REl - 0600140-26.2024.6.21.0074 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2025 00:00 a 03/10/2025 23:59

VOTO

 

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Trata-se de recurso interposto por MARCIA ELISA KUNZ GONÇALVES, candidata ao cargo de vereadora do Município de Alvorada/RS, contra a sentença que desaprovou suas contas referentes às Eleições Municipais de 2024 e determinou o recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional, em razão da contratação de pessoa com vínculo de parentesco com a candidata. 

A irregularidade que fundamenta o juízo de desaprovação decorre exclusivamente da contratação do filho da candidata para serviços de propaganda eleitoral de rua, analisada nos seguintes termos (ID 45946781):

A contratação de familiar, no caso filho, é considerada malversação dos recursos públicos, conforme jurisprudência correlata:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. SUPLENTE. DEPUTADO FEDERAL. OMISSÃO DE DESPESAS. NOTA FISCAL NÃO DECLARADA. CANCELAMENTO NÃO REALIZADO. CARACTERIZADO RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. CONTRATAÇÃO DE PARENTE COM RECURSOS PÚBLICOS. SOBREPOSIÇÃO DE INTERESSE PRIVADO. AUSENTE DOCUMENTAÇÃO COMPROVANDO O USO CORRETO DA VERBA PÚBLICA. PERCENTUAL ÍNFIMO DAS IRREGULARIDADES. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato eleito suplente ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

2. Omissão de despesas. Identificada nota fiscal não declarada na prestação de contas. A emissão de nota fiscal para o CNPJ da campanha gera a presunção de existência da despesa subjacente ao documento. Ausente ou insuficiente a justificativa ou o registro de sobra de campanha, conclui-se que a despesa eleitoral ocorreu e que houve omissão de gasto na prestação de contas. Se o gasto não ocorreu, as notas fiscais deveriam ter sido canceladas e adotados os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6°, da Resolução TSE n. 23.607/19. Compete ao prestador comprovar, documentalmente, a origem dos recursos utilizados de forma a afastar a configuração da despesa não escriturada como um gasto eleitoral que foi adimplido a partir de uma fonte não identificada. Na hipótese, não comprovada a procedência da fonte de custeio do gasto não contabilizado, o que importa a caracterização do recurso como de origem não identificada, o valor deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme o art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Contratação de parente com recursos públicos. A despeito de não haver restrição legal expressa, a contratação de familiar do prestador como cabo eleitoral para campanha, com a utilização de recursos públicos oriundos do Fundo Partidário - FP ou Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, implica conduta que representa uma sobreposição de interesses privados em detrimento de interesses públicos, em afronta a diversos princípios, sobretudo quando há ausência de documentação que ateste, com a devida certeza, o emprego correto das verbas públicas. Nesse sentido, jurisprudência do TSE e deste Tribunal. Não comprovada, de modo escorreito, a utilização de valores provenientes do FEFC, deve o valor equivalente ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. A soma das irregularidades representa 3,86% das receitas declaradas na prestação, permitindo, na linha de entendimento pacificado deste Tribunal, um juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
5. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS nº060320358, Acórdão, Des. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 24/07/2023.

(Grifei.)

Logo, arregimentar parentes com recursos públicos para auxiliar na campanha caminha em direção contrária ao que é correto, devendo o valor ser recolhido ao erário, nos termos do art. 79, §1º, da Res. TSE 23.607/2019: [...].

 

 Contudo, conforme consolidado na jurisprudência, a contratação de familiares para a prestação de serviços em campanha não é vedada pela legislação eleitoral e somente caracteriza irregularidade na prestação de contas na hipótese de haver prova de: a) valores dissonantes às práticas comuns do mercado; b) ausência de tecnicidade suficiente à prestação do serviço contratado; ou c) fraude na contratação do serviço. Nesses termos, colho os seguintes julgados do TSE:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. GOVERNADOR E VICE-GOVERNADOR. DESPESAS DE CAMPANHA. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA CUJOS SÓCIOS POSSUEM RELAÇÃO DE PARENTESCO COM OS CANDIDATOS. IRREGULARIDADE AFASTADA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

[...].

3. A contratação de parentes não constitui falha per se a justificar a desaprovação das contas. Para tanto, é indispensável a prova de a) valores dissonantes às práticas comuns do mercado; b) ausência de tecnicidade suficiente à prestação do serviço contratado; c) fraude na contratação do serviço etc., todas condicionantes que evidenciam a má-fé, a intenção de lesar o patrimônio público, o privilégio na contratação. Precedentes.

4. Não constam dos autos elementos que corroborem o ilícito, ficando claro que o Tribunal de origem reputou a falha apenas pela circunstância de que as empresas possuem como sócios parentes dos candidatos, tese inclusive rechaçada pelo Plenário desta Casa. Irregularidade afastada.

5. Recurso especial parcialmente provido.

(AREspE n. 0601221-21.2018.6.22.0000/RO, Acórdão, Relator Min. Mauro Campbell Marques, Relator designado Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE, Tomo 66, Data 13.4.2023) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. DESAPROVAÇÃO. GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA. CONTRATAÇÃO DE PARENTES. SÚMULA Nº 13/STF. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE EXPERTISE E EXCESSOS. NÃO COMPROVAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. LIMITES. CONTRATAÇÃO. NORMATIZAÇÃO. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA. PECULIARIDADES DO CASO. DESPROVIMENTO.

1. In casu, as contas do candidato foram desaprovadas em função da existência de dívidas de campanha que representaram 22% do total de despesas realizadas e da ausência dos documentos de autorização do órgão nacional para assunção da dívida pelo órgão regional, bem como do acordo de assunção de dívidas formalizado, devidamente assinado pelo representante do partido em Alagoas. 2. O apontamento feito pelo Parquet quanto à irregularidade na realização de despesas com recursos públicos mediante a contratação de parentes foi afastado pela Corte de origem em virtude da ausência de vedação legal e da inaplicabilidade da Súmula Vinculante nº 13/STF, a qual proíbe a nomeação de parentes, até o terceiro grau, para cargos comissionados de natureza administrativa.

3. Segundo o STF, o nepotismo alcança nomeação "para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada" na administração direta e indireta.

4. A Resolução CNJ nº 7/2005 e o instrumento sumular nº 13/STF convergem para reprimenda de delimitação clara e precisa, ostentando o inequívoco sentido de que a proibição não atinge outros cargos que não aqueles cuja natureza foi especificamente referida, certo que, nos moldes de conhecida regra de hermenêutica, a norma não traz palavras e expressões inúteis.

5. Ainda que a referida súmula vinculante não traga, em si, rol exaustivo de situações passíveis de, em tese, caracterizar o nepotismo, até por impossibilidade material de se anteverem todas as possibilidades fáticas possíveis, não menos verdadeiro é que ela se volta aos cargos de natureza administrativa, não guardando, assim, relação com o presente caso.

6. Correta a interpretação adotada pelo TRE/AL de que a situação posta nos autos escapa à regra geral de aplicação da Súmula nº 13/STF, porquanto o próprio STF, no AgR–Rcl nº 28024, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, 1ª Turma, DJe de 25.6.2018, ao decidir sobre sua extensão, "restringiu sua aplicação para excluir de sua incidência as hipóteses de nomeação de parentes de autoridades públicas em cargos públicos de natureza política, sob o fundamento de que tal prática não configura nepotismo" (ID nº 23048638).

7. A Suprema Corte definiu que tal restrição somente deve ser afastada quando presente inequívoca falta de razoabilidade ou por evidente ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral.

8. Na hipótese dos autos, não se encontram presentes os requisitos autorizadores para apartar a restrição definida pelo STF quanto à incidência da Súmula nº 13/STF na medida em que não foram identificados pela Corte de origem elementos suficientes para aferir excessos nos montantes despendidos ou ausência de expertise por parte das beneficiárias. A reforma de tal conclusão esbarra no vedado reexame de fatos e provas em sede extraordinária (Súmula nº 24/TSE).

9. A matéria é bastante instigante, porquanto se discutem os limites de contratação por candidato de serviços fornecidos por parentes, tendo em vista que os recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha são, por natureza, públicos.

10. Ante a inexistência de regulamentação específica sobre o tema, mister discutir caso a caso, segundo as peculiaridades consignadas nos autos, observando-se as regras de hermenêutica e os princípios constitucionais.

11. Na hipótese, dadas as peculiaridades assinaladas no voto condutor e considerando o cenário vertido nos presentes autos, a situação descrita não afetou a transparência da transação entre as partes nem se mostrou eivada de má-fé, fatos que não afrontam a legislação que norteou a prestação de contas relativa às eleições de 2018, não havendo, portanto, falar em devolução dos valores despendidos ao Tesouro Nacional.

12. Recurso especial desprovido.

(REspEl n. 0600751-45.2018.6.02.0000/AL, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE, Tomo 214, Data 23.10.2020) (Grifei.)

 

Igualmente, a Corte Superior Eleitoral, por intermédio da Resolução n. 23.607/19, a qual “dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatas ou candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições”, não estabeleceu óbice expresso à contratação de parentes, de modo que o reconhecimento da ilicitude do contrato sob tal fundamento, sem a presença de indícios de fraude ou malversação de verbas públicas, como no caso sub examine, constituiria afronta aos princípios da legalidade e da segurança jurídica, o que não pode ser admitido.

Nessa direção, este Tribunal tem reafirmado que: “A contratação de parente como prestador de serviços deve evidenciar elevado grau de transparência, a fim de que sejam, de forma satisfatória, demonstradas as peculiaridades da transação, as atividades efetivamente desenvolvidas e a compatibilidade dos custos com os valores de mercado, em atenção ao art. 35, § 12, da Resolução TSE 23.607/19” (REl n. 060042679, Acórdão, Relator: Des. Federal Leandro Paulsen, Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, 22.8.2025).

O próprio precedente trazido na fundamentação da sentença, ou seja, o REl n. 0603203-58, julgado por este Tribunal, confirma esse entendimento, uma vez que o reconhecimento da irregularidade não se baseou apenas no vínculo familiar com o contratado, mas considerou também e sobretudo “a ausência de documentação que ateste, com a devida certeza, o emprego correto das verbas públicas”.

Na hipótese, de acordo com o instrumento contratual (ID 45946767), a candidata contratou Weschiley Henrrick dos Santos, seu filho, para “serviços de panfletagem e distribuição de material gráfico”, nos bairros “Salomé, Americano, 11 de Abril, Umbu”, no período de 16/08 a 19/09, de segunda a sábado, com remuneração diária de R$ 33,00. Em anexo ao contrato, consta a folha de ponto, com os dias e horários trabalhados, na qual se registra a jornada diária de 8 horas.

O valor pago se mostra compatível com as atividades exercidas e com o tempo de trabalho, não havendo indicativos de sobrepreço ou extrapolação da média de mercado.

O contrato e seus anexos atendem os requisitos previstos na Resolução TSE n. 23.607/19, não tendo sido objetos de quaisquer apontamentos quanto aos seus aspectos intrínsecos, e o pagamento também ocorreu de forma regular, por meio de Pix direcionado à conta de titularidade do contratado (ID 45946770, fl. 2).

Conforme a própria recorrente anota, foi pago a maior a irrisória quantia de R$ 0,10 (dez centavos), claramente resultando do arrendamento do valor de R$ 999,90 (30 dias x R$ 33,33) que caberia ao contratado. O acréscimo é insignificante, não macula os gasto e não justifica sequer a aposição de ressalvas.

Não há evidências nos autos que apontem para a existência de fraude na contratação, inidoneidade técnica ou supervalorização do trabalho, de forma que o parentesco representa o único elemento utilizado pela sentença para concluir que o gasto eleitoral foi irregular.

Assim, observando os critérios assentados na jurisprudência do TSE e deste Tribunal para a hipótese, deve ser afastada a irregularidade, sem a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

 

 ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, para aprovar as contas de campanha de MARCIA ELISA KUNZ GONÇALVES, nos termos do art. 74, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, e afastar o dever de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.