REl - 0600439-24.2024.6.21.0067 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/09/2025 00:00 a 26/09/2025 23:59

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo, estando presentes os demais requisitos ínsitos à tramitação processual, razão pela qual dele conheço.

 

MÉRITO

O cerne da controvérsia reside em definir se o saque integral de recursos do FEFC e o subsequente pagamento de despesas em espécie, com a apresentação de recibos simples em vez de documentação fiscal idônea, constitui irregularidade grave o suficiente para ensejar a desaprovação das contas e a devolução dos valores.

Adianto que o apelo não comporta provimento.

Com efeito, a legislação eleitoral, mormente a Resolução TSE n. 23.607/19, estabelece regras estritas para a movimentação de recursos de campanha, sobretudo os de origem pública, como o FEFC. O objetivo é garantir a máxima transparência e permitir o efetivo controle por parte da Justiça Eleitoral.

De tal modo, a supracitada Resolução, em seu art. 38, estabelece de forma clara que os gastos eleitorais devem ser efetuados por meio de instrumentos que assegurem a identificação do beneficiário, sendo admitidos apenas cheque nominal cruzado, transferência bancária, débito em conta, cartão de débito ou PIX. A utilização de saque em espécie não encontra respaldo na norma, exceto em hipóteses de pequeno valor, o que não se aplica ao caso.

Destarte, o preceptivo em questão assim dispõe:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ da beneficiária ou do beneficiário;

III - débito em conta; (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

IV - cartão de débito da conta bancária; ou (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

V - Pix. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais e cartões pré-pagos geridos por empresa intermediadora. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

§ 3º A realização de procedimento interno da instituição bancária, devidamente comprovado, não representa violação às formas de gasto previstas no presente artigo e não importa em sanções diretamente ao prestador de contas. (Incluído pela Resolução nº 23.731/2024)

Consoante ressai, a sentença vergastada julgou pela desaprovação das contas e determinou a devolução dos valores apontados ao erário.

Nessa senda, do decisum de primeiro grau, trago à colação o seguinte excerto, o qual incorporo às minhas razões de decidir:

Destaca-se que todas as despesas financeiras declaradas pela candidata e elencadas no parecer de ID 126672993 (detalhadas na tabela acostada às páginas 3/4) foram supostamente pagas em espécie, ou seja, sem a regular identificação dos beneficiados com os pagamentos.

A inobservância das modalidades de pagamento autorizadas pelo artigo 38 da Resolução TSE 23.607/2019 configura irregularidade na utilização de recursos do FEFC, impondo o recolhimento do montante irregular (R$ 5.435,11) ao Tesouro Nacional, a teor do §1° do artigo 79 da referida resolução. Em semelhante sentido, assim já decidiu o egrégio TRE-RS:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2022. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO NÃO ELEITO. IRREGULARIDADE NA COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. [...]

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

2.1. A questão em discussão consiste em determinar se a realização de despesas de campanha por meio de saques eletrônicos, em contrariedade ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, é irregularidade apta a ensejar a desaprovação das contas.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que os gastos eleitorais devem ser efetuados com identificação do beneficiário, sendo vedada a utilização de saques eletrônicos para pagamento de despesas de campanha, excetuados casos de pequeno valor, que neste processo não se aplicam.

3.2. Resta caracterizada a irregularidade em relação à maneira utilizada para a quitação dos gastos eleitorais, ou seja, saque de recursos da conta do FEFC e pagamento em espécie, o que impede a rastreabilidade dos valores e a confirmação acerca do efetivo destinatário dos recursos.

3.3. As falhas apuradas representam 93,03% do montante de recursos arrecadados, superando, assim, os parâmetros de R$ 1.064,10 e de 10% da movimentação financeira, admitidos pela jurisprudência como um balizador, para as prestações de contas de candidatos, e como espécie de tarifação do princípio da insignificância, sendo adequado, razoável e proporcional, no presente caso, o julgamento pela desaprovação das contas. e o recolhimento ao Tesouro Nacional, com base nos arts. 74, inc. III, e 79, § 1°, da Resolução TSE n. 23.607/19.

V. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Desaprovação das contas, com determinação de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional.

Tese de julgamento: A realização de despesas de campanha, por meio de saques eletrônicos, sem identificação do beneficiário, viola o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, configurando irregularidade grave que justifica a desaprovação das contas e o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, quando representar percentual significativo dos recursos de campanha. [...] (PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS n°060327630, Acórdão, Des. Francisco Thomaz Telles, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 26/11/2024).

Além disso, imperioso ressaltar que não houve a efetiva e regular comprovação da utilização dos recursos públicos recebidos, a teor do artigo 60 da Resolução TSE 23.607/2019.

Com efeito, visando comprovar os gastos declarados, a candidata limitou-se a juntar aos autos os "recibos de pagamentos" de IDs 126625946, 126625947, 126625949, 126625950 e 126685549, documentos unilaterais sem aptidão à comprovação dos gastos de campanha. Chama a atenção que mesmo para gastos regularmente comprovados por outras candidatos e candidatos mediante notas fiscais, a exemplo da confecção de "santinhos" contratado junto a gráfica, a candidata juntou recibo de pagamento (ID 126625947) e não notas fiscais.

Portanto, no presente caso, a recorrente optou por um caminho que inviabiliza por completo a rastreabilidade do dinheiro público.

Ao sacar a integralidade dos valores e realizar pagamentos em espécie, a candidata quebrou a cadeia de controle que permite à Justiça Eleitoral verificar se os recursos foram, de fato, empregados para os fins declarados e em benefício dos prestadores de serviço indicados.

Os "recibos de pagamento" juntados são documentos unilaterais, desprovidos de fé pública, produzidos pela própria campanha, não permitindo a efetiva verificação dos beneficiários e da destinação dos valores e, por conseguinte, não possuindo a força probatória de notas fiscais ou outros documentos idôneos, essenciais para a comprovação de despesas, conforme determina o art. 60 da mesma Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo, a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS, informações do Sistema de Escrituração Digital de Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais Previdenciários e de Outras Entidades e Fundos (DCTFWeb) e da Escrituração Fiscal Digital de Retenções e Outras Informações Fiscais (EFD-Reinf). (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

§ 2º Quando dispensada a emissão de documento fiscal, na forma da legislação aplicável, a comprovação da despesa pode ser realizada por meio de recibo que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou prestação, a identificação da destinatária ou do destinatário e da(o) emitente pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ, endereço e assinatura da prestadora ou do prestador de serviços.

§ 3º A Justiça Eleitoral poderá exigir a apresentação de elementos probatórios adicionais que comprovem a entrega dos produtos contratados ou a efetiva prestação dos serviços declarados.

[...]

Noutro giro, a alegação da recorrente de que não houve prejuízo e a invocação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade não se sustentam.

No processo ora em tela, as irregularidades atingem a totalidade dos recursos do FEFC recebidos pela candidata VERIDIANA DA CRUZ, correspondentes a R$ 5.435,11, representando 72,24% do total das despesas de campanha. O valor supera o parâmetro de R$ 1.064,10 e de 10% da movimentação financeira, usualmente admitidos como tolerância para aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Nesse sentido, refiro, à guisa de exemplo, entendimento firmado em decisão desta Corte na qual bem se elucida o caráter alternativo da possibilidade de reconhecimento de pouca monta a valores apontados em processos de prestação de contas, “em relação à pretensão de aprovação das contas com ressalvas, com base na pequena expressão do valor irregular, a jurisprudência considera inexpressivo o montante que não ultrapassar: (a) em termos absolutos, o valor de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos); ou (b) em termos relativos, o percentual de 10% (dez por cento) do total de recursos arrecadados” (TRE-RS, REl n. 060002152, Relator: Des. Mario Crespo Brum, Publicação: 03.9.2024.

Portanto, conforme bem analisado pelo Ministério Público Eleitoral em seu parecer, a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade é reservada a falhas que, por sua baixa expressividade financeira e natureza meramente formal, não comprometam a análise global das contas.

Não é o que ocorre aqui.

Assim, não há espaço para mitigação, pois a irregularidade compromete a transparência e a confiabilidade das contas, frustrando a principal finalidade do controle exercido pela Justiça Eleitoral.

No presente caso, a irregularidade não atende a nenhum dos critérios alternativos que autorizariam a mitigação do vício. O montante de R$ 5.435,11 supera em muito o limite absoluto de R$ 1.064,10, e o percentual de 72,24% do total da campanha é manifestamente superior ao limite de 10%. Um vício que ultrapassa ambos os limites de tolerância estabelecidos pela jurisprudência, não podendo ser considerado de pequena monta.

Porquanto cediço, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral encontra-se sedimentada no sentido de que deve ser afastada a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade quando as irregularidades na prestação de contas são graves e inviabilizam a sua fiscalização pela Justiça Eleitoral, extrapolando os limites jurisprudenciais hábeis à aplicação de tais princípios.

Em tal senda, a título exemplificativo, trago a lume, neste voto, precedente daquele sodalício:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. SERVIÇOS CONTÁBEIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTOS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). DEVOLUÇÃO AO ERÁRIO. FALHAS GRAVES. CONTAS. CONFIABILIDADE. FISCALIZAÇÃO. COMPROMETIMENTO. SÍNTESE DO CASO 1. Trata–se de agravo regimental interposto em face de decisão monocrática por meio da qual foi negado seguimento a agravo em recurso especial manejado em desfavor de acórdão regional que desaprovou a prestação de contas de campanha do agravante, referente às Eleições de 2018, quando concorreu ao cargo de deputado estadual, em razão da ausência de comprovação de gastos eleitorais pagos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), determinando o recolhimento do montante de R$ 17 .750,00 ao Tesouro Nacional. ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL 2. Extrai–se do acórdão regional que o agravante confessou que os serviços de contabilidade contratados diziam respeito ao processo de prestação de contas de campanha, que tem natureza jurisdicional, por força de lei – art. 37, § 6º, da Lei 9 .096/95 –, e conforme a jurisprudência desta Corte. 3. Os gastos com serviços de contabilidade atinentes a processo jurisdicional não podem ser considerados de natureza eleitoral. Precedentes. Óbice do verbete sumular 30 desta Corte. 4. A falha corresponde ao valor absoluto de R$ 17.750,00, alcançando o percentual significativo de 11,13% do total de gastos realizados, o que decerto não é montante de somenos importância. 5. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que deve ser "afastada a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade quando as irregularidades na prestação de contas são graves e inviabilizam a sua fiscalização pela Justiça Eleitoral" (AgR–REspe 59–70, rel. Min. Rosa Weber, DJE de 23 .8.2018). Incidência do verbete sumular 30 do Tribunal Superior Eleitoral. CONCLUSÃO Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE - AI: 060542330 SÃO PAULO - SP, Relator.: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 24.09.2020, Data de Publicação: 13.10.2020)

Por fim, quanto à alegação da recorrente acerca de violação ao princípio da isonomia em comparação com outro julgado, nomeadamente o processo n. 0600267-42.2024.6.21.0145, ressalto que cada processo é analisado com base nas provas e circunstâncias específicas dos autos.

Ademais, eventuais decisões de primeiro grau não vinculam este Tribunal, que deve pautar-se pela legislação e por sua própria jurisprudência consolidada, assim como pela jurisprudência exarada pelas Cortes congêneres ou pelas Cortes superiores.

Em suma, observada a magnitude das falhas, a ausência de documentação fiscal idônea e a relevância do montante envolvido relativamente a verbas do FEFC, as irregularidades devem ser qualificadas como graves e insanáveis, impondo a desaprovação das contas, nos termos dos arts. 74, inc. III, e 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ante o exposto, VOTO por NEGAR PROVIMENTO ao recurso, para manter integralmente a sentença que desaprovou as contas de campanha de VERIDIANA DA CRUZ e determinou o recolhimento do valor de R$ 5.435,11 (cinco mil, quatrocentos e trinta e cinco reais e onze centavos) ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.