RecCrimEleit - 0600368-05.2024.6.21.0008 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2025 00:00 a 03/10/2025 23:59

VOTO

Segundo a denúncia, em 23 de agosto de 2024, o recorrente divulgou em seus perfis das redes sociais Instagram e Facebook (usuários “rpasqualotto” e “caleffipasqualotto55”) vídeo contendo afirmações falsas a respeito da gestão de verbas públicas relacionadas à construção de leitos de UTI no hospital municipal, dirigidas ao então candidato à reeleição para o cargo de prefeito, Diogo Segabinazzi Siqueira, e à Coligação do Jeito de Bento.

Consta nos autos que o conteúdo divulgado sugeria que a Prefeitura teria perdido verba estadual destinada à construção dos leitos de UTI, quando, na realidade, conforme documentos acostados, o prazo para utilização dos recursos havia sido prorrogado pelo Decreto Estadual n. 57.611/24, e o processo licitatório já estava em curso à época da publicação.

A divulgação foi objeto de outra representação (processo n. 0600351-66.2024.6.21.0008), na qual já havia sido deferido pedido de direito de resposta, com fundamento na veiculação de informação sabidamente inverídica, e no julgamento do recurso a sentença foi mantida por este Tribunal:

Direito eleitoral. Eleições 2024. Recurso. Representação procedente. Direito de resposta. Veiculação de informações sabidamente inverídicas. Manutenção da sentença. Recurso desprovido.

I. CASO EM EXAME

1.1. Interposição contra sentença que julgou procedente o pedido de direito de resposta.

1.2. A sentença determinou a concessão de direito de resposta em razão da veiculação de um vídeo no Instagram, no qual o recorrente, candidato a vice-prefeito, teria divulgado informações sabidamente inverídicas. A liminar foi concedida e o conteúdo foi removido.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

2.1. A questão consiste em saber se as informações veiculadas no vídeo caracterizam o uso indevido da liberdade de expressão, justificando a concessão de direito de resposta.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. A liberdade de expressão é um pilar do regime democrático, especialmente no contexto eleitoral, quando o debate político é fundamental para a formação da vontade popular. Todavia, tal liberdade não é irrestrita, sobretudo quando envolve a veiculação de informações sabidamente inverídicas, que podem comprometer a lisura do processo eleitoral.

3.2. No caso dos autos, o vídeo continha afirmações sobre a suposta perda de verba destinada à construção de leitos de UTI pela prefeitura. Restou comprovado que a informação veiculada era falsa, uma vez que o Decreto n. 57.611/24 prorrogou o prazo para utilização da verba devido a eventos climáticos, e a licitação para a obra já havia sido aberta.

3.3. As afirmações feitas pelos recorrentes não se limitaram a uma crítica legítima, mas induziram o eleitor a acreditar que houve desvio ou má gestão de recursos públicos, o que não se sustenta pelos documentos trazidos aos autos. Ao propagar uma inverdade de tal gravidade, o vídeo extrapolou os limites da liberdade de expressão e justificou a concessão do direito de resposta.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: “A liberdade de expressão no contexto eleitoral não abrange a divulgação de informações sabidamente inverídicas que possam comprometer a lisura do processo eleitoral, justificando a concessão de direito de resposta.”

(TRE-RS, RE 0600351-66.2024.6.21.0008, Rel. Des. NILTON TAVARES DA SILVA, Publicado Acórdão Sessão em 24/09/2024)

 

A sentença e o parecer ministerial são expressos em afirmar que o conteúdo da ação penal reproduz o mesmo fato já julgado no processo cível, por sentença confirmada por este Tribunal.

Nesta ação penal, o recorrente foi condenado em primeiro grau como incurso nas sanções do art. 323, § 2º, inc. I, do Código Eleitoral, em razão da divulgação de vídeo nas redes sociais durante a campanha eleitoral de 2024, no qual atribuiu à gestão municipal a perda de recursos destinados à construção de leitos de UTI, fato que se revelou sabidamente inverídico.

A controvérsia diz respeito à natureza do conteúdo divulgado e à eventual incidência do tipo penal. Sustenta a defesa que a publicação se limitou a levantar questionamentos e, portanto, não configuraria afirmação dolosa ou apta a influenciar o eleitorado. Argumenta-se, ainda, que a licitação para a obra estaria suspensa à época da postagem e que o conteúdo não teria tido repercussão eleitoral significativa, dada a expressiva derrota do recorrente no pleito.

Tais alegações, contudo, não merecem acolhida.

A sentença condenatória fundamentou-se em robusto conjunto probatório, inclusive documental, que comprova a falsidade da informação veiculada. O Decreto Estadual n. 57.611/24 havia prorrogado o prazo para utilização da verba devido a eventos climáticos, e a licitação para a obra já estava efetivamente aberta quando da divulgação do vídeo.

Ademais, restou demonstrado que o próprio recorrente tinha ciência da prorrogação, conforme reconhecido em manifestação apresentada no processo de direito de resposta n. 0600351-66.2024.6.21.0008, no qual foi reconhecida a falsidade da afirmação e concedido direito de resposta ao adversário político.

A conduta, portanto, extrapolou os limites da liberdade de expressão e da crítica política. Ao afirmar que a Prefeitura "perdeu a verba" para os leitos de UTI, o recorrente não apenas distorceu a realidade dos fatos, como imputou, de forma indevida, desídia e má gestão à administração municipal, com manifesto potencial lesivo à imagem do adversário e à higidez do debate democrático.

Conforme consta do parecer ministerial:

(...)

Ademais, é notória a capacidade de a divulgação exercer influência perante o eleitorado, pois, além de ser lançado em meio de rápida propagação (internet), o vídeo se refere à tema de alta sensibilidade social, dado que relaciona o adversário a uma postura negligente diante de uma possibilidade de expandir o tratamento de saúde da população local, por meio da construção de novos leitos de UTI em hospital da cidade.

(...)

O precedente deste Tribunal e a jurisprudência e do TSE são firmes no sentido de que a liberdade de expressão no contexto eleitoral não abrange a divulgação de fatos sabidamente inverídicos, ainda que travestidos de questionamentos retóricos (TSE, Rp 06017545020226000000, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe  28/03/2023).

O dolo, no caso, evidencia-se pelo conhecimento prévio do conteúdo enganoso e pela intencionalidade política na sua veiculação. Conforme aponta a Procuradoria Regional Eleitoral, no Pedido de Direito de Resposta n. 0600351-66.2024.6.21.0008, o próprio recorrente admite ter conhecimento de que existe “um Decreto de número 57.611, datado de 13 de maio de 2024 que prorroga o prazo para o uso do dinheiro do projeto hospitalar” (ID 45694775, p. 12).

Portanto, a confirmação da sentença é medida impositiva. A tese defensiva de que seria um “mero questionamento” não se sustenta juridicamente, pois houve afirmação categórica de um fato falso, o recorrente tinha ciência da prorrogação do prazo, a afirmação era capaz de desinformar o eleitor e o conteúdo extrapolou os limites da crítica legítima.

Não há espaço para reforma da decisão.

No tocante à dosimetria da pena, não se verifica desproporcionalidade. A pena-base foi fixada no mínimo legal (120 dias-multa), com aumento de 1/3 pela utilização de redes sociais como meio de divulgação, resultando na pena definitiva de 160 dias-multa, em conformidade com o art. 323, § 2º, inc. I, do Código Eleitoral.

Trata-se de reprimenda mínima, adequada à gravidade da conduta e suficiente para os fins de prevenção geral e especial.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.