REl - 0600449-63.2024.6.21.0101 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/09/2025 00:00 a 26/09/2025 23:59

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, cuida-se de recurso interposto por MARLI GRUBERT, candidata ao cargo de vereadora no Município de Miraguaí/RS, contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha nas eleições de 2024 e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 2.151,11.

A sentença recorrida considerou irregulares duas despesas quitadas por meio de cheques nominais não cruzados: a primeira, no valor de R$ 2.000,00, relativa a serviços contábeis contratados com Mara Lúcia Batista Morais; e a segunda, no valor de R$ 151,11, atinente a serviços de gravação de programa/spot prestados por Cleiton Figueiredo Flores – ME.

Sobre o não cruzamento dos cheques, é incontroverso que houve o descumprimento da regra prevista no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que determina:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ da beneficiária ou do beneficiário;

III - débito em conta; (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

IV - cartão de débito da conta bancária; ou (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

V – Pix. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

Assim, a questão a ser examinada é se essa falha afetou a regularidade, transparência e fiscalização das contas ou impediu a rastreabilidade dos recursos financeiros manejados, mormente porque se trata de verba de natureza pública (FEFC).

Passo ao exame individualizado de cada despesa.

 

1. Da Despesa com Serviços Contábeis

No tocante ao cheque n. 000004, no valor de R$ 2.000,00, o juízo da origem apontou o seguinte (ID 45981959):

Ainda, conforme documento ID 126950630, o cheque 000004 (R$ 2.000,00) revela divergências entre o pagamento realizado e o contrato apresentado. O cheque de R$ 2.000,00 foi sacado por uma pessoa Maiara Mohana Grubert, mas o contrato e o cheque estavam em nome de outra Mara Lucia Batista Morais. Outrossim, há falta de documentação fiscal idônea para comprovar adequadamente os gastos de campanha com serviços contábeis. Isso porque, o termo contratual juntado nos autos está no nome de Mara Lucia Batista Morais, entretanto a contadora indicada pela parte no documento ID 125906601 Maiara Mohana Grubert.

 

Em suas razões, a recorrente atesta a regularidade dos gastos e fidedignidade dos documentos apresentados, alegando, ainda, que “fica fácil e evidente identificar a pessoa beneficiária dos recursos, no caso, a contadora Sra. MARA LUCIA BATISTA MORAIS, uma vez, que o cheque foi emitido de forma nominal”.

Nada obstante, não assiste razão à recorrente.

A candidata apresentou contrato de prestação de serviços contábeis (ID 45981952) firmado com Mara Lúcia Batista Morais, contadora regularmente registrada no Conselho Federal de Contabilidade, conforme consulta pública disponível no site https://www3.cfc.org.br/SPW/ConsultaNacionalCFC/cfc/consultaprofissional, conforme a seguinte captura de tela:

 

 

Todavia, os extratos bancários evidenciam que o valor foi lançado sob a rubrica “cheque para depósito”, tendo como destinatária Maiara Mohana Grubert de Oliveira, pessoa que não possui registro no Conselho Federal de Contabilidade, conforme consulta realizada no endereço eletrônico anteriormente referido (print abaixo) e que, conforme consulta ao Cadastro Nacional de Eleitores, é filha da candidata.

 

Por oportuno, colaciona-se, também, a captura de tela extraída do sistema DivulgaCandContas, do TSE, contendo o extrato bancário em que consta o lançamento “cheque para depósito” em favor de Maiara Mohana Grubert de Oliveira:

A relevância da inconsistência evidencia-se no próprio Relatório de Despesas Efetuadas (ID 45981882), no qual consta como fornecedora dos serviços contábeis a mesma Maiara Mohana Grubert, a quem foi atribuído o CRC RS-096688/O, pertencente, em verdade, a Mara Lúcia Batista Morais:

Portanto, embora o contrato tenha sido formalizado com profissional habilitada, a despesa foi lançada e quitada em nome de pessoa diversa, sem registro profissional e parente da candidata.

Tal dissonância compromete de forma irreparável a idoneidade do gasto declarado, pois os recursos do FEFC não se destinaram à contadora regularmente contratada e inscrita em seu órgão de classe, mas a terceira pessoa, estranha à contratação, sem habilitação técnica para o objeto do contrato e filha da candidata.

Não bastasse, a candidata arrecadou o montante total de R$ 3.715,00, sendo R$ 2.500,00 provenientes do FEFC e R$ 1.215,00 oriundos de doações financeiras e estimáveis em dinheiro. Assim, mais da metade desses recursos, cerca de 53,8% do total, foram alocados nos serviços contábeis

As incongruências verificadas na documentação apresentada são graves e abalam a confiabilidade e lisura das informações declaradas, colocando em descrédito o gasto quanto à real destinação e finalidade dos recursos. Além disso, tais inconsistências afrontam diretamente os princípios da economicidade e da impessoalidade, que são indissociáveis da aplicação de verbas de natureza pública e orientam a correta utilização do financiamento eleitoral.

Portanto, não há como conferir regularidade à despesa, a qual deve ser glosada, com o consequente recolhimento da quantia correspondente ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

2. Da Despesa com Cleiton Figueiredo Flores ME

A segunda irregularidade reconhecida na sentença refere-se ao cheque n. 000001, no valor de R$ 151,11, emitido para pagamento de serviços de gravação de spot, conforme nota fiscal emitida pelo fornecedor Cleiton Figueiredo Flores – ME (CNPJ n. 40.629.074/0001-06).

Não foi apresentada a microfilmagem da frente e verso do título, apenas cópia de sua face frontal. A ausência do verso impede verificar se houve ou não endosso e se o valor foi efetivamente compensado pelo fornecedor declarado.

O extrato bancário registra tão somente a saída de numerário por meio de saque eletrônico, sem identificação do recebedor, circunstância que, sem qualquer esclarecimento adicional pela candidata, inviabiliza a vinculação segura do crédito ao prestador de serviços.

Em realidade, no apelo, a recorrente manteve-se completamente silente em relação a essa irregularidade, sem qualquer impugnação específica ou referência mínima ao gasto, impedindo o próprio exame do tema nesta instância, pois a matéria não foi devolvida a este Tribunal em face do princípio tantum devolutum quantum apellatum.

Assim, os fundamentos não atacados são aptos, por si sós, à manutenção da sentença quanto ao ponto, nos termos do art. 932, inc. III, do CPC e da Súmula n. 26 do TSE.

Resta, assim, mantida a irregularidade relativa ao montante de R$ 151,11, cuja devolução ao erário se impõe, consoante o art. 79, § 1º, da Res.-TSE n. 23.607/19, nos termos da decisão recorrida.

 

3. Do Julgamento das Contas 

No caso em exame, as irregularidades identificadas transcendem a esfera de falhas meramente formais ou de erros materiais, pois dizem respeito à ausência de comprovação idônea da aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, em desconformidade com os arts. 38 e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

O montante das despesas impugnadas corresponde a R$ 2.151,11 e representa 57,9 % do total de recursos arrecadados pela candidata (R$ 3.715,00), valores que excedem de forma significativa os parâmetros estabelecidos pela jurisprudência para a aprovação das contas com ressalvas com fundamento na irrelevância do montante absoluto ou do percentual irregular ante o total arrecadado (TSE – AREspEl n. 060039737/PR, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 29.8.2022, Data de Publicação: DJe - Diário da justiça eletrônico, Tomo n. 175). 

Desse modo, não há como acolher o pleito recursal, devendo ser mantida a sentença de desaprovação, bem como a determinação de recolhimento da quantia indevidamente aplicada.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.