PCE - 0600364-89.2024.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2025 00:00 a 03/10/2025 23:59

VOTO

Tal qual relatado, a Secretaria de Auditoria Interna em seu parecer conclusivo (IDs 45949110 e 46001300) recomenda a desaprovação das contas prestadas pelo Diretório Estadual do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL relativamente às Eleições de 2024. A recomendação fundamenta-se na identificação de irregularidades que correspondem a R$ 8.384,44, equivalente a 6,7% dos recursos recebidos.

Quanto à omissão de despesas e consequente utilização de recursos de origem não identificada para seu pagamento, a agremiação informou ter empreendido esforços para identificar corretamente os gastos questionados. Esclareceu que a despesa com hospedagem se refere à estadia do presidente da agremiação, ainda não ressarcida por insuficiência de recursos. Alegou que a ausência de documentação decorreu de falha na organização dos arquivos, agravada pela troca de dirigentes na tesouraria. Quanto aos demais gastos, afirmou não ter obtido retorno dos fornecedores. Por fim, requereu dilação de prazo para juntada da documentação comprobatória.

No entanto, não se trata de hipótese de dilação de prazo, uma vez que a grei, intimada (ID 45816664) do relatório de exame das contas (ID 45816783) em 27.11.2024, permaneceu silente. Sua manifestação ocorreu apenas após a emissão do parecer conclusivo, em 14.4.2025, sem se fazer acompanhada de documentação apta a sanar as irregularidades apontadas. Portanto, considerando que o partido foi cientificado da irregularidade em novembro do ano anterior e não apresentou a documentação necessária para sua regularização, inexiste fundamento que justifique a concessão de prazo suplementar. 

Sabe-se que todas as despesas realizadas na campanha devem ser declaradas na prestação de contas, a teor do art. 53, caput, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19, sendo que a ausência dessa declaração evidencia o potencial recebimento de recursos de origem não identificada (RONI) utilizados para o pagamento de despesas, cabendo o recolhimento da quantia respectiva ao Tesouro Nacional.

Destarte, o art. 14, caput, da mesma norma determina que a utilização de recursos financeiros que não tenham transitado previamente pela conta bancária específica de campanha, ocasiona a desaprovação das contas prestadas. 

As despesas omitidas são as seguintes:

Portanto, considerando que as notas fiscais acima indicadas são válidas e foram regularmente emitidas em nome e no CNPJ da agremiação, impõe-se o reconhecimento da irregularidade. Tal reconhecimento acarreta a determinação de recolhimento do valor de R$ 1.137,44 ao Tesouro Nacional, uma vez que o montante utilizado para o pagamento não transitou pela conta bancária de campanha, caracterizando-se, assim, como recurso de origem não identificada.

Ainda, conforme apontamentos realizados pela unidade técnica, o PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL não teria observado a legislação eleitoral e tampouco – sublinho – as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no tocante à destinação de valor mínimo de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário a candidaturas femininas e de pessoas negras.

O § 3º do art. 19 da Resolução TSE n. 23.607/19 assim preceitua:

Art. 19. Os partidos políticos podem aplicar nas campanhas eleitorais os recursos do Fundo Partidário, inclusive aqueles recebidos em exercícios anteriores.

§ 3º Para o financiamento de candidaturas femininas e de pessoas negras, a representação do partido político na circunscrição do pleito deve destinar os seguintes percentuais relativos aos seus gastos contratados com recursos do Fundo Partidário:  

I - para as candidaturas femininas o percentual corresponderá a proporção dessas candidaturas em relação a soma das candidaturas masculinas e femininas do partido, não podendo ser inferior a 30% (trinta por cento);

II - para as candidaturas de pessoas negras o percentual corresponderá à proporção de:

a) mulheres negras e não negras do gênero feminino do partido; e 

b) homens negros e não negros do gênero masculino do partido; e 

III - os percentuais de candidaturas femininas e de candidaturas de pessoas negras serão obtidos pela razão dessas candidaturas em relação ao total de candidaturas do partido em âmbito nacional, sendo os percentuais apurados pelo Tribunal Superior Eleitoral ao término do registro de candidatura, observado o calendário eleitoral, e divulgados na página sua página da internet. 

A inobservância dessas regras, a priori, configura irregularidade grave, geradora de potencial desaprovação, uma vez que caracteriza a aplicação irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário, gerando grave prejuízo ao incentivo à participação de mulheres e de pessoas negras na política.

No presente caso, primeiramente, a análise técnica verificou que o diretório do partido destinou R$ 36.000,00 às candidaturas femininas negras, sendo que desse total R$ 3.718,15 foram aplicados em candidaturas femininas não-negras, em desconformidade com a legislação de regência.

Veja os termos do parecer conclusivo, que bem descreveu a irregularidade, in verbis:

Em relação ao fornecedor ANDRADE, PINHEIRO E CONTADORES ASSOCIADOS LTDA (CNPJ 36.348.442/0001-70), descrito no item 01 da Nota Explicativa, na condição de prestador de serviços contábeis, tem-se que o valor total da despesa é de R$ 37.000,00. As candidaturas femininas não-negras foram beneficiadas com o valor no montante de R$ 27.260,00, mas, conforme a conta bancária feminina não-negra, houve tão somente o pagamento de R$ 25.900,00. Por sua vez, as candidaturas femininas negras (preta e parda) foram beneficiadas com o valor no montante de R$ 9.740,00, contudo, conforme a conta bancária feminina negra, houve o pagamento de R$ 11.110,00. Assim, verifica-se que, quanto a esse fornecedor, a conta bancária feminina negra aportou o valor de R$ 1.370,00 para custear as despesas femininas não-negras. 

Em relação ao fornecedor GILBERTO BELTRAME SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA (CNPJ 07.164.136/0001-86), descrito no item 02 da Nota Explicativa, prestador de serviços advocatícios, tem-se que o total da despesa é de R$ 79.998,50. As candidaturas femininas não-negras foram beneficiadas com o montante de R$ 58.948,50, mas, conforme a conta bancária feminina não-negra, houve tão somente o pagamento do montante de R$ 56.600,00. Quanto às candidaturas negras, essas foram beneficiadas no montante de R$ 21.050,00, mas, conforme a conta bancária feminina negra, houve o pagamento de R$ 23.398,50. Assim, verifica-se que, quanto a esse fornecedor, a conta bancária feminina aportou o valor de R$ 2.348,50 para custear as despesas femininas não-negras. 

Por fim, em relação ao fornecedor ANDRADE, PINHEIRO E CONTADORES ASSOCIADOS LTDA (CNPJ 36.348.442/0001-70), descrito no item 03 da Nota Explicativa, prestador de serviços contábeis, tem-se que o total da despesa é de R$ 3.000,00. A candidatura feminina não-negra foi beneficiada com o montante de R$ 1.500,00, e, conforme a conta bancária feminina não-negra, foi efetuado o pagamento de R$ 1.500,00. Quanto à candidatura negra, houve o benefício de R$ 1.500,00 e o pagamento realizado pela conta bancária feminina negra foi igualmente de R$ 1.500,00.

Dessa forma, verifica-se que a conta bancária vinculada às candidaturas femininas negras foi utilizada, indevidamente, para custear despesas no valor de R$ 3.718,50 atribuídas às candidaturas femininas não-negras.

Logo, é de ser reconhecida a irregularidade na aplicação dos recursos públicos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os quais são vinculados ao cumprimento das políticas afirmativas previstas na legislação eleitoral. A utilização indevida desses recursos contraria o disposto nos art. 17, §§ 8º e 9º, e art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo o montante irregular ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Ainda, a análise técnica identificou que o diretório do partido não destinou o valor (mínimo) do Fundo Partidário (i) à cota de gênero, contrariando o art. 19, § 3º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19; (ii) à cota de candidaturas femininas de pessoas pretas e pardas, contrariando a EC 133/2024; (iii) à cota de candidaturas masculinas de pessoas pretas e pardas, contrariando a EC 133/2024.

Tais informações podem ser extraídas das seguintes tabelas:

 Acerca da falha, a agremiação partidária requereu prazo adicional para individualização das candidaturas beneficiadas, a fim de sanar a falha (ID 45955012).

Como anteriormente mencionado, não é o caso de concessão de prazo adicional, nos termos do art. 69, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Portanto, vai mantida a irregularidade no valor de R$ 3.528,50 em razão da aplicação dos recursos públicos do Fundo Partidário em candidaturas femininas, candidaturas de mulheres pretas e pardas e candidaturas masculinas de pretos e pardos, cabendo o recolhimento do valor tido como irregular ao Tesouro Nacional, conforme disposto nos art. 79, § 1º, e art. 19, § 9º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ressalto que não se aplica ao caso dos autos as recentes anistias constitucionais, seja por se tratar de prestação de contas das Eleições de 2024 - além, portanto, do marco temporal descrito no art. 3º da Emenda Constitucional 117/22 e no caput do também art. 3º da Emenda Constitucional 133/24.

A título de desfecho, destaco que o somatório das irregularidades é de R$ 8.384,44, o que representa 6,70% do total de recursos financeiros recebidos pelo partido político (R$ 125.000,00), de maneira que resta viabilizada a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como meio de mitigar a gravidade da irregularidade e permitir a aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência pacífica deste Tribunal e do Tribunal Superior Eleitoral.

Isso porque, ainda que a grandeza considerada irregular supere, de longe, o limite tradicionalmente reconhecido de R$ 1.064,10 para ser aceito em termos absolutos de inexpressividade financeira, tal quantia não atinge o teto relativo igualmente reconhecido no percentual de 10% do total de recursos arrecadados pela agremiação.

Note-se que os requisitos não são cumulativos, mas sim alternativos.

Neste sentido, refiro, a título exemplificativo, entendimento firmado em decisão desta Corte na qual bem se elucida o caráter alternativo da possibilidade de reconhecimento de pouca monta a valores apontados em processos de prestação de contas “em relação à pretensão de aprovação das contas com ressalvas, com base na pequena expressão do valor irregular, a jurisprudência considera inexpressivo o montante que não ultrapassar: (a) em termos absolutos, o valor de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos); ou (b) em termos relativos, o percentual de 10% (dez por cento) do total de recursos arrecadados” (TRE-RS, REl n. 060002152, Relator: Des. Mario Crespo Brum, Publicação: 03.9.2024.)

Ressalte-se, sendo valor envolvido inferior a 10% da receita arrecadada, autorizada estará a aprovação com ressalvas da prestação de contas, consoante se depreende de julgado em tal sentido citado inclusive na sentença do Juízo a quo “Irregularidade remanescente que representa 6,63% dos recursos declarados pela candidata. Ínfima dimensão percentual das falhas e valor nominal diminuto. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas” (TRE-RS, RE nº 0600481-29, Rel. Desa. Vanderlei Teresinha Kubiak, DJe de 11.10.2022.

Diante do exposto, VOTO por aprovar com ressalvas as contas apresentadas pelo Diretório Estadual do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, referentes à arrecadação e aplicação de recursos nas Eleições de 2024, e determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 8.384,44, relativo ao recebimento e à utilização de recursos de origem não identificada e à aplicação irregular de recursos públicos.