REl - 0600298-12.2024.6.21.0097 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/09/2025 00:00 a 26/09/2025 23:59

VOTO

Magela Lindner Formiga, irresignada, recorre contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha referente a sua candidatura nas eleições municipais de 2024 e determinou o recolhimento de R$ 6.885,00 ao Tesouro Nacional.

A falha consistiu no recebimento do montante total de R$ 6.885,00, considerado como de origem não identificada, mediante dois depósitos em espécie. O primeiro, na importância de R$ 1.885,00, realizado em 16.9.2024, identificado com o CPF da própria candidata, e um segundo depósito, no valor de R$ 5.000,00, efetuado em 25.9.2024, identificado com o CPF do doador José Carlos Formiga, esposo da recorrente, conforme extrato bancário do ID 45882691, p. 2.

Do exame dos autos, verifica-se que, no demonstrativo de receitas financeiras, a recorrente declarou que essas doações foram recebidas a partir de dois depósitos em espécie (ID 45882669).

O procedimento descumpre norma objetiva de contabilidade eleitoral e impacta diretamente a confiabilidade das contas, na medida em que os valores não deveriam ser utilizados no financiamento de campanha. No caso de utilização dos recursos, como na hipótese dos autos, a quantia deve ser recolhida ao Tesouro Nacional na forma do disposto nos arts. 21, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º; 32, caput; e 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Tal exigência normativa visa assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos por candidatas e candidatos, o que resta insanavelmente comprometido quando a operação é realizada por meio diverso, como procedeu a recorrente.

Relativamente às razões de reforma, diversamente do que argumenta a candidata, inexiste norma indexando o limite de depósitos em espécie nas campanhas eleitorais a regramentos tributários do imposto de renda pessoa física. Não há suporte normativo para a pretensão de atualização do limite de arrecadação de dinheiro em espécie durante a campanha a partir de vínculo inexistente com a isenção do imposto de renda

Além disso, o valor máximo para recebimento de depósito em espécie está expresso no regramento de contabilidade eleitoral (art. 21, § 1°, da Resolução TSE n. 23.607/19). A alegação de desconhecimento das regras eleitorais não desobriga candidatas, candidatos e partidos políticos do dever de observância da legislação eleitoral.

O descumprimento da exigência de realização de transferência bancária ou de emissão cheque nominal cruzado para recebimento das doações não fica suprido caso o depósito em espécie seja identificado no nome e CPF de determinada pessoa. Quando há superação do valor limite para recebimento de depósito em dinheiro, a identificação do doador não é suficiente para comprovar a efetiva origem da doação devido à ausência de demonstração de que os recursos financeiros recebidos tiveram trânsito prévio pelo sistema bancário.

Na hipótese em tela inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos ou por qual motivo não foram realizados depósitos por transferências bancárias, impossibilitando-se que a falha seja relevada. Assim, os depósitos de R$ 1.885,00 e de R$ 5.000,00, uma vez realizados em espécie, descumprem objetivamente a proibição de captação de recursos nessa modalidade em valor acima de R$ 1.064,10.

Nesse cenário, embora os comprovantes de depósitos indiquem o CPF dos supostos doadores, a candidata e seu marido, a irregularidade permanece porque a informação carece de fidedignidade e viola o princípio da transparência da movimentação financeira. Houve superação do limite de recebimento de doação em dinheiro, circunstância que inviabiliza o rastreamento de valores e prejudica a confiabilidade da fonte da receita, caracterizando recurso de origem não identificada.

Ressalto que o Tribunal Superior Eleitoral compreende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,10 serem realizadas mediante transferência bancária não se constitui em mero formalismo. De acordo com o TSE: “A partir do momento em que se realiza o depósito em espécie na boca do caixa, não há sequer como saber a real origem do dinheiro, se do candidato ou de terceiros, de modo que a capacidade financeira é por si só inócua na hipótese” (TSE RO-El n. 060162796 NATAL - RN, Relator.: Min. Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 15.10.2020, Data de Publicação: 28.10.2020). A propósito, o seguinte precedente:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS . PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. IRREGULARIDADE. DOAÇÕES . DEPÓSITOS BANCÁRIOS. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. OFENSA AO ART . 21, § 1º, DA RES.–TSE Nº 23.607/2019. DEVOLUÇÃO AO TESOURO NACIONAL . PRECEDENTES. SÚMULA Nº 30/TSE. DESPROVIMENTO. 1 . Nos termos da jurisprudência do TSE, "a doação de valor acima de R$ 1.064,10, em espécie, por meio de depósito bancário, não constitui mera irregularidade formal, mas irregularidade grave, que enseja a desaprovação das contas, uma vez que compromete sobremaneira a transparência do ajuste contábil" (AREspE nº 0600481–94/TO, Rel. Min. Mauro Campbel Marques, DJe de 23 .8.2022). 2. Contas de campanha desaprovadas, tendo em vista, dentre outras irregularidades, o recebimento de doações em valor superior a R$ 1 .064,10, em contrariedade ao disposto no art. 21, § 1º, da Res.–TSE nº 23.607/2019, o que caracteriza arrecadação de recursos de origem não identificada . Determinação de restituição da quantia irregular ao Erário. Incidência da Súmula nº 30/TSE. 3. Agravo interno ao qual se nega provimento .

(TSE - REspEl: 06003401620206170064 ÁGUAS BELAS - PE 060034016, Relator.: Min. André Ramos Tavares, Data de Julgamento: 18.08.2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 174) – Grifei.

 

Como se vê, não se trata de irregularidade meramente formal, nem de análise da boa ou má-fé dos prestadores, ou de caso de malversação, de desvio de recursos, de recebimento de valores provenientes de fonte vedada ou de locupletamento indevido, mas de manifesto e injustificável descumprimento de norma eleitoral objetiva aplicável a todos os candidatos.

De igual modo, não prospera a tese recursal de que dos valores irregulares deve ser deduzido o limite legal para fins de recolhimento ao Tesouro Nacional. Além de não possuir amparo legal, a falha representa a integralidade do crédito recebido em espécie em desacordo com a norma eleitoral, caracterizando o depósito inteiro como recurso de origem não identificada (TRE/RS, REl n. 0600516-71.2024.6.21.0022, Relator Francisco Thomaz Telles, DJe 13.3.2025).

Consoante o entendimento consolidado na jurisprudência, “O valor irregular deve ser considerado em sua totalidade, e não apenas na parte que excede o limite permitido, sendo necessário seu recolhimento ao Tesouro Nacional por representar recurso de origem não identificada” (TRE-ES, REl n. 0600640-62.2024.6.08.0007, Relatora Desembargadora Isabella Rossi Naumann Chaves, DJe, 07.3.2025). Há diretriz jurisprudencial firmada no sentido de que: “Não é possível considerar irregular apenas a diferença de valor que ultrapassar o montante de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), previsto no artigo 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, pois a doação é considerada na sua integralidade, é tida por única e impartível, não sendo possível fracioná–la para considerar parte regular e parte irregular”. (TRE-GO, REl n. 0600610-23.2020.6.09.0077, Relator Desembargador Eleitoral Adenir Teixeira Peres Júnior, DJe, 27.7.2023).

Dessa maneira, não prospera o pedido de recolhimento apenas do valor excedente ao limite de arrecadação de recursos em dinheiro em espécie.

A sentença está em sintonia com a jurisprudência pacífica deste Tribunal no sentido de que “Os depósitos em espécie realizados diretamente na conta de campanha do candidato, em valor igual ou superior ao limite regulamentar, mesmo quando acompanhados da identificação do CPF, não são suficientes para comprovar a origem dos recursos, sendo irregularidade que enseja a desaprovação das contas, quando comprometer percentual significativo das receitas arrecadadas” (TRE-RS, REl n. 0600586-58.2024.6.21.0032, Relator Desembargador Mario Crespo Brum, DJe, 04.4.2025).

Portanto, permanece a irregularidade, sendo inviável acolher o pedido de aprovação das contas, e a decisão merece ser mantida.

O procedimento adotado na doação contraria o art. 21, inc. I, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,10 para doações bancárias em espécie, realizadas por um mesmo doador. Assim, está correta a conclusão do juízo a quo no sentido de que os valores não estão com a origem devidamente identificada, o que conduz ao recolhimento ao erário, na forma prevista no caput do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

A falha, por sua vez, importa em R$ 6.885,00 e representa 34,31% do total de recursos arrecadados (R$ 20.065,00). O valor extrapola os parâmetros de aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, tendo em vista que o montante da irregularidade está acima de 10% do total de recursos arrecadados e é superior ao valor nominal de R$ 1.064,10.

De acordo com a jurisprudência: “Em prestação de contas cuja irregularidade envolver valores reduzidos, inferiores a R$ 1.064,10 ou a 10% da arrecadação, é admitida a aprovação com ressalvas, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.” (TRE-RS, REl n. 0600724-60.2024.6.21.0085, Relator Desembargador Eleitoral Nilton Tavares da Silva, DJe, 13.02.2025).

Com essas considerações, em linha com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, concluo que o recurso merece ser desprovido porque a manutenção do juízo de desaprovação das contas e da determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional é medida que se impõe, nos termos dos arts. 74, inc. III, 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.