REl - 0601015-53.2024.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2025 00:00 a 03/10/2025 23:59

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo, visto que a publicação da sentença ora recorrida foi realizada na edição do dia 05.5.2025 e o apelo interposto em 08.5.2025. Presentes os demais pressupostos atinentes à espécie, conheço do apelo.

 

PRELIMINAR

Antes de adentrar no mérito do recurso, imperioso é analisar a possibilidade de conhecimento do documento apresentado com a peça recursal.

É consabido que o processo eleitoral é regido por prazos exíguos e pelo princípio da preclusão, de modo que, em regra, não se admite a apresentação extemporânea de documentos que já estavam disponíveis ao prestador quando da fase instrutória, mormente em processos de prestação de contas onde a juntada de documentos após o momento oportuno (geralmente após a intimação para suprir a falha) será barrada por força da perda da faculdade de realização de tal ato, a não ser que se demonstre uma justa causa para a apresentação documental tardia. 

Assim, somente se admite, como orientação geral, a juntada de documentos em grau recursal quando se tratar de documentos novos, cuja produção ou acesso tenha ocorrido em momento posterior. 

Ainda, em consonância com a jurisprudência deste Tribunal, a juntada de documentos em sede recursal, especialmente no âmbito das prestações de contas, não compromete a regular tramitação do feito quando se trata de elementos probatórios simples, aptos a esclarecer de forma imediata as irregularidades apontadas, sem necessidade de reexame técnico ou diligências adicionais. Esse entendimento busca resguardar o interesse público na transparência da contabilidade eleitoral, garantir a celeridade processual e evitar formalismos excessivos.

Portanto, ainda que a regra geral nos presentes autos aponte para a ocorrência do fenômeno da preclusão, tanto em seu aspecto temporal quanto consumativo, cabe referir a possibilidade de admissão, em caráter excepcional, da juntada de documentos em sede de recurso, desde que estes sejam de simples compreensão e aptos a sanar as irregularidades de plano, sem a necessidade de novas diligências ou complexa análise técnica, com fundamento nos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da busca pela verdade material, a fim de garantir que a finalidade precípua da prestação de contas — a transparência e a fiscalização da movimentação financeira — seja alcançada, sem incorrer em formalismo excessivo que possa levar à sanção desproporcional. 

Com efeito, o art. 266, caput, do Código Eleitoral, assim preleciona: 

 

Art. 266. O recurso independerá de termo e será interposto por petição devidamente fundamentada, dirigida ao juiz eleitoral e acompanhada, se o entender o recorrente, de novos documentos. 

[...] 

 

Nesse diapasão, a jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul tem reiteradamente reconhecido que, quando a documentação apresentada em sede recursal demonstra, de forma clara e inequívoca, a regularidade das despesas realizadas, e não há indícios de má-fé por parte do candidato, é legítima a sua aceitação, ainda que intempestiva, em homenagem aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da transparência das contas públicas eleitorais. 

Vale citar, a título ilustrativo, julgados desta Corte, cujas ementas acham-se assim insculpidas: 

 

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS APROVADA COM RESSALVAS. CONHECIDOS OS NOVOS DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1.1. Recurso interposto por candidata contra sentença que aprovou com ressalvas suas contas de campanha, relativas ao pleito eleitoral de 2024, e determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. 1 .2. A recorrente alegou impossibilidade técnica de retificar a nota fiscal no sistema da municipalidade, tendo, no entanto, juntado o documento, corrigido, em sede recursal. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2 .1. Há três questões em discussão: (i) verificar a admissibilidade de juntada de nota fiscal retificada em sede recursal; (ii) avaliar os efeitos da regularização documental na prestação de contas; (iii) decidir sobre a manutenção da ressalva e da ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional. III. RAZÕES DE DECIDIR 3 .1. Conhecidos os novos documentos juntados após a sentença, por serem simples, capazes de suprir a omissão sem a necessidade de realização de diligências ou de exames complementares. Aceitação com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral e na jurisprudência deste Tribunal. 3.2. Os novos documentos fiscais preenchem os requisitos exigidos pela Resolução TSE n. 23 .607/19, contendo as dimensões dos materiais de campanha produzidos, o que sana integralmente a única irregularidade que embasou a ressalva na prestação de contas e afasta a determinação de recolhimento de quantias ao erário. 3.3. Afastado o comando de recolhimento ao Tesouro Nacional. Mantida a ressalva nas contas, devido à impropriedade formal referente à intempestividade da regularização do apontamento, na linha do entendimento deste Tribunal para o pleito de 2024. IV. DISPOSITIVO E TESE 4.1. Recurso parcialmente provido. Afastada a determinação de recolhimento ao erário. Mantida a aprovação das contas com ressalvas. Tese de julgamento: "A apresentação de documento em sede recursal pode sanear irregularidade remanescente em prestação de contas de campanha, afastando ordem de recolhimento ao erário, mantendo a ressalva pelo atraso na correção." Dispositivos relevantes citados: Resolução TSE n. 23.607/19, art. 60, § 8º. Jurisprudência relevante citada: TRE–RS, RE n.0600539–72.2020.6 .21.0049, rel. Des. Caetano Cuervo Lo Pumo; TRE–RS, RE n. 0601134–53.2020.6.21 .0055, rel. Des. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle. 

(TRE-RS - REl: 06002652720246210063 BOM JESUS - RS 060026527, Relator.: Mario Crespo Brum, Data de Julgamento: 21/02/2025, Data de Publicação: DJE-37, data 26/02/2025) 

  

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. DOAÇÃO ESTIMÁVEL DE SERVIÇOS CONTÁBEIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUITAÇÃO. DIVERGÊNCIA DE VALORES ENVOLVENDO TARIFAS BANCÁRIAS. MERAS IMPROPRIEDADES. REFORMA DA SENTENÇA. AFASTADA A MULTA E A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de diretório municipal de partido político, referente ao exercício financeiro de 2020, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada. Determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, acrescido de multa. 2. Conhecidos os documentos juntados na fase recursal. No âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica. Na hipótese, juntadas fotografias de cheques, de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzirem ao saneamento das irregularidades. 3. Ausência de comprovação de quitação de despesa. Apresentação de recibo de pagamento para comprovação de doação estimável de serviços contábeis, em desacordo com o prescrito pelo art. 9º da Resolução TSE n. 23 .604/19. Entretanto, sendo inequívoco que o serviço doado se origina da atividade laboral da própria doadora e que o valor arbitrado não destoa de outros praticados para trabalhos semelhantes no município de origem, a falha é meramente formal, pois não prejudica a fiscalização sobre os contornos essenciais da doação estimável em questão, sendo suficiente a aposição de ressalvas. Inexistência de fundamento legal para a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da doação estimável de serviço, fruto do trabalho da doadora, declarada em valor razoável relativamente aos parâmetros do mercado local e não envolvendo recursos públicos ou de origem não identificada. 4. Divergência detectada entre o valor registrado como despesas com tarifas bancárias e o valor realmente apurado em análise. Reduzido montante da falha. Mera impropriedade, ensejadora de ressalvas às contas. 5. Reforma da sentença. As falhas identificadas constituem meras impropriedades, pois, alcançando montante módico, não impediram o exame técnico das contas e não resultam em dano ao erário, possibilitando a aprovação com ressalvas da contabilidade, na esteira de julgados desta Corte e do TSE (TRE–RS – PC 060028875, Relator.: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, Data de Julgamento: 15/06/2020, DJE de 23/06/2020). 6. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a multa e a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. 

(TRE-RS - REl: 0600045-83 .2021.6.21.0079 MANOEL VIANA - RS 060004583, Relator: CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 31/10/2023, Data de Publicação: DJE-202, data 07/11/2023) 

 

 Nesta senda, a explicação para a ausência de juntada oportuna — geração das respectivas cartas de correção apenas após a sentença – afasta presunção de má-fé pelo candidato. 

Assim, não se vislumbra óbice à juntada dos novos documentos com o presente recurso.

Portanto, conheço dos documentos anexados aos IDs 45977360, 45977364, 45977363 e 45977362, visto possuírem aptidão para, em tese, afastar a irregularidade apontada na sentença, sem maiores análises.

 

MÉRITO

Conforme relatado, o presente recurso trata de irresignação ante a sentença que aprovou com ressalvas a sua prestação de contas de campanha relativa ao pleito de 2024 e determinou o recolhimento da quantia de R$ 1.213,29 ao Tesouro Nacional, devido à irregular comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

A sentença consignou ausente nas notas fiscais apresentadas relativamente à aquisição de combustíveis, a identificação do automóvel utilizado pela campanha. Segundo a decisão, a falta da identificação do carro abastecido não permite o controle adequado do estrito cumprimento do regramento para utilização de recursos públicos na aquisição de combustível, como determina o art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19:

 

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...]

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

[...]

 

A fim de demonstrar sanada a irregularidade e merecer o provimento do apelo, o recorrente juntou, com a apresentação da peça recursal, cartas de correção fiscal emitidas pelo estabelecimento fornecedor, com inclusão da identificação do veículo na nota fiscal supracitada — “veículo SIENA ATTRATIV 1.4 ITP5C87”. Relativamente aos gastos restaram retificados as notas emitidas por COMERCIAL DE COMBUSTÍVEIS BLEY LTDA. (R$ 140,02 e R$ 300,03 - ID 45977360) e XTAND COMERCIO DE COMBUSTIVEIS - EIRELLI. (R$ 281,16 – ID 45977362; R$ 255,66 – ID 45977363 e R$ 236,43 – ID 45977364).

Constato que o veículo informado na carta de correção encontra-se devidamente registrado como receita estimável em dinheiro, conforme constata-se no relatório de ID 45977315.

Ademais, os documentos apresentados são de simples verificação, sendo possível o seu conhecimento nesta instância recursal, em linha com o manifestado pela diligente Procuradoria Regional Eleitoral e aferíveis por meio de simples consulta à Receita Estadual < https://www.sefaz.rs.gov.br/dfe/Consultas/ConsultaPublicaDfe>.

Portanto, entendo que, no caso concreto, a documentação apresentada é suficiente para correlacionar o gasto realizado com o automóvel utilizado na campanha, atendendo ao requisito de comprovação previsto na Resolução TSE n. 23.607/19. Esse é o sentido do precedente que adoto como fundamento para admitir como sanada a irregularidade:

 

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. GASTO COM COMBUSTÍVEL. NÚMERO DA PLACA DO VEÍCULO USADO NA CAMPANHA AUSENTE NAS NOTAS FISCAIS. CARTA DE CORREÇÃO. DOCUMENTO PROBATÓRIO ADICIONAL APTO À ALTERAÇÃO DOS DADOS. INTELIGÊNCIA ART. 60, § 3º RESOLUÇÃO TSE n.º 23.607/2019. FALHA SANADA. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AFASTADA. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS. RECURSO PROVIDO.

(TRE-MG - REl: 0600361-78.2020.6.13 .0233 SANTA RITA DO ITUETO - MG 060036178, Relator.: Marcelo Vaz Bueno, Data de Julgamento: 31/08/2022, Data de Publicação: DJE-158, data 02/09/2022)

 

Esse também é o entendimento adota por esta Corte, conforme julgado recente de lavra do Excelentíssimo Desembargador Eleitoral Volnei dos Santos Coelho:

 

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM MATERIAL IMPRESSO. UTILIZAÇÃO DE CARTA DE CORREÇÃO. RECURSO PROVIDO.

[...]

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2.1. Definir se a apresentação das cartas de correção fiscal é suficiente para sanar a irregularidade.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. Conhecidos os documentos juntados com o recurso. A jurisprudência pacífica da Justiça Eleitoral admite a juntada de documentos em sede recursal, especialmente em prestações de contas, desde que não haja necessidade de nova análise técnica e que os documentos sejam aptos, de plano, a esclarecer a irregularidade apontada.

3.2. A legislação eleitoral determina que a comprovação de despesas de campanha com material impresso indique as dimensões do produto no corpo do documento fiscal. Precedentes dos Tribunais Eleitorais no sentido de serem as cartas de correção suficientes a demonstrar a despesa contratada.

3.3. Atendida a comprovação dos gastos. As cartas de correção encaminhadas pela gráfica contratada e apresentadas pela recorrente indicam as dimensões dos produtos, suprimindo a omissão constante na nota fiscal original. Reforma da sentença.

[...]

Teses de julgamento: “1. É possível a juntada de documento em sede recursal, desde que não haja necessidade de nova análise técnica. 2. Entendimento jurisprudencial no sentido de serem as cartas de correção suficientes para demonstrar a despesa contratada.”

[...]

(TRE-RS – REl n. 0600712-46.2024.6.21.0085, Relator Desembargador Eleitoral Volnei dos Santos Coelho, DJE, 06/05/2025).

 

Considero, por conseguinte, sanada a irregularidade apontada.

Concluindo, alinhado com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, tenho por admitir as cartas de correção fiscal como documentos aptos a sanar a irregularidade que ensejou o juízo de reprovação das contas, cabendo para o caso a reforma da sentença para aprovar as contas em sua totalidade e, consequentemente, afastar o dever de restituição da quantia R$ 1.213,29 ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 74, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante do exposto, VOTO por DAR PROVIMENTO ao recurso para reformar a sentença e aprovar a prestação de contas de RIVELINO DE VARGAS SARMENTO, relativa às Eleições Municipais de 2024, afastando a determinação de recolhimento de R$ 1.213,29 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.