre consignar que os embargos de declaração só podem ser opostos com o objetivo específico de esclarecer obscuridade ou contradição, sanar omissão ou corrigir erro material existente na decisão judicial, conforme expressamente estabelece o art. 1.022 do Código de Processo Civil.

É entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça que “a boa técnica dos embargos declaratórios visa a escoimar o relatório, os fundamentos e o acórdão de incoerências internas, capaz de ameaçarem sua inteireza” e, portanto, não é o meio adequado para o embargante “obter o reexame da matéria versada nos autos, na busca de decisão que lhe seja favorável” (STJ, EDcl no REsp 440.106/RJ, 6a Turma, Rel. Min. Celso Limongi, DJe 23.8.2010).

No mérito, os embargos não merecem acolhimento, antecipo.

Inicialmente, indico que a ocorrência de “fato novo” não configuraria, em si mesma, hipótese de cabimento de embargos de declaração (como acima delineado, considerado o rol legal taxativo).

De todo modo, com o fito de prestigiar a análise do mérito e possibilitar, à parte, que eventualmente invoque o argumento perante a instância superior, friso que a aplicação da Emenda Constitucional n. 133 tem sido afastada pela jurisprudência dos tribunais eleitorais para os casos como o que ora se analisa, fundamentalmente por não se tratar de caso de “natureza tributária”.

No âmbito deste Tribunal, na sessão de 13.12.2024, foi decidido por unanimidade, em processo de relatoria do Desembargador MÁRIO CRESPO BRUM:

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2021. QUESTÃO DE ORDEM. ART. 4º DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 133/24. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

I. CASO EM EXAME

1.1. Prestação de contas de diretório estadual de partido político, relativa ao exercício financeiro de 2021.

1.2. Pedido de aplicação da Emenda Constitucional n. 133/24 para afastar irregularidades, especialmente no que tange à devolução e recolhimento de valores.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

2.1. Se as irregularidades apontadas no parecer técnico, especialmente aquelas relativas a fontes vedadas e aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário, justificam a desaprovação das contas ou permitem sua aprovação com ressalvas.

2.2. Se o art. 4º da Emenda Constitucional n. 133/24 afasta a obrigatoriedade de devolução e recolhimento de valores, no âmbito de processos de prestação de contas partidárias.

2.3. Se a agremiação partidária deve recolher ao Tesouro Nacional os valores decorrentes das irregularidades apuradas.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. Aplicabilidade do art. 4º da Emenda Constitucional n. 133/24.

3.1.1. Segundo o § 1º do art. 4º da Emenda Constitucional n. 133/24, “a imunidade tributária estende-se a todas as sanções de natureza tributária, exceto as previdenciárias, abrangidos a devolução e o recolhimento de valores, inclusive os determinados nos processos de prestação de contas eleitorais e anuais.”

3.1.2. As impropriedades e irregularidades verificadas pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas, e suas consequências jurídicas, não ostentam natureza tributária, o que se afigura suficiente para concluir pela inaplicabilidade do art. 4º da Emenda Constitucional n. 133/24 no julgamento de tais processos.

3.1.3. A interpretação sistemática do conjunto de normas da Emenda Constitucional n. 133/24 confirma que o art. 4º não pode ser considerado óbice ao poder-dever da Justiça Eleitoral de fiscalizar as contas partidárias e impor determinações de recolhimento ao erário ou outras sanções de natureza não tributária. Não estão anistiadas as cominações, recolhimentos e sanções impostas pela Justiça Eleitoral em prestações de contas anuais ou eleitorais. Com essa mesma diretriz interpretativa, jurisprudência de outros Regionais e decisões monocráticas do TSE.

3.1.4. O art. 6º da Emenda Constitucional n. 133/24, que garante aos partidos político o uso de recursos do Fundo Partidário para a quitação de débitos eleitorais e não eleitorais, tem sua incidência enfrentada em tópico próprio da análise de contas, relativo aos gastos com multas, juros e encargos com verbas de origem pública.

3.2. Recebimento de Doação de Pessoa Jurídica.

3.2.1. O art. 31, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 veda o recebimento direto ou indireto de doações procedentes de pessoas jurídicas.

3.2.2. Recursos provindos de órgão público fazendário. Falha que não há como ser superada, uma vez que o desconto automático em folha de pagamento não é admitido como forma de contribuição lícita, conforme jurisprudência do TSE.

3.2.3. Falha que subsiste, pois não houve esclarecimentos e tampouco a devolução das verbas recebidas de fontes vedadas. Dever de transferir o equivalente ao Tesouro Nacional.

3.3. Contribuições de Pessoas Físicas Não Filiadas a Partido Político.

3.3.1. Recebimento de contribuições de pessoas físicas detentoras de cargos ou funções públicas demissíveis ad nutum e não filiadas ao partido político. Doadores considerados fontes vedadas de arrecadação, uma vez que não estão abrangidos na ressalva contida no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95. Dever de recolhimento.

3.4. Distribuição e Aplicação de Recursos Oriundos do Fundo Partidário.

3.4.1. Afastada a irregularidade pelo recebimento de recurso em período em que a agremiação cumpria sanção de suspensão, pois a comunicação enviada ao diretório nacional do partido referia expressamente a concessão de prazo para cumprimento da “decisão anexa”, e não do acórdão condenatório. Ademais, a partir da vigência da Lei n. 13.877/19, a juntada do aviso de recebimento da comunicação específica à instância partidária nacional é condição necessária para a efetivação do sancionamento, o que não ocorreu.

3.4.2. Consideradas as peculiaridades do caso, em especial o teor da intimação enviada ao órgão nacional do partido e a inobservância do art. 37, § 3º-A, da Lei n. 9.096/95, não deve ser o diretório responsabilizado pelo recebimento e pela utilização dos recursos.

3.5. Aplicação Irregular do Fundo Partidário.

3.5.1. Realização de gastos com recursos do Fundo Partidário para pagamentos de multa, juros e/ou encargos, em desacordo com o art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

3.5.2. O art. 6º da Emenda Constitucional n. 133/24 não prevê anistia, remissão ou qualquer outra forma de extinção das irregularidades anteriormente praticadas, vindo apenas a permitir, a partir da sua vigência, a utilização de recursos do Fundo Partidário em gastos anteriormente vedados.

3.5.3. O art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19 é válido e constitucional em sua origem. O conflito estabelecido com a norma constitucional superveniente, que cria uma disposição diversa ou incompatível, deve ser resolvido pela técnica da revogação, e não pela invalidação da norma anterior.

3.5.4. Aplicação da legislação vigente ao tempo dos fatos. Entendimento deste Tribunal pela irretroatividade das novas disposições de natureza material, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, com fundamento nos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica. Na mesma linha, a jurisprudência do TSE enuncia que “os dispositivos legais de natureza material que devem reger a prestação de contas são os vigentes ao tempo dos fatos ocorridos, consoante o princípio tempus regit actum e o art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”.

3.6. As irregularidades apuradas, correspondendo a 3,92% dos recursos recebidos, não comprometem integralmente a regularidade das contas, permitindo a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para a aprovação com ressalvas. Incabíveis as imposições de multa e de suspensão do repasse do Fundo Partidário.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Contas aprovadas com ressalvas. Determinado o recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional.

Teses de julgamento: “1. A Emenda Constitucional n. 133/24 não anistia as cominações, recolhimentos e sanções impostas pela Justiça Eleitoral em prestações de contas anuais ou eleitorais, uma vez que tais medidas não possuem natureza tributária. 2. Os dispositivos legais de natureza material que devem reger a prestação de contas são os vigentes ao tempo dos fatos ocorridos.”

Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal, art. 150, inc. VI, al. "c"; Lei n. 9.096/95, arts. 31, inc. V, e 37, § 3º-A; Resolução TSE n. 23.607/19, art. 31, inc. I; Resolução TSE n. 23.604/19, art. 17, § 2º.

Jurisprudência relevante citada: TSE, AgR-REspe n. 53567/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 12.03.2015. TSE, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral 0600550-29/PR, Rel. Min. Floriano De Azevedo Marques, DJE 24.06.2024. TRE-RS, PC-PP n. 060010417, Rel. Des. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJE 15.08.2023. TRE-RJ, PC-PP n. 060019896, Rel. Des. Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, DJE 15.02.2023.

(Prestação de Contas Anual 0600240-77.2022.6.21.0000, Rel. Des. MÁRIO CRESPO BRUM, j. em 13.12.2024, unânime).

 

Trago destaque para a tese de julgamento número 4.1, extraída da ementa: 1. A Emenda Constitucional n. 133/24 não anistia as cominações, recolhimentos e sanções impostas pela Justiça Eleitoral em prestações de contas anuais ou eleitorais, uma vez que tais medidas não possuem natureza tributária.

Cito ainda, na linha do decidido por este Plenário, as decisões do TSE – AgR-REspe n. 53567/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, j. 10.02.2015, DJE de 12.3.2015, bem como decisões recentes daquele Superior, ainda que de forma monocrática, da Ministra CARMEN LÚCIA – PetCiv n. 0613144-46 – DF, j. 15.09.2024, DJE de 17.9.2024, e do Ministro ANTÔNIO CARLOS FERREIRA – RROPCO n. 0613337-61 – DF, j. 30.10.2024, DJE de 05.11.2024.

Já houve, ademais, oposições de aclaratórios em outros regionais, como por exemplo perante o TRE/RJ:

De igual forma, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro afastou a incidência da EC n. 133/24 às consequências dos processos de contas, no que toca à extensão da imunidade tributária:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2018. IRREGULARIDADES NOS GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. INEXISTÊNCIA DE OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU OMISSÃO. INCONFORMISMO. REJEIÇÃO.

[...].

7. Advento da EC 133, que em nada repercute no presente caso, tendo em vista que as cominações e determinações pecuniárias não tem natureza tributária. Inteligência do Art. 3º do CTN e Súmula 56 TSE. Questão de Ordem que improcede.

8. REJEIÇÃO dos Embargos e da Questão de Ordem. Confirmação da DESAPROVAÇÃO das contas partidárias, com a determinação de devolução de R$ 562.562,31, referentes a irregularidades nos gastos com recursos do Fundo Partidário, multa de R$ 11.151,34 e aplicação de R$ 88.659,73 em programas de incentivo à participação política das mulheres.

(EMBARGOS DE DECLARAÇÃO no(a) PC n.060025253, Acórdão, Des. Fernando Marques De Campos Cabral Filho, Publicação: DJE - DJE, 13.09.2024.) (Grifei.)

 

Por esse motivo é que o alegado “fato novo” não fora incorporado às razões de voto do acórdão embargado – não há necessidade de “cumprimento à norma constitucional” a ser realizado, pois inaplicável a EC n. 133 à espécie.

Diante do exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.