REl - 0600883-03.2024.6.21.0085 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2025 00:00 a 03/10/2025 23:59

VOTO

Irresignado, José Fagner Cardoso Lentz recorre da sentença que determinou o recolhimento de R$ 1.350,82 ao Tesouro Nacional, em virtude do recebimento de R$ 1.211,00 de origem não identificada e de sobras financeiras no valor de R$ 139,82 provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

1. Ausência de recolhimento de sobras do FEFC

Quanto à sobra financeira de R$ 139,82, a falha foi apontada em razão da utilização indevida dessa quantia proveniente do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), considerada sobras de créditos de impulsionamentos contratados e não utilizados até o final da campanha, as quais deveriam ter sido transferidas aos cofres públicos, na forma do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em seu recurso, alega que contratou créditos de impulsionamento junto a empresa Facebook. Refere que, por culpa da fornecedora do serviço, não foram emitidas as notas fiscais de todo o valor, o que gerou a divergência entre os pagamentos realizados e a nota fiscal emitida pela empresa Facebook. Junta o comprovante de recolhimento de R$ 139,82.

No caso dos autos, ao examinar as contas, a unidade técnica verificou a aquisição de créditos de impulsionamento de conteúdo de internet no valor total de R$ 246,00, através da empresa Adyen do Brasil Ltda., a serviço de Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., com recursos procedentes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), com emissão de nota fiscal no valor de R$ 106,18, sem comprovação do recolhimento da diferença (saldo) no montante de R$ 139,82, conforme parecer técnico (ID 45843480).

Logo, não houve comprovação da destinação da quantia total de R$ 139,82 para o serviço em questão, mediante emissão de notas fiscais, nem a apresentação do recolhimento ao Tesouro Nacional no momento da apresentação de contas, contrariando o disposto no art. 35, § 2º, inc. I, art. 50, inc. III, §§ 1º, 2º, 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26) :

(…)

§ 2º Os gastos de impulsionamento a que se refere o inciso XII deste artigo são aqueles efetivamente prestados, devendo eventuais créditos contratados e não utilizados até o final da campanha serem transferidos como sobras de campanha:

I - ao Tesouro Nacional, na hipótese de pagamento com recursos do FEFC;

(…)

Art. 50. Constituem sobras de campanha:

(…)

III - os créditos contratados e não utilizados relativos a impulsionamento de conteúdos, conforme o disposto no art. 35, § 2º, desta Resolução.

§ 1º As sobras de campanhas eleitorais devem ser transferidas ao órgão partidário, na circunscrição do pleito, conforme a origem dos recursos e a filiação partidária da candidata ou do candidato, até a data prevista para a apresentação das contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º O comprovante de transferência das sobras de campanha deve ser juntado à prestação de contas da(o) responsável pelo recolhimento, sem prejuízo dos respectivos lançamentos na contabilidade do partido político.

(...)

§ 5º Os valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) eventualmente não utilizados não constituem sobras de campanha e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional integralmente por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) no momento da prestação de contas.

Dessa forma, não há justificativa para afastar a falha constatada, porquanto a candidatura encerrou sua campanha com créditos não utilizados junto ao Facebook, oriundos de recursos do FEFC, os quais deveriam obrigatoriamente ter sido devolvidos pela empresa fornecedora, pois não houve contraprestação de serviços, e restituídos ao Tesouro Nacional, conforme estabelecem os arts. 35, § 2º, inc. I, e 50, inc. III e § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Anoto, ainda, que eventual dificuldade na obtenção do respectivo ressarcimento com a empresa ou do comprovante fiscal deve ser dirimida na via processual própria, visto que a jurisprudência deste Tribunal está consolidada no sentido de que a responsabilidade pela gestão dos valores destinados à campanha eleitoral cabe exclusivamente aos candidatos, às candidatas e aos respectivos partidos políticos, não sendo legítima a transferência de responsabilidade a terceiros, como dispõe o § 10 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19 (nesse sentido: TRE/RS - REl n. 0600653-59.2024.6.21.0020, Relator Desembargador Mario Crespo Brum, DJe, 15.4.2025).

Entendo, também, que não prospera a tese defensiva de saneamento da irregularidade com o recolhimento voluntário da quantia reputada irregular após o início da análise técnica.

Nesse sentido, esta Justiça Especializada formou jurisprudência pacífica de que "o recolhimento voluntário do montante irregular, após o início da análise técnica, não basta para a descaracterização da falha, uma vez que houve a efetiva aplicação irregular dos recursos, não saneada durante a campanha, mesmo em cifras módicas" (TRE/RS, REl n. 0602799-07.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, DJe, 07.02.2024).

Sobre a regularidade dos recolhimentos efetivados, essa deve ser aferida no momento do cumprimento de sentença.

Por conseguinte, a irregularidade permanece mantida.

Noto que, até o presente momento, nenhum outro documento ou esclarecimento comprova o uso correto dos recursos públicos do FEFC, nem mesmo em grau recursal. Dessa forma, a falha deve ser considerada para a formação do juízo de reprovabilidade da presente contabilidade de campanha.

2. Recursos de origem não identificada

Quanto ao recebimento de R$ 1.211,00 de origem não identificada, a falha é relativa à emissão da nota fiscal n. 202400000000316, em 13.9.2024, no valor total de R$ 1.211,00, pela empresa fornecedora RS Gráfica Impressão Ltda., a qual não foi declarada nesta prestação de contas e cujo pagamento não transitou nas contas bancárias de campanha.

Sublinho, inicialmente, que não há controvérsia de que a nota foi emitida contra o CNPJ da candidatura, de que não houve pagamento da despesa por intermédio de recursos que transitaram pelas contas bancárias específicas de campanha e de que não há registro contábil do valor na prestação de contas.

O recorrente apresentou, perante a unidade técnica da Zona Eleitoral, declaração da eleitora Gisele Eberhardt Benetti, narrando que realizou a despesa em favor do recorrente e não comunicou a ocorrência ao candidato-recorrente (ID 45843489).

A sentença ponderou que a doação recebida, por ser de valor superior a R$ 1.064,10, deveria ser realizada mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora e do beneficiário ou por meio de cheque cruzado e nominal, e não mediante pagamento direto de despesa omitida da prestação de contas.

Por sua vez, a declaração unilateral da doadora não é suficiente para afastar a conclusão da irregularidade da nota.

A esse respeito, uma vez emitida a nota fiscal, compete ao candidato prestador de contas a responsabilidade de comprovação da inexistência da despesa e do cancelamento da nota fiscal junto a respectiva autoridade fazendária, como exigem os arts. 59 e 92, §§ 5º e 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse sentido, anoto que esta Corte firmou o entendimento de que, havendo o registro do gasto nos órgãos fazendários, "o ônus de comprovar que a despesa eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma irregular é do prestador de contas" (TRE-RS, REl n. 0603413-12.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Eleitoral Francisco Thomaz Telles, DJe, 24.01.2025; TRE-RS, Prestação de Contas Eleitoral n. 0602944-63.2022.6.21.0000, Relatora Desembargadora Eleitoral Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, publicado em sessão em 01.12.2022).

Por conseguinte, a sentença está em sintonia com a atual jurisprudência: "Utilização de recursos de origem não identificada - RONI. Emissão de notas fiscais em favor do CNPJ de campanha, omitidas na prestação de contas. Violação ao art. 53, inc. I, al. "g", da Resolução TSE n. 23.607/19. Ausentes provas do efetivo cancelamento, retificação ou estorno. Dever de recolhimento." (TRE-RS, REl n. 0602912-58.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Mario Crespo Brum, DJe 22.01.2025).

De outro lado, a doação direta de pessoa física de serviço alheio à atividade própria da doadora configura recurso de origem não identificada, conforme assentado por este Tribunal:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. DOAÇÃO DE PESSOA FÍSICA. PAGAMENTO DIRETO DE IMPULSIONAMENTO NO FACEBOOK. CONFIGURAÇÃO DE RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RECURSO DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME

1.1. Recurso eleitoral interposto por candidato ao cargo de vereador, nas Eleições Municipais de 2024, contra sentença que desaprovou suas contas em razão da identificação de recursos de origem não identificada, correspondentes à doação realizada por pessoa física mediante pagamento direto do serviço de impulsionamento prestado pelo Facebook.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2.1. Definir se a doação de pessoa física diretamente em forma de impulsionamento de conteúdo em rede social pode ser considerada doação estimável em dinheiro de origem identificada ou se configura irregularidade por violar as regras de arrecadação e movimentação financeira da campanha eleitoral, nos termos da Resolução TSE n. 23.607/19.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. O art. 25 da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece que somente podem ser consideradas doações estimáveis em dinheiro os bens e/ou serviços, doados por pessoas físicas, que constituam produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, que integrem seu patrimônio.

3.2. No caso, não sendo o impulsionamento produto do serviço da doadora, ela não poderia ter realizado a cessão. Deveria a doadora ter transferido o valor equivalente para a conta bancária de campanha, que registra a movimentação financeira do candidato, e não ter adimplido diretamente a despesa.

3.3. Despesa considerada como recursos de origem não identificada, pois não foi paga com recursos provenientes de contas específicas, caracterizando a irregularidade prevista no art. 14 da Resolução TSE n. 23.607/19, implicando a desaprovação da prestação de contas.

3.4. Manutenção da sentença. As irregularidades presentes na prestação de contas representam 49,05% das receitas, acima do valor considerado módico (R$ 1.064,10) e superior ao percentual de 10%, parâmetros utilizados para aprovação com ressalvas pela Justiça Eleitoral.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: "1. A doação de pessoa física diretamente por meio de impulsionamento de conteúdo em rede social, sem que o serviço doado decorra de atividade própria da doadora, configura recurso de origem não identificada. 2. Irregularidades superiores a 10% das receitas e em valor acima do limite considerado módico impedem a aprovação das contas com ressalvas."

Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 17, III; Resolução TSE n. 23.607/2019, arts. 9º, 14, 21, 25, 32, 65, I, 74, III e 75.

(TRE-RS - REl n. 0600804-24.2024.6.21.0085, Relator Desembargador Federal Candido Alfredo Silva Leal Junior, DJE, 15/05/2025).

Não há registro dessa doação na prestação de contas, nem a correta identificação da doadora nos registros contábeis, além de efetivamente realizadas em contrariedade ao necessário trânsito financeiro pela conta de campanha deste valor como exigido no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Destarte, realizado o pagamento da fatura sem trânsito dos recursos em conta de campanha, correta a conclusão da sentença de que o montante de R$ 1.211,00 caracteriza recursos de origem não identificada, devendo ser mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme arts. 14, § 2º; 32, § 1º, incs. I, IV e VI; todos da Resolução TSE n. 23.607/19.

Na hipótese dos autos, a infração à norma é objetiva, não cabe analisar acerca da existência de boa-fé ou de má-fé, pois representa embaraço ao controle efetivo da real arrecadação e da correta destinação dos dispêndios na promoção da candidatura.

A propósito, o entendimento consolidado deste Tribunal indica que: "A boa-fé não afasta o dever de apresentar documentos para justificar os gastos." (TRE-RS, REl n. 0600601-27.2020.6.21.0142, Relatora Desembargadora Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira, DJe, 14.11.2024). No mesmo sentido: "Alegação de boa-fé e de ausência de movimentação financeira insuficiente para elidir falha. Nota fiscal emitida não cancelada. Fiscalização e controle das contas prejudicados. Recolhimento." (TRE-RS, PC-PP n. 0600278-94.2019.6.21.0000, Relator Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann, DJe 19.10.2021).

De igual modo, a observância do limite de gastos não descaracteriza a percepção de recursos de origem não identificada, e não tem força o argumento recursal de que a arrecadação não atingiu o teto permitido para afastar a falha constatada na sentença.

3. Conclusões:

As irregularidades somadas importam em R$ 1.350,82, que representa o percentual de 20,34% do total de recursos arrecadados (R$ 6.640,15), e não se enquadra nos parâmetros da jurisprudência dos Tribunais Eleitorais para aplicação dos princípios de proporcionalidade e de razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

O montante da irregularidade representa quantia maior do que R$ 1.064,10 e está acima de 10% do total de recursos arrecadados, impondo a desaprovação das contas e a restituição dos valores aos cofres públicos, nos termos dos art. 74, inc. III, 79, caput e § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Com essas considerações, em linha com a Procuradoria Regional Eleitoral, a sentença deve ser mantida.

Em face do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.